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Ana Vinhas, do R7

A diarista Geisa Santos Novaes, de 40 anos, calcula ter gastado nos últimos cinco anos mais de R$ 8 mil com procedimentos estéticos, como botox e preenchimentos. Mas, recentemente, ela passou por uma experiência malsucedida, após uma intervenção feita por profissional não habilitado, que a deixou com sequela.

Ao colocar fios de PDO sob a pele do rosto para estimular a produção de colágeno na região das pálpebras, num consultório odontológico, Geisa ficou mais de 20 dias com hematomas, dores e inchaço. E, até há pouco tempo, mantinha marcas arroxeadas sob os olhos.

A profissional estava em treinamento e, por isso, oferecia o procedimento pela metade do preço do mercado. “Eu tirei as bolsas embaixo dos olhos, mas ganhei hematomas”, afirma Geisa, que não recebeu assistência da empresa responsável e teve que pagar medicamentos para minimizar o problema com dinheiro do próprio bolso.

Nos últimos meses, casos de problemas e até morte em procedimentos estéticos têm sido registrados com frequência. O mais grave foi o do empresário Henrique Chagas, de 27 anos, que morreu por parada cardiorrespiratória causada por um edema pulmonar agudo ao inalar fenol, em 3 de julho.

O paciente fazia tratamento de peeling numa clínica em São Paulo. A influencer Natália Becker, dona da clínica e responsável pelo procedimento estético que provocou a morte de Chagas, responde criminalmente na Justiça.

Sequelas em alta

A SBCP (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica) alerta para o aumento exponencial de complicações, especialmente devido a profissionais não habilitados, fazendo esses tipos de procedimentos.

“A maioria desses casos dramáticos foi realizada por profissionais não habilitados. É claro que todos os procedimentos têm riscos, mas a forma de minimizar é realmente fazer com bons profissionais e em local adequado, com todo o aparato para atendimento de intercorrência. Isso é muito importante em qualquer tratamento”, afirma a cirurgiã plástica Gabriela Schwartzmann, membro da SBCP.

Ela explica que uma brecha na lei permite que cada conselho profissional defina por meio de normativas os procedimentos que podem ser feitos. Com isso, fica difícil ter uma fiscalização adequa.

“Com essa falha de fiscalização, infelizmente, existem muitos profissionais não habilitados fazendo procedimentos que não deveriam e em locais também que não têm o preparo para atender qualquer intercorrência. Por isso, a gente tem observado muitos casos trágicos”, acrescenta a médica.

Embora não tenha números registrados, segundo a SBCP, houve uma alta de casos de pacientes que procuram médicos especialistas para ‘consertar’ sequelas de tratamentos malsucedidos.

Cirurgiões plásticos estão recebendo ‘chuvas’ de intercorrências de tratamentos feitos principalmente por não especialistas. Os pacientes que têm complicações na mão desses profissionais buscam os médicos e cirurgiões plásticos em especial, quando são grandes sequelas. Somos nós que recebemos essas intercorrências, somos nós que tratamos essas sequelas.

Gabriela Schwartzmann, cirurgiã plástica e membro da SBCP.

Foi o que ocorreu com Geisa, que procurou uma especialista para resolver as marcas arroxeadas ao redor dos olhos, após a intervenção num consultório odontológico. Durante o tratamento, ela teve todos os procedimentos anteriores removidos.

Outro exemplo citado pela cirurgiã plástica é a redução ou remoção da gordura das bochechas, procedimento cirúrgico chamado bichectomia, que virou moda há alguns anos, depois que influencers a fizeram por questões estéticas.

“É uma cirurgia destinada a determinado tipo anatômico, não era para todo mundo. Foi feita de forma indiscriminada nos consultórios odontológicos e, hoje, a gente trata sequelas disso, de bichectomias malrealizadas e mal-indicadas”, avalia a médica.

Reclamações quase dobram

As reclamações de serviços estéticos (não cirúrgicos) aumentaram 73% neste ano, de acordo com dados do Procon-SP. De janeiro a agosto foram registradas 2.956 queixas em São Paulo. No mesmo período do ano passado eram 1.700.

As principais denúncias se referem à dificuldade na devolução de valores pagos, oferta não cumprida ou serviço não fornecido, dificuldade para alterar ou cancelar o contrato, dificuldade de contato ou demora no atendimento.

Segundo Renata Reis, assessora-técnica da diretoria de atendimento do Procon-SP, a maioria das reclamações se refere a empresas que oferecem preços bem abaixo do mercado.

“A impressão que nós temos, muitas vezes, é que o fornecedor faz a oferta, mas não tem estrutura para conseguir dar conta da demanda que é gerada, até por conta dos baixos preços que são ofertados no mercado, em relação aos outros fornecedores”, explica Renata.

Ela alerta para a importância de pesquisar, de saber qual o preço médio que é cobrado por aquele procedimento, antes de contratar o serviço. “Acendeu uma luz vermelha quando tem uma oferta com preço muito baixo, é porque ou você pode se deparar com profissionais não habilitados, não capacitados para o procedimento, ou até mesmo caso das empresas não terem estrutura para cumprir e arcar com a demanda que ela mesma gerou com aquela oferta”, diz a assessora-técnica do Procon-SP.

Filtro das redes sociais

Para a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, o “boom” de procedimentos estéticos nos últimos tempos está ligado às mídias sociais e aos padrões de tratamentos e objetivos estéticos divulgados por elas. Além disso, os filtros das redes sociais fazem com que as pessoas busquem o mesmo resultado dessas ferramentas, tanto corporais como faciais.

“A gente almeja ter aquela pele do filtro da rede social, e a realidade não é aquela”, diz Geisa, que admite a influência da internet na decisão de fazer os procedimentos estéticos. “Mas temos que ter a consciência de que envelhecer é normal, não vamos ficar jovens para sempre, então não adianta ficar fazendo coisas que futuramente você vai se arrepender”, acredita a diarista.

A Meta, dona do Instagram, Facebook e WhatsApp, anunciou neste ano que a plataforma Meta Spark — usada para criar e compartilhar efeitos de realidade aumentada por terceiros — será encerrada a partir de 14 de janeiro de 2025.
Com a mudança, os filtros que suavizam marcas faciais, por exemplo, não poderão mais ser usados.

Uma mensagem para pacientes é que não se deixem iludir por promessas, principalmente de rede sociais, porque número de seguidor não é currículo de expertise e de profissional. Pesquise sobre o profissional, veja a formação dele, veja onde atende, onde realiza os procedimentos, e desconfie se tiverem prometendo coisas extremamente milagrosas e preços muito baixos. A gente não pesquisa quando vai comprar um carro ou quando vai comprar uma casa? Então, nesse caso, são passos importantes e a saúde é muito importante.

Gabriela Schwartzmann, cirurgiã plástica

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Arte/R7
'Boom' dos procedimentos

Estados Unidos e Brasil lideram o ranking de procedimentos estéticos cirúrgicos e não cirúrgicos. Segundo a Isaps (International Society of Aesthetic Plastic Surgery), em 2023, os EUA realizaram o maior número de procedimentos em todo o mundo, com mais de 6,1 milhões.

O Brasil ficou em segundo, com 3,3 milhões de procedimentos em geral. Mas o país é o primeiro em cirurgia plástica, com 2,1 milhões de intervenções.
Estima-se que os dois países tenham o maior número de cirurgiões plásticos, seguidos pelo Japão, China, Índia e Coreia do Sul.

No Brasil, o procedimento cirúrgicos mais procurado é a lipoaspiração, técnica usada para retirar o excesso de gordura de uma determinada parte do corpo do paciente, que responde por 14% das cirurgias.

Já entre os não cirúrgicos, a toxina botulínica, o chamado “botox”, substância que previne o aparecimento de rugas, representa 47,7% dos casos.

Dos 3,3 milhões de procedimentos realizados no Brasil, 480 mil (14,2%) são em pacientes de outros países. No caso, as nações que mais procuram o Brasil para fazer cirurgia plástica, de natureza estética ou reconstrutiva, são Argentina, Estados Unidos e França.

A cirurgia plástica é uma das áreas médicas em que o Brasil é referência mundial, graças ao cirurgião Ivo Pitanguy (1923-2016), que difundiu técnicas ao redor do mundo e promoveu o crescimento da especialidade. Entre os famosos que passaram pelas mãos do cirurgião estão o piloto austríaco Niki Lauda (1949-2019) e as atrizes italianas Gina Lollobrigida (1927-2023) e Sophia Loren.

“Na época do Pitanguy, os cirurgiões plásticos de outros países aprendiam a falar português para vir palestrar no Brasil. Isso eu não vejo acontecer em outra especialidade médica”, afirma Gabriela Schwartzmann, da SBCP.

Na parte facial, principalmente procedimentos minimamente invasivos, e na parte corporal, os cirurgiões plásticos brasileiros mantêm essa tradição aliada a inovações, sempre trazendo crescimento técnico.

Entre os avanços nos últimos anos, a SBCP cita o aumento dos recursos de segurança e de equipamentos que permitem alcançar resultados de melhor qualidade da pele durante os procedimentos cirúrgicos.

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Arte/R7
Saiba o que fazer antes de contratar um serviço de estética

Veja as orientações da assistente-técnica do Procon-SP, Renata Reis

• O consumidor tem que ter em mente que procedimentos estéticos não são garantidos, não fazem milagres, variam de pessoa para pessoa.
• É importante não ficar refém de promoções como “as últimas vagas”, “as últimas ofertas”, as últimas oportunidades”.
• Fazer uma pesquisa antes, porque, afinal, vai contratar um serviço que é relacionado à saúde.
• Passar por profissionais habilitados, que possam realmente fazer uma avaliação, uma análise individual do consumidor, até que ponto o procedimento vai surtir o efeito esperado.
• Conversar com o profissional sobre qual é o efeito, qual a expectativa desse consumidor também em relação ao procedimento, porque, às vezes, ele espera um resultado, mas, tecnicamente, o procedimento não vai atingir aquilo que ele deseja nem no tempo esperado.
• Depois, com todas essas informações em mãos, é recomendado fazer uma pesquisa  em relação ao profissional no mercado. Se aquele profissional que oferece naquele momento a contratação é habilitado, se tem registro nos conselhos regionais profissionais referentes à atividade que ele representa.
• É importante também visitar o local do procedimento, verificar as condições de higiene, se está afixado em locais visíveis licença de funcionamento da Vigilância Sanitária, por exemplo.
• Verificar se o profissional está registrado nos conselhos referentes à sua atividade
• Prestar atenção como os procedimentos são feitos, se existe higiene, como é feito o descarte de materiais que são utilizados.
• Conversar, se possível, com outros clientes sobre como foi a experiência.
• É importante que o consumidor tenha comprovação de tudo que foi tratado, contratado, especificado e prometido, como evidências das ofertas.

Vamos supor que o consumidor foi atraído por uma oferta que recebeu por e-mail, WhatsApp, até um panfleto publicitário. Ele tem que guardar esses documentos, porque a forma como ele foi atraído vincula o fornecedor, faz parte da oferta. Não adianta no contrato ter uma disposição diferente, ou até negando, contradizendo aquela propaganda que foi feita. Quem fez a oferta vinculou o fornecedor, e o consumidor pode cobrar depois.

Renata Reis

Tudo que for acertado verbalmente deve constar no contrato, com descrição de forma detalhada do procedimento, prazo, forma de pagamento, além de verificar como o consumidor pode acompanhar os resultados, como o profissional tira esse tipo de dúvida dele, efeitos colaterais, quais os riscos à saúde.

“Importante que o consumidor tenha essa percepção. Quando ele se deparar com um profissional que não tenha essa capacidade, não deve firmar o contrato. Se você não consegue confirmar nenhuma dessas evidências, não consegue visitar a clínica com antecedência, não consegue confirmar que o profissional tem registro ou não está respondendo a processo administrativo, cassado pelo conselho profissional envolvido, não firmar contrato, porque, afinal, é um procedimento que está atrelado à saúde e à segurança do consumidor”, acrescenta aassistente-técnica do Procon-SP.

No caso da diarista Geisa, que aceitou fazer o procedimento com profissional em treinamento, por exemplo, ela também tem seus direitos garantidos, segundo o Procon.

“Quando a pessoa assume esse risco, isso não exclui a responsabilidade do profissional, que nem era habilitado. Continua dentro da esfera do Código de Defesa do Consumidor, dentro da esfera do Direito Civil, vinculado à necessidade de responder pelos danos, tanta os patrimoniais, como físicos ou até morais, que foram gerados no procedimento”, explica.

Onde denunciar

• Canal de Transparência da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica: cirurgiaplastica.org.br/canal-transparencia/

• Procon-SP: procon.sp.gov.br/

• Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon): consumidor.gov.br 


Diretora de Conteúdo Digital e Transmídia: Bia Cioffi
Reportagem e edição: Ana Vinhas
Coordenação de Arte: Adriano Sorrentino
Arte: Gabriel Marques Rodrigues e Sabrina Cessarovice 
Gerente de Produção Audiovisual: Douglas Tadeu
Coord. de Vídeo e Prod. de Conteúdo: Danilo Barboza
Produção Audiovisual: Denise Marino, Guilherme Estevam Silva e Julia de Caroli 
Operação de Captação Audiovisual: Guilherme Cabral
Edição e Finalização: Caique Ramiro