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Ana Luiza Gasparelli, Felipe Dorini, Julia Faria, Luana Freitas e Vicente Ricardo, da ESPM

O que está acontecendo com a Geração Z, que tem encontrado dificuldades para se adaptar às exigências do mercado? A resposta é complexa, mas o que se sabe é que as reclamações por parte de quem a contrata têm sido cada vez mais constantes.

Falta de dedicação, pouco interesse nos desafios, scuta seletiva, imaturidade emocional, falta de responsabilidade... E assim segue a lista de desagravos apontados pelos Millennials (ou Geração Y, que nasceu entre 1980 e 1995).

Tanto que um estudo da Revista Intelligent, que entrevistou 800 profissionais no fim de 2023 — apontou que 39% dos recrutadores evitam até mesmo entrevistar os jovens da era digital.

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A Geração Z não busca apenas status social e estabilidade, mesmo que mínima, em um emprego. Eles estão preocupados em se encontrar dentro da empresa — o que significa que seus valores e seus objetivos devem estar alinhados à cultura da companhia.

Uma pesquisa feita pela Deloitte, empresa de auditoria e consultoria empresarial, no final de 2022, aponta que 75% dos jovens dessa geração preferem um trabalho flexível a um com salário alto.

Maíra Blasi, especialista em Futuro do Trabalho, acredita que a Geração Z trouxe pautas que estavam latentes antes, mas, por falta de coragem ou atitude, não eram colocadas em discussão. "E aí não é só sobre a GenZ. Tanto que muita gente, Millennial, outras gerações, está se identificando com as coisas que a GenZ reclama. Só que a gente não tinha coragem de falar naquela época. E não tem hoje ainda, por medo de não ter emprego."

Além disso, esses novos funcionários procuram um maior equilíbrio entre as tarefas do trabalho e a vida pessoal e social: ou seja, eles tentam, como dizem, "trabalhar para viver e não viver em função do trabalho".

É o caso da estudante de administração Beatriz Rutledge, de 20 anos, que trabalhava em uma empresa e pediu demissão em 2023. Ela relata ter tido dificuldades para manter o equilíbrio entre a demanda do trabalho, os estudos na faculdade e a vida pessoal.

Beatriz deixou claro que é uma pessoa que gosta de se exercitar e é muito ativa fisicamente, mas que teve que deixar "tudo o que gosta" de lado para se adaptar à nova rotina, o que lhe causou prejuízo à saúde mental.

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Por outro lado, os Millennials têm o trabalho como prioridade para conseguir pagar as contas, mas acabam colocando a saúde mental em jogo. Outro estudo da consultoria Deloitte, feito em 2023, revela que 62% dos Millennials brasileiros afirmam viver apenas com o salário do mês, e que se preocupam em não conseguir pagar todas as despesas.

A pesquisa também aponta que mais de 50% deles estão esgotados ou com Síndrome de Burnout. Sofrem com carga horária excessiva, pressão, autocobrança e responsabilidades constantes no ambiente de trabalho.

A questão é que os Millennials cresceram vendo seus pais, a geração dos Baby Boomers, trabalhando duro para conquistar a estabilidade financeira. Além disso, as relações de trabalho se fragilizaram e, para se manter no emprego, é preciso dedicação, muitas vezes, em tempo integral. Isso resultou em uma geração  workaholic, o que, na tradução do inglês, é um funcionário viciado no trabalho e que desenvolve um padrão de comportamento obsessivo em relação a ele.

De acordo com um estudo divulgado pela revista Forbes em 2019, 32% dos Millennials relatam trabalhar até enquanto estão no banheiro. O mesmo levantamento da revista, que ouviu 22 mil entrevistados em 44 países, revela que 63% dos Millennials mantêm a produtividade mesmo quando estão doentes. No entanto, uma parcela significativa deles expressa frustração por priorizar as exigências do trabalho em detrimento de suas necessidades pessoais.

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Para a psicóloga Luciana Carvalho, a questão da saúde mental era uma discussão incomum tempos atrás. "Existia muito pouco nas gerações anteriores. Tinha nas outras gerações o desejo de conquista desenfreada, e eu acho que, em especial, a geração Millennial, que é a minha geração, por exemplo, foi uma geração que muito mais afetada por isso", explica.

Ela ainda destaca que os Millennials são grandes consumidores de remédios para controlar problemas psicológicos. "Vários dados mostram que a geração Millennial é a mais consumidora de ansiolíticos, antidepressivos. A Geração Z é a que está no caminho oposto, estão tentando equacionar e equilibrar isso muito melhor." Desta forma, os GenZ entram no mercado tentando quebrar o ritmo acelerado. Veja o que diz a psicóloga:

Novo modo de trabalho

O termo quiet quitting ganhou força principalmente durante a pandemia da Covid-19. Na tradução, significa "demissão silenciosa", mas o termo consiste na ideia de trabalhar o necessário para manter a sua função. Assim, o funcionário vai fazer somente o básico e se limitar às tarefas que são previstas para serem realizadas dentro daquele cargo.

Os jovens também não almejam cargos de liderança. Uma reportagem publicada pela revista Fortune revela que 62% dos entrevistados da Geração Z preferem permanecer como estão, sem ter que comandar pessoas abaixo do seu cargo, e apenas 4% têm como principal objetivo na carreira um cargo superior.

Nesse contexto, surge o quiet ambition, a ideia de não querer mais "trabalhar por trabalhar" e preferir dar enfoque a outras questões. Vale ressaltar que esses movimentos foram identificados nos Estados Unidos e a nomenclatura foi dada pela mídia e pelo mercado corporativo de lá, distante da realidade vivida pelos jovens brasileiros.

Para entender como os profissionais de diferentes gerações enxergam uns aos outros no mercado de trabalho, a reportagem foi às ruas ouvir as pessoas. Veja o vídeo abaixo:

As ideias trazidas por gerações anteriores, como "trabalhe enquanto eles dormem" ou "ame o que faz e você não precisará trabalhar nem um dia", não refletem mais o pensamento dos novos profissionais. Embora seja verdade que atuar em uma área de interesse torna o trabalho mais satisfatório, isso não significa ausência de desafios.

Esther Galvão, jovem de 20 anos que estagia em uma multinacional, afirma que a Geração Z quebrou diversos paradigmas normalizados por outras gerações. "Eu a vejo como uma geração revolucionária, quebrando vários padrões pouco saudáveis, como priorizar o trabalho acima de tudo, acima da vida social, acima do lazer com a família, com os amigos."

Em contraponto, diversos empregadores têm resistência em contratar essa nova leva de jovens por entender que eles fazem exigências demais. "O jovem demanda muita coisa e, na visão da empresa, entrega muito pouco. Então, é muito direito, e poucos deveres e compromissos", afirma Caio Infante, vice-presidente regional da Radancy, agência global especializada em Employer Branding.

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Outro aspecto importante é que muitos jovens que estão entrando no mercado de trabalho vivem distantes dos grandes centros, o que complica a rotina e compromete necessidades básicas, como dormir, comer e estudar.

"Acordar às 5h da manhã para sair de casa, chegar à meia-noite e ir dormir à 1h é muito cansativo. Então, se eu fosse ficar só pensando 'trabalhe enquanto eles dormem', eu ia ficar louca. Eu amo meu trabalho, mas quatro horas de sono para poder trabalhar é um tanto cansativo", desabafa Estela Meneghin Pacheco. A jovem de 20 anos, que mora em Itaquera, zona leste de São Paulo, estuda relações internacionais e faz estágio no mercado corporativo.

Outro fator que distancia os profissionais de diferentes gerações tem relação ao comportamento e a como eles lidam com as situações dentro do ambiente da empresa. O que impressiona a Geração X e os Millennials é a falta de soft skills que a Geração Z tem: ou seja, do ponto de vista emocional, eles não são hábeis para resolver impasses. Faltam habilidades como falar em público, inteligência emocional, capacidade de adaptação a novas rotinas e trabalhar em equipe.

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O especialista Caio Infante diz que as soft skills são as habilidades mais importantes de um profissional depois dos conhecimentos técnicos. "Não dá para ficar sentado e acomodado, então, tem que ter a proatividade de dizer 'deixa eu entender, deixa eu conversar com alguém que tá fazendo'."

Já para Maíra Blasi existe uma expectativa irreal do mercado corporativo, que espera que os jovens da Geração Z já sejam contratados com uma bagagem de soft skills e experiências. "É claro que o jovem nunca vem completo. Ele não tem soft skills. Todo jovem, em todas as gerações, chega sem saber alguma coisa. O jovem vem aprender, e as empresas têm esse papel social de ensinar, de contar."

E de onde vem a falta de maturidade no trabalho?

Uma parte da deficiência em soft skills observada nos jovens decorre do fato de eles terem crescido na era digital, enquanto as habilidades interpessoais geralmente se desenvolvem por meio da interação, do convívio e da comunicação com outros indivíduos. Portanto, essa geração enfrenta desafios sérios, já que cresceu imersa em um ambiente digital no qual as conversas e os relacionamentos são construídos de modo superficial e online.

Isso tem sido um fator que faz a Geração Z ser colocada em segundo plano na hora da contratação. Conforme uma pesquisa realizada em janeiro de 2024 pela plataforma de currículos ResumeBuilder, mais de 30% dos recrutadores preferem contratar trabalhadores mais velhos.

Como se não bastasse, um estudo do McLean Hospital alerta que as mídias sociais fazem com que os jovens fiquem dependentes desse tipo de comunicação. Usá-las ativa o centro de recompensa do cérebro, liberando dopamina, uma substância química que proporciona bem-estar. 

A troca de mensagens e as curtidas de uma foto são um caminho mais fácil para ativar essa sensação, já que a interação humana e a construção de relacionamentos são muito mais complexas e trabalhosas.

A nova geração aprendeu com o imediatismo das redes a pular etapas essenciais para a construção de relacionamentos, e espera que essa rapidez se reflita no mundo corporativo.

Caio Infante concorda que isso pode prejudicar o jovem no mercado. "O grande desafio dessa nova geração é a velocidade. Então, hoje as coisas acontecem muito rápido, na vida pessoal, na vida profissional, na vida artística. Nas redes sociais, a gente acelera muito o processo. O mundo corporativo não tem a mesma velocidade nem vai ter."

Acho que o grande desafio dessa nova geração é a velocidade [...]. O mundo corporativo não tem a mesma velocidade nem vai ter

Caio Infante, vice-presidente regional da Radancy

É preciso conquistar e merecer o seu lugar dentro da empresa, o que acontece de forma gradual e lenta. "Talvez essa geração esteja muito acostumada com informações que circulam rapidamente nas redes sociais e não consegue se concentrar por mais do que três minutos", explica o sociólogo Pedro Jaime. 

A especialista em futuro do trabalho Maíra Blasi argumenta que a adaptação deve partir de ambos os lados — tanto da empresa, que precisa tratar o jovem como adulto, quanto da Geração Z, que deve entender que o mercado não é tão flexível.

Veja o vídeo abaixo:

Portanto, há uma dificuldade para desenvolver e manter relacionamentos. O comportamento do jovem alimenta a ideia de que o mercado de trabalho é tão fluido, descartável e instável quanto as redes sociais.

"O jovem torna a relação muito descartável, e o mercado de trabalho não é descartável. Então, ele fica três, seis meses em uma empresa: 'Não gostei'. 'De que exatamente você não gostou?', 'Não sei, simplesmente não gostei'", exemplifica o vice-presidente da Radancy, Caio Infante.

Com a facilidade de acesso a informações nasceu essa conformidade e falta de ambição no trabalho. Por saber que o mundo digital é o futuro, grande parcela dos jovens acredita já levar vantagem sobre as outras gerações. Veja o que o especialista complementa:

Essa mentalidade presente na Geração Z pode estar atrelada à educação que ela recebe dos pais. Diferentemente do jeito que os Millennials cresceram, essa geração surge com pais que se preocupam mais com as questões sociais e mentais, em um espaço de maior acolhimento, de educação positiva e de maior liberdade de expressão.

Para Maíra Blasi, "o que aconteceu foi que esse jovem cresceu mais confortável, com pais melhores, mais capacitados para criá-los. Naturalmente, ele tem mais consciência do mundo e é menos subordinado.

Os jovens que cresceram a base de comando e de controle — adultos mandam, você obedece — são jovens "domesticados", que chegam às empresas e obedecem às regras, porque aprenderam a serem iguais a todo mundo e a se comportar".

Por outro lado, a psicóloga Luciana Carvalho alerta que, ao chegar à fase adulta, alguns jovens não sabem lidar com as frustrações, e isso se reflete no mercado de trabalho. "Se eu não me frustro, eu não aprendo determinadas habilidades, eu não amadureço. E isso, consequentemente, vai aparecer nas minhas relações amorosas, nas minhas relações de trabalho, nas minhas relações de amizade, e por aí vai."

Ao mesmo tempo, esse aspecto cria adultos mais dependentes e enjaulados na "redoma de cristal" construída pelos pais, que precisam proteger os filhos de toda frustração, mesmo que já estejam entrando na casa dos 20 anos.

"Então, é natural que, quando um pai se predispõe a se sentar com o filho para fazer uma entrevista [...], a verdade é que ele não está ajudando o filho em absolutamente nada, ele está sendo uma muleta para fazer com que o filho não viva a experiência de se frustrar em uma entrevista de trabalho", comenta Luciana Carvalho.

As diferenças de criação, comportamento e valores entre as gerações são alguns dos empecilhos que dificultam a comunicação no ambiente de trabalho.

"Era um pouco difícil as pessoas acatarem as minhas ideias e as da minha amiga, que também era estagiária. A gente sentia que entrava por um ouvido e saía pelo outro", diz Beatriz, sobre os funcionários mais velhos. Ela ainda conta que nunca teve uma conversa direta com sua chefe. 

A questão é que nunca houve tantas gerações trabalhando juntas — e, para chegar a um meio-termo, deve haver concessões. Logo, as empresas também têm de ser mais flexíveis.

Mas os jovens não devem ficar esperando essa adaptação acontecer, pois a estrutura não vai mudar do dia para a noite. "Então, quem quer evoluir vai ter que se adaptar um pouco, porque a vida também é assim, né?", sugere Maíra.

Os relatos de Beatriz, Estela e Esther revelam que, embora possa haver resistência no mercado de trabalho em relação aos jovens da GenZ, há empresas que estão de adaptando à chegada deles. Afinal de contas, eles são os profissionais que vão tomar a frente do mercado nos próximos anos.


Assessora da Vice-Presidência de Jornalismo: Aline Sordili
Diretora de Conteúdo Digital e Transmídia: Bia Cioffi

Produção e Reportagem: Ana Luiza Gasparelli, Felipe Dorini, Julia Faria, Luana Freitas e Vicente Ricardo, da ESPM
Edição e Diagramação:
Fabíola Glenia e Raphael Hakime
Supervisão ESPM: Heidy Vargas