Ver o conteúdo do artigo
Isadora Tega, do R7

Altas, magras, “perfeitas”. Olheiros, books, agências, dietas. Altas, magras, “perfeitas”. Revistas, outdoors, passarelas, viagens. Altas, magras, “perfeitas”.

Toda jovem que quis ser modelo até cerca de dez anos atrás se deparou, em algum momento, com alguma dessas palavras. Mas hoje, três décadas depois do “boom” relativo às top models dos anos 1980, muita coisa mudou. E um dos principais culpados por isso tem nome e sobrenome: redes sociais.

Se, antes, as aspirantes a modelos tinham de desembolsar uma grana alta para fazer um book, agora elas podem se apresentar às agências por meio do Instagram. Se tinham de estar sempre magérrimas e seguir um padrão específico de beleza, agora o mercado começa a dar espaço a outros tipos de corpos. Se o sonho era cruzar uma passarela ou estampar capas de revistas, hoje, muitas vezes, o desejo é ter milhares de seguidores na internet e se tornar uma influenciadora digital.

O sonho realmente mudou?

Desde o surgimento do primeiro site de relacionamento do mundo, o ClassMates.com, em 1995, a internet promoveu transformações importantes no modo como interagimos com os outros. Orkut, ICQ, MSN, My Space, blogs e outras plataformas foram ganhando cada vez mais espaço na vida das pessoas, até se tornar quase impossível imaginar como estaríamos sem Facebook e Instagram, principalmente.

Com a febre do compartilhamento on-line de fotos e momentos da vida, até mesmo os ídolos mudaram e novos formatos de celebridades foram surgindo. Hoje, a ambição que milhões de meninas e jovens tinham de se tornar uma top model divide espaço com a de conquistar o ambiente digital e, com ele, os tão cobiçados seguidores.

Uma pesquisa realizada pela empresa de tecnologia Morning Consult, que entrevistou mais de 2 mil norte-americanos em 2019, confirma isso. Segundo o relatório “O Influenciador”, cerca de 86% dos jovens dos Estados Unidos sonham em se tornar influenciadores, enquanto outros 12% já se consideram ocupando esse papel.

Vera Viel viveu os dois lados dessa moeda. A mulher de Rodrigo Faro, apresentador da Record TV, começou a trabalhar como modelo aos 15 anos e, hoje, aos 44, divide o seu dia a dia com mais de 3,4 milhões de pessoas na internet. “Se as redes sociais existissem quando comecei, acho que acabaria me tornando uma modelo influenciadora”, diz ela.

Além da experiência própria, Vera convive com a força da internet também dentro da família. Maria, uma das três filhas que tem com Rodrigo, trilha um caminho de sucesso no YouTube, onde tem um canal com mais de 148 mil inscritos.

https://img.r7.com/images/modelo-maria-viel-faro-23012020112017453

Sabrina Cessarovice

“Eu tinha o hábito assistir ao YouTube e meu sonho sempre foi poder produzir esse tipo de conteúdo. Como me inspirava naquilo, quis impactar as pessoas da mesma forma que eu era influenciada. Hoje, é gratificante ver gente usando minhas ações como um exemplo”, comemora a garota, de apenas 11 anos.

Para Vera, ver o trabalho da filha é motivo de orgulho. “Assim como meus pais me apoiaram no início da minha carreira, faço o mesmo com a Maria. Foi ela quem demonstrou interesse em ter um canal no YouTube”, conta. “Ficamos encantados e orgulhosos com o que ela tem feito, criando quadros que inspiram, informam e divertem as crianças.”

Apesar do sucesso on-line, Maria também sonha em ser modelo, assim como a mãe. “Isso é um objetivo na minha vida, mas acho muito difícil, pois são muitos testes e viagens. Não sei se daria conta de tudo, não”, diz a menina, com bom humor.

Mesmo com tantas crianças e adolescentes como Maria, que buscam um lugar ao sol na internet, as agências garantem: o interesse em fazer carreira como modelo só cresce. “Tanto que qualquer assunto que colocamos nas redes sociais o pessoal responde querendo saber como fazer para entrar na agência. A vontade de ser modelo ainda é muito grande”, afirma Marcello Martins, booker digital da Ford Models, uma das principais agências do Brasil.

A reportagem do R7 pediu que meninas que querem se tornar influenciadoras contassem, com a autorização dos pais, o porquê de sonharem com isso. Veja no vídeo abaixo:

Caminho mais fácil?

Se, para muitas meninas, ser modelo ainda é um sonho distante, o de se tornar uma influenciadora pode ser um pouco menos complicado. É o que mostra a história de Josy Dias, de 26 anos, que desde muito nova tinha como objetivo brilhar nas passarelas. Mas, depois de muitas frustrações, foi no Instagram que ela encontrou o sucesso.

A goiana, que conta com mais de 76 mil seguidores nessa rede social, passou a adolescência fazendo cursos, books e procurando agências. Porém, o esforço foi em vão. “O que faltou foi a chance. Creio que eu não fazia o perfil que as agências procuravam”, conta ela.

Aos 19 anos, Josy engravidou e engordou 30 quilos. Foi então que viu na internet uma maneira de realizar seu desejo de criança. “Eu tenho um guia de moda plus, que é uma página que criei para ajudar as pessoas a encontrar roupas plus size, ou seja de tamanhos maiores”, afirma. “O pessoal estava gostando das indicações de lojas, mas percebia que eles queriam mais. Me pediam muito por direct [mensagem privada no Instagram]. Então, eu passei a mostrar todo o meu dia a dia.”

https://img.r7.com/images/modelos-josy-23012020112351749

Sabrina Cessarovice

Josy afirma que ganhar fama na web foi mais fácil do que na moda, por isso, ela aconselha as seguidoras que têm as mesmas ambições que ela. “Muitas me mandam mensagens falando que ninguém quer dar a chance. Aí eu falo para elas: ‘Olha, vocês têm de começar a criar conteúdo no Instagram de vocês e fazer disso um currículo’”.

Hoje, mais de dez anos depois da busca incessante por um espaço nas passarelas, ela se sente realizada. “Eu achava que ser modelo era meu sonho, mas eu vi que é muito mais do que isso. Não é só pisar na passarela, os holofotes e tudo o mais”, conta. “Influenciar pessoas é muito incrível. A gente não tem noção de quantas são alcançadas a partir do que fazemos nas redes sociais.”

Moda x representatividade: hoje todo mundo pode sonhar

Além de influenciadora, Josy trabalha como modelo plus size, categoria que até pouco tempo era ignorada pelo mundo da moda por não satisfazer os padrões esguios — apesar de representar a maioria da população. Mas, nos últimos anos, mulheres como ela e com outras características particulares ganharam espaço, o que representa uma lenta, porém crescente, democratização da moda. Agora, não apenas magras e altas podem ser modelos: todo mundo pode sonhar.

Marcia Ishimoto foi mais uma criança que passou a infância sonhando com as passarelas. Fez trabalhos como modelo até que, aos 16 anos, desenvolveu vitiligo, doença que afeta a pigmentação da pele. Para se adequar ao mercado, escondia as manchas com maquiagem e pintava o cabelo de preto para compor um perfil oriental, até que desistiu da carreira. Mais de uma década depois, agora ela é chamada para trabalhos justamente por conta da condição que tem, o que atribui ao poder das redes sociais.

“Eu consegui trabalhar com o que eu queria desde pequena, mas sendo eu de verdade. As redes sociais são as grandes responsáveis por isso. Se não fossem elas, os nossos perfis não seriam vistos, porque não davam espaço a eles”, diz Marcia.

https://img.r7.com/images/r7-estudio-diversidade-23012020133346424

R7

Lola DiMarzio, de 21 anos, também acredita que a web “criou” novos tipos de modelos. A jovem, que hoje é agenciada, revela que nunca acreditou que poderia exercer a profissão por ser “baixinha” e ter as chamadas monocelhas, sobrancelhas grossas e juntas. Mas, isso mudou quando viu mulheres iguais a ela na internet.

“Eu posso dizer que as redes sociais transformaram a minha vida inteira, porque só percebi que poderia ser eu mesma por causa delas, quando vi uma menina que era parecida comigo”, conta. “Eu tenho certeza que, sem as redes sociais, eu não seria modelo. Hoje, a internet que faz a moda. Se ela não existisse, tudo continuaria a ser como era há 20 anos, com modelos magérrimas, superaltas e que seguiam esse padrão.”

As agências de modelos, que antes só contratavam mulheres que seguiam o tal padrão citado por Lola, também já entenderam a nova lógica da moda. “Minha preocupação é sempre trabalhar com casting diferenciado, pois cada vez mais o mercado tem pedido diversidade. As pessoas querem uma comunicação real, elas só se comunicam com a modelo ou influenciadora se ela for real”, diz Marcello, que é responsável pelo casting digital da Ford.

Agências (e marcas) investem em influenciadores

Não foram só os internautas, crianças e jovens que se renderam ao poder das influenciadoras. Diversas agências, como Ford, Way Model Management e JOY Model, perceberam a força delas e passaram a investir mais em modelos que também se destacam na web.

“Influenciadoras ganharam espaço e tiraram o das modelos. A gente viu que elas ganharam um poder e que estavam ocupando revistas e publicidade. Vimos a necessidade de transformar as modelos em comunicadoras”, diz Marcello Martins, da Ford.

“Desde a última edição do nosso concurso, o The Look of The Year, começamos um departamento específico para atuação dos influenciadores. Temos algumas modelos no nosso casting que se destacam como comunicadoras, com um alto nível de engajamento”, afirma Liliana Gomes, empresária de top models e diretora da JOY Model. “Essa aderência natural e orgânica com o público e com as marcas parceiras possibilitam novas formas de trabalho.”

Essa percepção acontece também do lado das marcas. A grife italiana Dolce & Gabbana, por exemplo, vem apostando em desfiles com castings compostos apenas por influencers, pensando, também, no poder de disseminação do conteúdo. É o que explica a consultora e professora de Marketing Digital Liliane Ferrari, que já prestou consultoria a agências, top models internacionais e new faces.

“Eles apostam nesses profissionais justamente para dar mais amplitude, mais alcance para os seus conteúdos, porque muitos veículos não existem mais. Acho que isso é uma coisa que a gente esquece também”, destaca Liliane. “Eu me lembro de uma época que a gente tinha um monte de revistas de moda aqui no Brasil, que não existem mais. Você tem de mostrar seu trabalho a partir daquilo que está disponível como mídia, que, no cenário atual, são os criadores de conteúdo digital”, completa ela.

As influencers brasileiras Lala Rudge e Helena Bordon em desfile da Dolce & Gabbana (Reprodução/Instagram/@lalarudge/@helenabordon)

As influencers brasileiras Lala Rudge e Helena Bordon em desfile da Dolce & Gabbana

Reprodução/Instagram/@lalarudge/@helenabordon
Instagram, o novo book

“Hoje em dia, com as redes sociais e a informação cada vez mais acessível, um candidato não precisa mais sair de casa para ser avaliado. Antigamente, precisava participar de cursos e eventos para chegar a uma grande agência, em São Paulo. Hoje, na comodidade de casa, ele pode falar com qualquer agência, sem precisar se locomover nem gastar nada”. As palavras de Anderson Baumgartner, diretor da Way, resumem bem a facilidade que a internet proporcionou ao processo de formação de uma modelo.

Agora, as pessoas não ficam mais “reféns” de olheiros e concursos e podem ser descobertas por agências por meio das redes sociais, principalmente o Instagram, que são o book da atualidade.

“Temos casos em que nos procuram e outros em que descobrimos nas redes e abordamos. Pedimos que nos enviem fotos caseiras — feitas com o celular mesmo — para podermos ver como são, além de um vídeo se apresentando, contando um pouco da sua história, para vermos a personalidade”, explica Anderson, da Way, sobre a seleção on-line.

“O fato de haver mídia social aumentou o acesso dos interessados. Por isso, se eu moro em uma cidade pequena, posso me apresentar pelo site da agência, pelo Instagram, e tenho acesso às agências muito mais facilmente”, acrescenta Liliana, da JOY. “O Instagram é o novo book da modelo. O cliente liga na agência, pede para ver o material da modelo, pede o Instagram dela e dados de alcance.”

Modelos influenciadoras

Mas qual é a maior diferença entre ser uma modelo e uma influenciadora? Ellen Milgrau, top que conta com mais de 376 mil seguidores só no Instagram, acredita que, na prática, é a relação corpo/imagem/conteúdo. “Como modelo, você depende mais do seu corpo físico, precisa estar em forma, comparecer a trabalhos e tal. Querendo ou não, na moda você serve mais como um ‘cabide’, e as pessoas montam aquilo que elas imaginam em você. Como influencer não é assim, você é você mesma”, diz ela.

Digite a legenda da foto aqui (André Ligeiro/Reprodução/Instagram/@ellenmilgrau)

Digite a legenda da foto aqui

André Ligeiro/Reprodução/Instagram/@ellenmilgrau

Para associar tudo isso com harmonia, as próprias agências têm lidado com a gestão de carreira das modelos de maneira diferente, para que, além da imagem, elas se desenvolvam como comunicadoras.
“As modelos deverão ser influenciadoras se quiserem ter sucesso no mercado atual. O melhor é quando temos as duas capacidades na mesma pessoa: uma modelo com carreira em ascensão e com impacto relevante nas redes sociais”, acredita Liliana, da JOY.

Anderson, da Way, segue na mesma linha da colega. “Auxiliamos nossos modelos a usarem inteligentemente as redes sociais. Assim como o Instagram de uma modelo pode fazer com que ela seja contratada para um trabalho, se mal-usado, pode fazer também com que o cliente desista da contratação”.

Já para o representante da Ford Models, uma modelo que não se preocupa em ter voz online acaba sendo engolida pelo mercado. “É um conjunto. Hoje em dia, cada vez mais, o mercado de trabalho pede para você ser múlti: modelo e comunicadora. Modelos que têm conteúdo acabam se sobressaindo”, diz Marcello.

Apesar de, muitas vezes, parecer que as duas ocupações competem entre si, Liliana garante: elas se complementam. “Não vemos o mercado como ‘modelos x influenciadoras’, mas, sim, modelos e influenciadoras, que são profissionais que unem beleza com algo a dizer e uma audiência própria.”

https://img.r7.com/images/modelos-e-influencers-23012020112539444

Sabrina Cessarovice

Coordenação: Tatiana Chiari
Reportagem: Isadora Tega
Apoio: Luciana Mastrorosa
Arte: Sabrina Cessarovice
Direção audiovisual: Eugênio Koslovsky
Produção audiovisual: Caroline de Moraes
Imagens: Pedro Canin e Bruno Lima
Captação de áudio: Rodrigo Cruz
Apoio Técnico: Marcelo Calixto e José Aparecido de Souza
Estagiários: Denise Marino e Lucas Leque
Edição de vídeo: Edimar Sabatine e Danilo Barboza
Videografismo: Eriq Gabriel Di Stefani e Marisa Eiko Kinoshita