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Matheus Borges*, do R7

“Videogames não ensinam nada útil para a vida”, “só fica nesse joguinho o dia inteiro”, “Isso nunca te dará futuro”, “isso só serve para perder tempo”, “nada de bom vem desses jogos”. Se você joga e gosta de videogames, provavelmente já escutou pelo menos uma dessas frases de alguém próximo. Ainda assim, games são uma das maiores paixões dos jovens de hoje, vêm ganhando cada vez mais espaço no mercado de trabalho nos últimos anos e se tornaram um dos setores profissionais que mais crescem no planeta.

Com a evolução da tecnologia, o crescimento da chamada cultura gamer e a explosão das plataformas digitais, o que antes era considerado apenas lazer agora é reconhecido como uma carreira promissora.

Neste mercado bilionário e cheio de oportunidades profissionais, a carreira de e-sports tem ganhado notoriedade. Isso mesmo: atletas de alto desempenho que treinam diariamente com suas equipes em jogos como Counter-Strike: Global Offensive, Valorant e Dota, para competir contra os melhores do mundo em campeonatos gigantescos organizados em diversas regiões.

Um estudo da consultoria Fortune Business Insights revelou que o mercado global de e-sports está avaliado em US$ 1,72 bilhão em 2023, e deve chegar a US$ 2,06 bilhões no fim de 2024.

Embora ainda em desenvolvimento, os esportes eletrônicos já conquistaram uma grande base de fãs e se tornaram a carreira dos sonhos de muitos jovens. Segundo o site Statista, especializado em reunir dados sobre diversos temas, em 2020, cerca de 215 milhões de pessoas assistiram e-sports ao redor do mundo. O esperado é que esse número chegue a 318 milhões já em 2025, um crescimento médio anual de quase 28%. O número é apenas de entusiastas, que acompanham diversas competições, se incluída a audiência ocasional, os espectadores dobram.

Em resposta a essa demanda, escolas e universidades começaram a adaptar seus currículos para incluir disciplinas específicas relacionadas aos jogos.

Campeonatos de e-sports exigem concentração máxima e preparo dos atletas (Reprodução/Los Grandes)

Campeonatos de e-sports exigem concentração máxima e preparo dos atletas

Reprodução/Los Grandes

Na Seoul Game Academy, uma rede de escolas localizada na capital da Coreia do Sul, os alunos podem optar por atividades complementares, como inglês ou história. No entanto, milhares deles escolhem passar horas extras, até tarde da noite, aprimorando suas habilidades em videogames. Em 2023, a própria instituição relatou que cerca de dois mil alunos se dedicaram ao aprendizado de League of Legends — "LoL" para os íntimos.

Da mesma forma, a Universidade de Syracuse, em Nova York, Estados Unidos, passar a oferecer um curso especializado em e-sports a partir de 2024.

Os veteranos passam mais de 10 horas focados no computador, treinando e discutindo estratégias.

League of Legends, um game no formato MOBA (arena de batalha online para vários jogadores), combina trabalho em equipe, ação e estratégia, e é um dos mais populares globalmente. Especialmente na Coreia, onde jogadores como CoreJJ, Chovy e Keria substituíram os ídolos esportivos tradicionais e se tornaram algumas das maiores celebridades do país.

Caminho incomum

Para quem está acostumado com sistemas de trabalho mais tradicionais, esse novo caminho pode parecer incomum, mas o mundo dos e-sports veio para ficar, impulsionado por cifras e números impressionantes. O maior mercado desse nicho do mundo, a Ásia, exemplifica essa força.

A Riot Games, desenvolvedora de LoL, vendeu os direitos de transmissão da liga chinesa para o serviço de streaming Huya, conhecido globalmente como Nimo TV, por cerca de R$ 1,7 bilhão. A liga coreana, a mais popular entre os espectadores, também atraiu grandes investidores, como a joalheria norte-americana Tiffany & Co.

Além dos grandes investimentos, os salários dos jogadores de e-sports também são notáveis. Lee Sang-hyeok, conhecido como Faker, considerado o maior jogador de todos os tempos na modalidade, tem um salário anual estimado em R$ 32 milhões, comparável ao de atletas de esportes mais tradicionais, como futebol e basquete.

A força dos e-sports no Brasil

No Brasil, os esportes eletrônicos ainda estão em desenvolvimento, mas já deram passos significativos. Atualmente, existem atletas que se dedicam integralmente aos jogos — algo inimaginável há alguns anos. Contudo, esse caminho ainda é visto com estranheza por quem não compreende o funcionamento desse mundo.

Atletas precisam treinar e traçar estratégias contra adversários (Reprodução/Los Grandes)

Atletas precisam treinar e traçar estratégias contra adversários

Reprodução/Los Grandes

Em entrevista ao R7, Felipe Gonçalves — mais conhecido como Brtt, possivelmente o maior nome do League of Legends brasileiro e pioneiro das competições de LoL no país — destacou que a falta de apoio financeiro e de patrocínios foram os principais obstáculos no início de sua carreira. “As maiores dificuldades eram a falta de oportunidades, de investimentos das empresas e marcas, além da falta de apoio, tanto das marcas quanto de pessoas que desacreditavam e tentavam diminuir o cenário."

Envy, duas vezes campeão do CBLOL (Campeonato Brasileiro de LoL) e colega de Brtt na equipe Los Grandes, enfrentou desafios diferentes. Ele relata que fazer sua família entender, aceitar e apoiar sua escolha profissional foi uma das maiores dificuldades no início de sua trajetória. Seus pais começaram a enxergar seu potencial somente após ele vencer alguns campeonatos em Recife, sua cidade natal, mas só aprovaram totalmente sua decisão quando ele se mudou para São Paulo para competir contra os melhores do país.

Apesar dos obstáculos iniciais, ambos ainda lidam com as dificuldades cotidianas de um atleta. Os veteranos contam que chegam ao office, local onde se reúnem com seus colegas de equipe, logo pela manhã e passam mais de 10 horas focados no computador, treinando, discutindo estratégias, analisando adversários e assistindo replays de partidas para conseguir melhorar cada um em sua posição.

O mental é o ponto mais importante, porque nós praticamos um esporte em que não há grandes desgastes.

Rodrigo Medina, técnico de e-sports

Outro membro promissor da equipe, a jovem estrela Supercleber, uma das grandes promessas do League of Legends brasileiro, disse que além das exaustivas horas de treino, quando chega em casa, gosta de refletir sobre o que pode melhorar para os próximos treinos e absorver o máximo de informações que lhe foram passadas.

Por conta disso, os atletas podem passar de 12 a 14 horas por dia na frente das telas, usando teclados e mouses — algo extremamente cansativo e estressante, tanto para a mente quanto para o corpo. No entanto, por ser um esporte de baixo impacto, o preparo físico muitas vezes é negligenciado, o que pode comprometer a saúde e o bem-estar dos jogadores.

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Arte/R7

Para prevenir possíveis lesões e problemas a longo prazo, várias equipes contrataram preparadores físicos e fisioterapeutas com o objetivo de auxiliar os atletas em seus treinos, algo bastante comum em outros esportes. Essa iniciativa foi muito bem recebida pelos jogadores, especialmente porque muitos vêm de uma cultura sedentária, resultante dos longos períodos dedicados aos videogames. Como resultado, os atletas começarem uma rotina mais saudável, e também passaram a se sentir melhor e ter um desempenho superior nos jogos.

Brtt sentiu isso na pele durante seus muitos anos de carreira. “Eu sentia muitas dores, principalmente nas costas. Mas, a partir do momento que comecei a me exercitar, essa questão melhorou muito”, revela ele. Além disso, o pentacampeão do CBLOL, afirma que gosta de sair para se exercitar bem cedo, antes de treinar com equipe. O atleta diz que assim consegue ser mais ativo durante o dia e chega mais concentrado e animado para as longas sessões na frente das telas.

Rodrigo Medina, técnico da Los Grandes, concorda com a estrela e acredita que, mesmo que os players fiquem muitas horas sentados e sem fazer um grande esforço físico, é visível a diferença entre aqueles que praticam exercícios e os que não. Em entrevista ao R7, ele conta que os mais preparados se cansam menos após longas horas no computador e nas cadeiras, conseguindo treinar por mais horas e se concentrar com mais facilidade e por longos períodos.

Terapia em dia

Medina salienta que o psicológico é o ponto de maior atenção para um atleta de alto nível de e-sports. “O mental é o ponto mais importante, porque nós praticamos um esporte em que não há grandes desgastes, fisicamente falando, então não temos a noção totalmente clara de quando nos cansamos ou ainda estamos bem, e só pela mente que analisamos isso.”

Diante dessa realidade, Rodrigo Fernandes — o El Gato, proprietário da equipe Los Grandes — decidiu contratar Gabriela Silva, uma psicóloga especializada em e-sports, para ajudar os jogadores a manterem a saúde mental em equilíbrio. Segundo Gabriela, a psicologia ainda é um tema pouco discutido nos esportes em geral, onde os aspectos físicos e técnicos recebem muito mais atenção.

Os principais temas abordados nas consultas são a falta de concentração, a ansiedade e a baixa autoconfiança, frequentemente causados pela pressão das torcidas, que aumentaram com a popularização dos esportes eletrônicos e o ambiente de intensa competição entre as equipes.

Existem também aspectos positivos da interação com a legião de fãs, segundo Gabriela: “Muitas vezes, a torcida se torna uma grande fonte de motivação. Quando o time está indo bem, eles empurram ainda mais, e mesmo quando ocorrem falhas ou erros, a torcida apoia. Esse suporte é fundamental, e acredito que os jogadores realmente apreciam isso”, afirma a psicóloga.

Envy observa que o contato com os fãs é muito maior e mais intenso do que quando iniciou sua carreira profissional, em 2017. Ele conta que essa relação cresceu ao longo dos anos, assim como a pressão exercida pelas torcidas. “É realmente diferente do início, em 2017 e 2018. Não havia tantos fãs, mas é algo que foi crescendo ao longo dos anos. E com isso a pressão também foi aumentando bastante”.

Mas existem ainda outros obstáculos para atletas de e-sports, como a distância da família e de amigos próximos.

“Durante os campeonatos, nem sempre a família consegue estar presente, e pode ser difícil encontrar um amigo para se sentir acompanhado. Os atletas precisam executar com perfeição tudo o que aprenderam nos treinos, o que aumenta ainda mais a pressão”, pontua Gabriela Silva, psicóloga especializada em e-sports.

“Só quem passa, só quem está ali no dia a dia treinando, se dedicando, sabe o quão cansativo é. Pode não ser um esforço físico, mas eu saio do treino lá com a minha cabeça destruída, não querendo falar uma palavra, só querendo cair na cama e dormir”, desabafou Brtt, atleta de elite da modalidade.

Audiência massiva

Outro setor extremamente popular dentro do universo dos e-sports, que experimentou um crescimento exponencial nos últimos anos — particularmente durante a pandemia de Covid-19 — são as live streams de jogos, conhecidas como gameplays. Essas transmissões ao vivo, onde uma pessoa joga e interage com o público ou retransmite campeonatos de esportes eletrônicos, têm atraído uma audiência massiva.

Este ano, o mercado de live streams de jogos de videogame atingiu um valor estimado em mais de US$ 13,65 bilhões, de acordo com o Statista. Estudos indicam que esse número pode chegar a mais de US$ 17,39 bilhões até 2027, um crescimento que surpreende até os especialistas mais otimistas. Além disso, segundo o site Dataprot, especializado em informações sobre negócios digitais, só no primeiro trimestre de 2022 foram assistidas mais de 8 bilhões de horas de transmissões de jogos nas principais plataformas de streaming.

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Arte/R7

Com esse crescimento explosivo, muitos gamers e jogadores profissionais começaram a se aventurar no mundo das lives, abandonando empregos e carreiras tradicionais para se dedicarem integralmente às transmissões. No entanto, com tantos nomes e canais emergindo, apenas alguns alcançam o sucesso desejado.

Enquanto criadores de conteúdo como "Ninja" e "Ibai", já consolidados na Twitch — a maior plataforma de streams do mundo —, possuem contratos milionários e faturam somas significativas mensalmente, um streamer médio com um bom número de inscritos pode ganhar entre R$ 14 e 28 mil por mês, um valor bastante atrativo.

Um dos e-atletas que se aventuraram nas gameplays ao vivo foi o próprio Brtt. Ele começou a transmitir suas partidas em meados de 2011, incentivado por colegas de equipe. Brtt afirmou que as lives permitiram uma conexão muito mais próxima com o público e até possibilitaram organizar encontros para que os fãs pudessem conhecê-lo pessoalmente. “Eu competia, mas fazia lives ao mesmo tempo, e acho que isso ajudou a aumentar meu público rapidamente”, relatou.

As plataformas de streaming, no entanto, não se limitam apenas a jogos de videogame. Elas abrangem uma vasta gama de conteúdo, incluindo notícias, música, filmes, séries e eventos esportivos.

Especialistas apontam que as live streams se tornaram muito populares por várias razões. A primeira é a interatividade: os espectadores podem conversar, comentar e fazer perguntas em tempo real, promovendo um senso de comunidade e engajamento. Outra razão é a autenticidade que os criadores de conteúdo podem oferecer, sendo 100% verdadeiros com seus fãs, o que fortalece a conexão emocional entre as partes. Além disso, o fácil acesso às plataformas também impulsiona essa popularidade, já que a maioria das pessoas possui dispositivos conectados à internet, permitindo que assistam às lives de praticamente qualquer lugar.

Em entrevista ao R7, Marcelo Rocha, produtor de eventos de Valorant, outro jogo competitivo produzido pela Riot Games, afirmou que as transmissões dos jogos estão muito desenvolvidas, com câmeras e equipamentos de última geração. “É uma estrutura que não deixa a desejar a TV nenhuma aqui do Brasil, sendo até maior e melhor do que muitos estúdios profissionais”.

Além disso, o produtor ressalta que os números de telespectadores são comparáveis aos de grandes campeonatos de futebol, como o Brasileirão. Mesmo assim, Marcelo enxerga que há espaço para muito desenvolvimento dentro da área, tanto de público, quanto das próprias transmissões.

Por sua vez, Brtt sugere que as emissoras tradicionais já estão "correndo atrás" para se adaptar a essa nova linguagem e conquistar um público que os programas convencionais não conseguem atingir.

“Não acho que seja só o futuro, é o presente das transmissões. Quem assiste se sente muito mais íntimo da pessoa que está fazendo a live, já que, na maioria das vezes, são transmissões muito mais descontraídas do que a TV tradicional”.

*Estagiário do R7 sob supervisão de Filipe Siqueira


Diretora de Conteúdo Digital e Transmídia: Bia Cioffi
Reportagem: Matheus Borges, estagiário do R7 
Edição: Filipe Siqueira
Coordenação de Arte: Adriano Sorrentino
Arte: Gabriel Marques Rodrigues e Sabrina Cessarovice 
Gerente de Produção Audiovisual: Douglas Tadeu
Coord. de Vídeo e Prod. de Conteúdo: Danilo Barboza
Produção Audiovisual: Denise Marino, Guilherme Estevam Silva e Julia de Caroli 
Operação de Captação Audiovisual: Guilherme Cabral
Edição e Finalização: Caique Ramiro