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Por Luís Adorno, do Núcleo de Jornalismo Investigativo da RecordTV

No passado, criminosos de todo o mundo desejavam vir ao Brasil para fugir das autoridades locais dos países onde cometeram crimes. Agora, criminosos que agem no Brasil, sobretudo em ações de tráfico internacional de drogas, saem do país e vão até o leste europeu para produzir passaportes falsos e, assim, viver uma segunda vida, se passando por outra pessoa, em qualquer lugar do mundo. 


Um esquema no Ministério do Interior da Macedônia foi feito, entre 2019 e 2020, para a produção de uma série de passaportes falsos destinados a mafiosos e membros de relevantes organizações criminais de todo o mundo -principalmente às ligadas ao tráfico de cocaína. O governo da Macedônia afirmou ao Núcleo de Jornalismo Investigativo da RecordTV que 11 macedônios foram acusados de participar do esquema que forneceu passaportes falsos a 214 estrangeiros.


Na prática, o esquema consistia na seguinte maneira: Pessoas ligadas ao ministério macedônio recebiam dados de pessoas muito pobres do país. A partir disso, criavam passaportes originais para essas pessoas, com todos os dados e documentos oficiais. A única informação falsa no documento era a foto: Eram coladas imagens dos criminosos procurados em todo o mundo, para que eles pudessem se passar livremente por aqueles pobres macedônios.

Entre os 214 estrangeiros listados pelo governo macedônio, pelo menos dois tinham atuação forte no tráfico de drogas internacional dentro do Brasil. Em janeiro de 2019, o jordaniano Waleed Issa Khamays, acusado de agir como fornecedor logístico no Brasil, desde o final dos anos de 1990, negociando remessas de drogas do Brasil para máfias da Itália, Sérvia e Albânia, recebeu um passaporte falso. 

Karine e Marcelo conseguiram passaporte da Macedônia (Reprodução)

Karine e Marcelo conseguiram passaporte da Macedônia

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Em novembro de 2020, foi a vez de Karine de Oliveira Campos. Juntamente com o marido, Marcelo Mendes Ferreira, ela foi acusada pela PF (Polícia Federal) de liderar um esquema sofisticado do tráfico internacional de drogas brasileiro. Investigação da polícia brasileira, que culminou na deflagração da operação Alba Vírus, em agosto de 2019, identificou que o casal enviou cerca de 4 toneladas de cocaína em apenas dois meses. 

A informação de que Karine, assim como Khamays, conseguiu um passaporte falso na Macedônia pegou de surpresa as autoridades brasileiras, que a tratam como uma criminosa extremamente perigosa e que a têm como um dos principais alvos a serem capturados na atualidade. 

De acordo com o delegado da PF Marcos Paulo Pimentel, a captura dessas pessoas seria de alto valor estratégico "para que efetivamente se desarticule essa importante organização criminosa que atua no tráfico internacional de drogas". Ele incentiva a população a denunciar, caso haja novas informações, para que ela seja detida o quanto antes.

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As ligações e relevância de Khamays

O jordaniano Waleed Issa Khamayis, de 59 anos, é apontado por autoridades brasileiras e europeias como uma peça-chave no Brasil para a articulação entre o PCC (Primeiro Comando da Capital) e grupos mafiosos da Itália e do leste europeu. Ele está preso, desde 22 de julho de 2020, na Turquia, como revelou o Núcleo de Jornalismo Investigativo da RecordTV em maio deste ano.

O governo brasileiro pediu sua extradição. Se a solicitação for aceita, o jordaniano pode revelar detalhes valiosos sobre a atuação de organizações criminosas de todo o mundo em território nacional. No entanto, há um entrave jurídico: Não existe acordo de extradição firmado entre Brasil e Turquia.

Segundo acompanhamento feito pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência), "para que se mensure a magnitude do mercado do qual participava o jordaniano, ressalta-se que, apenas entre 2015 e 2017, Waleed foi responsável pelo ingresso de aproximadamente 8 toneladas de cocaína na Europa".

De acordo com investigações brasileiras e italianas, ele coordenou envios de cocaína para, pelo menos, a máfia italiana ‘Ndrangheta e ao clã Saric, de Montenegro. Sua atuação no Brasil, de acordo com a Polícia Federal, porém, é mais antiga: Tem pelo menos duas décadas. Em 2017, ele foi um dos alvos da Operação Brabo da PF, sendo condenado, à revelia, por tráfico internacional de drogas e organização criminosa. Ele era considerado foragido das autoridades brasileiras desde então.

Entre seus parceiros comerciais no Brasil, estava o mafioso italiano Rocco Morabito, detido pela PF em João Pessoa na tarde de 24 de maio deste ano. Morabito, apontado por autoridades italianas como o principal negociador de drogas do mundo, estava foragido desde 2019, quando fugiu de uma prisão no Uruguai. Antes disso, o italiano, foragido das autoridades do seu país, morou em Punta del Este por mais de duas décadas se passando por um empresário brasileiro.

De acordo com Carlos Magno de Deus Rodrigues, coordenador de Análise de Redes Criminosas Transnacionais da Abin, Waleed e Morabito “têm uma relação de aproximadamente 30 anos, segundo os dados coletados até hoje e as trocas de informações entre as agências. E eles tinham uma relação comercial principalmente no envio de cargas de cocaína de São Paulo para Milão”. 

Morabito foi levado para a penitenciária federal de Brasília onde aguarda processo de extradição. Na mesma penitenciária, também aguardam processo de extradição outros dois italianos apontados como chefes da máfia ‘Ndrangheta e que agiam como “correspondentes” do grupo criminoso na América do Sul: Nicola e Patrick Assisi, pai e filho respectivamente, que foram detidos na Praia Grande, litoral de São Paulo, em 2019.

Já Waleed foi preso na Turquia não por seu histórico no crime organizado, mas justamente por utilizar o passaporte falso que conseguiu na Macedônia. De acordo com investigações brasileiras, ele estava morando, antes de ser pego, em um flat de luxo nas Ilhas Maurício, no continente africano, e tinha viajado para Turquia a passeio ou para transações criminosas não identificadas.

Karine, a esposa da Família Busca-Pó
A baronesa do pó (Reprodução)

A baronesa do pó

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Na lista de procurados pela Interpol, Karine de Oliveira Campos é tida como “a baronesa do pó”. Ela e seu marido, Marcelo Mendes Ferreira, são acusados de intermediar a negociação de toneladas de cocaína entre produtores na Bolívia e mafiosos da Europa, África e Ásia. Ela foi condenada pela Justiça federal a 17 anos de prisão. O marido, a 15 anos. Outras três pessoas também foram condenadas por envolvimento no esquema.

Em 2009, eles ficaram presos, por seis meses, sob a suspeita de transportar drogas em ônibus ou carros velhos em Alagoinhas e Camaçari, na Bahia. Dez anos depois, chefiavam um esquema, em parte vinculado ao PCC, que chefiava remessas de grandes cargas de droga a partir dos portos de Santos, Paranaguá, Navegantes, Itajaí e Salvador. A polícia identificou que o grupo comprava ou desviava cargas que tinham como destino a Europa para colocar, dentro delas, papelotes de cocaína com mais de 95% de pureza.

Segundo a PF, o grupo criminoso seria responsável por uma remessa de mais de 6 toneladas de cocaína. Na fuga do casal, em 2019, eles deixaram parte dos seus bens às pressas. Foram encontrados R$ 31 milhões em endereços ligados a eles, além de 10 carros de luxo, 20 caminhões, uma lancha e imóveis avaliados em R$ 25 milhões.

A investigação que chegou até o casal teve início em fevereiro de 2019, quando o policial militar reformado do Mato Grosso do Sul Mario Márcio da Silva, foi flagrado em Guarujá, no litoral paulista, com 1,3 tonelada de cocaína, além de armas mais de R$ 1 milhão em espécie. Ele, posteriormente, também foi condenado pela Justiça Federal a 14 anos de prisão. Em tese, o policial prestava serviço ao casal.

Com a análise dos celulares apreendidos no flagrante, foram encontrados diversos vídeos nos quais os suspeitos aparecem ocultando grandes quantidades de cocaína em meio a cargas lícitas em contêineres que embarcaram em navios com destino a Europa, que indicariam que o grupo teria sido responsável pela remessa de mais de seis toneladas de cocaína.

De acordo com o juiz federal Roberto Lemos dos Santos Filho, o grupo foi responsável, ao menos, pelos tráficos internacionais registrados nos inquéritos apreciados, sendo liderado por Karine. "As provas avaliadas no curso do inquérito propiciam a conclusão segura de que os denunciados compõem um grupo criminoso especializado no patrocínio de ações voltadas à exportação clandestina de entorpecentes valendo-se de uma estrutura sofisticada, organizada e complexa, detentora de alto poder econômico".

O que diz o governo da Macedônia

Por meio de nota, o Ministério Público da República da Macedônia afirmou que “abriu o processo e emitiu acusações contra 11 macedônios envolvidos em atividades ilegais por criar passaportes macedônios com identidade falsa para estrangeiros” e que “o caso é conduzido pelo Ministério Público Básico em Skopje”. 

Também por nota, o governo da Macedônia reafirmou que “de acordo com a investigação, os presos forneceram passaportes falsos a 214 estrangeiros. Entre os estrangeiros que obtiveram passaporte macedônio com identidade falsa, está a de Karine De Oliveira Campos, procurada com mandado de prisão internacional expedido pela Interpol Brasil. O passaporte com a falsa identidade macedônia para esta pessoa foi emitido em novembro de 2020”.

Questionado sobre quem seriam os 11 macedônios e os demais estrangeiros que receberam os documentos falsos, o governo afirmou que “devido à proteção da presunção de inocência, bem como à investigação em andamento em alguns outros aspectos de todo o caso, não é possível divulgar uma lista completa das pessoas envolvidas”. 

O governo local complementou que, no momento, só é possível confirmar ou negar informações requeridas pela imprensa.

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Divulgação/Receita Federal

Conteúdo: Núcleo de Jornalismo Investigativo 
Reportagem: Luís Adorno
Colaboração: Márcio Neves
Coordenação: Thiago Samora
Chefe de Redação: André Caramante