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De Ciro Barros, da Record TV

Foram aparições curtas, de poucos minutos. Em três audiências judiciais realizadas pela internet nos últimos dois anos, Caio Bernasconi Braga, narcotraficante foragido da Justiça há sete anos, deu as caras em atos oficiais da Justiça Federal de Pernambuco. O fato, revelado no sábado (26) na Record TV, revoltou procuradores e policiais federais que há anos tentam colocá-lo atrás das grades.

Foragido, Caio Bernasconi acompanhou audiências da Justiça (Reprodução/JFPE)

Foragido, Caio Bernasconi acompanhou audiências da Justiça

Reprodução/JFPE

Caio é perseguido pela polícia desde 2015, após pedido de prisão preventiva em uma ação judicial que correu em Bauru (SP). Em 31 de outubro de 2018, a Polícia Federal quase o prendeu em um endereço no bairro do Tatuapé, na capital paulista.

Ele conseguiu fugir da PF ao jogar o carro que dirigia em cima dos policiais. Segundo o relato textual de um agente presente na ação, os policiais federais “só não foram atropelados porque saíram/pularam da frente”.

Agente da PF descreve fuga de Caio em outubro de 2018 (Reprodução/JFPE)

Agente da PF descreve fuga de Caio em outubro de 2018

Reprodução/JFPE

Mais recentemente, em 2020, Caio foi denunciado e teve outra prisão decretada, na Operação Além-Mar, uma megaoperação da Polícia Federal de Pernambuco. O mandado permanece em aberto, segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

De acordo com a denúncia da Além-Mar, Caio era responsável por atravessar carregamentos de cocaína do Paraguai e também por enviar a droga em contêineres de fruta destinados à Europa.

Caixas de manga com cocaína apreendidas na Holanda (Reprodução/JFPE)

Caixas de manga com cocaína apreendidas na Holanda

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Somente em um contêiner enviado por uma empresa ligada ao acusado foram encontradas 2,5 toneladas de cocaína, segundo informações da Polícia Federal utilizadas em denúncia do Ministério Público. A carga foi apreendida em novembro de 2018 no porto de Rotterdam, na Holanda.

Para negociar as cargas e em outras atividades criminosas, Caio usava o nome falso de Wilhian Cespedes Prieto.

Em primeira instância, a juíza Amanda Araújo, da 4ª Vara Federal Criminal de Pernambuco, chegou a determinar que Caio prestasse depoimento presencialmente, mas ele reverteu a decisão quando houve o seu interrogatório e foi ouvido por meio virtual.

A Polícia Federal tentou, sem sucesso, localizar Caio Bernasconi a partir dos dados de sua participação online nas audiências judiciais. Sua localização permanece desconhecida.

Na denúncia da Além-Mar, em 2019, o Ministério Público Federal de Pernambuco afirmou que “informações de inteligência indicam que Caio Bernasconi teria se deslocado para a fronteira a fim de assumir o lugar de Minotauro no Paraguai”.

Minotauro é o apelido de Sérgio Arruda Quintiliano Neto, considerado o grande parceiro de Caio Bernasconi no tráfico de drogas.

Parceria antiga

A proximidade de Minotauro e Caio Bernasconi vem de longa data. Ambos são da região de Bauru (SP), a cerca de 300 km da capital paulista. Juntos, foram condenados pela Justiça estadual de São Paulo no mesmo processo, em 2018, justamente por comandarem um esquema de tráfico de drogas.

Também apelidado de Boy, Flash e Kamikase, Caio Bernasconi responde a processos ao lado de Minotauro desde que era menor de idade (Reprodução/PF)

Também apelidado de Boy, Flash e Kamikase, Caio Bernasconi responde a processos ao lado de Minotauro desde que era menor de idade

Reprodução/PF

Segundo o Ministério Público paulista, o esquema dos parceiros do crime visava trazer drogas desde Mato Grosso do Sul até a Baixada Santista.

O processo da Justiça paulista teve início com as investigações da Polícia Federal de Bauru, em 2013.

Para a corporação de Bauru, Caio e Minotauro já estariam, naquele ano, mantendo um esquema de tráfico desde a fronteira Brasil-Paraguai, pelo estado do Mato Grosso do Sul, passando pelo interior de São Paulo até chegar à Baixada Santista.

A divisão entre eles era clara, segundo o MP: cabia a Caio trazer as drogas da fronteira, bem como negociar, armazenar e distribuir os narcóticos, assim como fazer a contabilidade da quadrilha. Para Minotauro ficava a função de negociar com outros traficantes, sobretudo da Baixada Santista.

Em agosto de 2013, segundo o Ministério Público de São Paulo, Minotauro foi monitorado pela PF  enquanto negociava 26 kg de cocaína com dois traficantes da Baixada Santista.

Sérgio Arruda Quintiliano Neto, o Minotauro, foi preso em fevereiro de 2019 pela PF em Balneário Camboriú (SC) (Reprodução/JFMS)

Sérgio Arruda Quintiliano Neto, o Minotauro, foi preso em fevereiro de 2019 pela PF em Balneário Camboriú (SC)

Reprodução/JFMS

A PF identificou o pagamento de R$ 191 mil de um dos traficantes em retribuição à droga. Nas investigações, Caio (também apelidado de “Boy”, “Kamikase” ou “Flash”) aparece coordenando as operações de tráfico contando, inclusive, com a participação de policiais militares para mover a droga pelos estados de Mato Grosso do Sul, Paraná e São Paulo até chegar à Baixada Santista.

À época, ele tinha 19 anos e já aparecia negociando dezenas de milhares de reais em drogas.

Os fornecedores de Caio estavam baseados nas cidades de Dourados (MS) e Amanbaí (MS), ambas próximas à fronteira com o Paraguai.

Mais velho que Caio, Minotauro, que hoje está preso no Presídio Federal de Brasília, tem carreira criminal ainda mais longa. Foi preso pela primeira vez em 2006, no município de Panorama (SP), quando tentava atravessar a divisa entre Mato Grosso do Sul e São Paulo com armamento ilegal que incluía fuzis, granadas e uma submetralhadora. Foi condenado a três anos por esse crime.

Quando deixou a prisão, voltou ao interior paulista para articular esquemas de tráfico de drogas. Minotauro foi apontado como líder de organização criminosa e condenado em mais um processo em Bauru, no ano de 2012. As duas condenações ultrapassaram os 21 anos de prisão. Caio Bernasconi Braga já constava nas investigações desse processo, mas não foi denunciado por ser menor de idade à época.

Traficante Jorge Rafaat Toumani, assassinado a tiros de metralhadora antiaérea em 2016 (Reprodução/Record TV)

Traficante Jorge Rafaat Toumani, assassinado a tiros de metralhadora antiaérea em 2016

Reprodução/Record TV

Depois de condenado, Minotauro fugiu do Brasil, atravessou a fronteira e se estabeleceu em Pedro Juan Caballero, no Paraguai. Lá, aproximou-se do então chamado “Rei da Fronteira”, o narcotraficante Jorge Rafaat Toumani. Minotauro chegou a atuar como gerente e pistoleiro de Rafaat, antes do assassinato deste, morto a tiros de metralhadora antiaérea em junho de 2016.

Com a morte do ex-chefe, Minotauro ascendeu no tráfico da fronteira ao lado do paraguaio Jarvis Chimenez Pavão.

Minotauro e Pavão mantiveram uma relação amistosa até março de 2018. O rompimento se deu por desacertos financeiros entre os dois.

Após romper com Pavão, Minotauro cometeu uma série de assassinatos contra pessoas ligadas a Pavão, entre elas a advogada Laura Casuso, morta em novembro de 2018, e o tio do traficante e ex-vereador de Ponta Porã, Francisco Novaes Gimenez, conhecido como “Chico Pavão”, atacado por mais de 190 tiros de fuzil disparados por dez sicários (matadores) de Minotauro, segundo denúncia do Ministério Público Federal.

O relato de um delator

Minotauro e Caio foram citados no relato de um dos maiores delatores do PCC (Primeiro Comando da Capital), o piloto Felipe Ramos Morais.

Em delação premiada prestada a uma força-tarefa de combate ao crime organizado em julho de 2018, Morais contou sobre o encontro que teve com Caio e Minotauro em novembro de 2017. À época, ele trabalhava para Wagner Ferreira da Silva, o Cabelo Duro, um dos antigos grandes chefes do PCC na Baixada Santista, assassinado em fevereiro de 2018.

Levado por um colega também piloto do tráfico, Felipe contou sobre o primeiro encontro com Caio e Minotauro em um sítio no município de Igaratá (SP), a cerca de 90 km da capital paulista, onde ocorria uma festa. “Veio o Wilhian e falou: ‘Prazer, Wilhian’. Esse aqui é meu irmão e aí apresentou o que seria o Minotauro, né, o Sérgio Arruda Quintiliano Neto”, contou Morais, fazendo referência ao nome falso usado por Caio: Wilhian.

“Eles disseram que já tinham ouvido falar de mim, que o Wagner falava de mim para todo mundo. Me ofereceram R$ 600 o quilo [de cocaína], sendo que com o Wagner eu ganhava R$ 400”, relatou. Mesmo tendo exclusividade com Cabelo Duro, Felipe afirmou em sua delação que aceitou o convite de Caio e Minotauro para trazer cocaína em 2017.

Afirmou ter feito dois voos de Pedro Juan Caballero até o interior de São Paulo. No primeiro, disse ter encontrado Minotauro no município paraguaio cercado de homens fardados armados de fuzis. Após esse voo, afirmou ter entregue uma carga de cocaína em mãos a Caio Bernasconi Braga, que ele identificou como Wilhian.

O delator disse às autoridades que Minotauro demandava o transporte de 5 toneladas de cocaína por mês a partir do Paraguai.

Um dos maiores delatores do PCC, o ex-piloto Felipe Ramos relatou encontro com Caio Bernasconi e Minotauro em um sítio (Reprodução/JFPE)

Um dos maiores delatores do PCC, o ex-piloto Felipe Ramos relatou encontro com Caio Bernasconi e Minotauro em um sítio

Reprodução/JFPE

Felipe Morais posteriormente disse que sua delação foi feita sob coação da Polícia Federal e as circunstâncias e os fatos de seu depoimento ainda são alvo de investigação das autoridades.

Alguns pontos do depoimento de Felipe, porém, tiveram respaldo em outras provas materiais. Durante as investigações da Operação Além-Mar, por exemplo, a PF apreendeu em um dos endereços de Caio um contrato de compra e venda de um sítio em Igaratá (SP).

Segundo o MPF de Pernambuco, o sítio do contrato fica exatamente nas mesmas coordenadas apontadas por Felipe em sua delação quando ele mencionou o primeiro encontro com Caio e Minotauro.

Na Operação Além-Mar, a Polícia Federal descobriu 32 empresas em comum entre Caio e Minotauro, incluindo corretoras de criptomoedas. “Não é leviano supor que ambos estariam utilizando a mesma estrutura para lavagem dos recursos financeiros”, aponta um relatório de análise financeira da PF.

Laços de família

Na Operação Além-Mar, o MPF denunciou familiares de Caio como responsáveis por lavar o dinheiro obtido com o tráfico de drogas. Entre os denunciados está a ex-esposa e mãe de dois filhos de Caio, Bruna Nayara Calciolari, que hoje cumpre medidas cautelares por determinação da Justiça Federal de Pernambuco. Ela foi acusada pelo MPF de lavar recursos obtidos por Caio no tráfico de drogas.

Foi num antigo endereço de Bruna que a Polícia Federal quase prendeu Caio, em outubro de 2018.

Segundo a denúncia do MPF, foram apreendidos documentos que apontam o investimento de R$ 180 mil em uma clínica de estética no bairro de Perdizes, em São Paulo, entre os meses de junho e setembro de 2018. Após o investimento, a clínica foi arrendada por Bruna para a esposa do traficante Odair Lopes Mazzi Júnior, conhecido como Argentina, Dezinho ou Vini.

Júnior foi denunciado em 2020 na Operação Sharks, do Ministério Público do Estado de São Paulo, e teve a prisão decretada no mesmo ano, mas está foragido da Justiça.

Segundo informações do MP que constam na denúncia da Sharks, Odair seria um dos homens fortes do PCC na Bolívia e “um dos responsáveis pela compra de cocaína para a Orcrim naquele país, e envio ao Brasil”.

Além do Paraguai, a Bolívia é um dos destinos considerados pela Polícia Federal como possíveis esconderijos de Caio. A PF já identificou visitas anteriores do criminoso ao país e há relatos da inteligência do órgão mostrando que ele comprou imóveis por lá.

O destino de Caio, porém, segue um mistério. Enquanto as autoridades não o encontram, o grupo criminoso do qual ele faz parte, segundo a Polícia e o Ministério Público Federal, comemora vitórias na Justiça.

Maria Alciris foi condenada a 20 anos de prisão, mas ganhou o direito de cumprir pena em liberdade (Reprodução/JFMS)

Maria Alciris foi condenada a 20 anos de prisão, mas ganhou o direito de cumprir pena em liberdade

Reprodução/JFMS

Conforme revelado pela Record TV, a esposa de Minotauro, Maria Alciris Cabral Jara (conhecida como Maritê), denunciada e condenada a 20 anos em regime fechado ao lado do marido após a prisão dele em 2019, recebeu autorização judicial para cumprir pena em liberdade após decisão do ministro do STF, Edson Fachin.

Sérgio Arruda Quintiliano Neto, o Minotauro, também deve sair do Presídio Federal de Brasília, onde cumpre pena desde 2019, e se mudar para uma prisão estadual.

A transferência foi determinada pelo juízo da 3ª Vara Criminal de Bauru (SP), mesmo com pareceres contrários da Secretaria de Administração Penitenciária e do Ministério Público de São Paulo. O processo está sob sigilo.

Minotauro é citado nos planos de fuga denunciados pela Polícia Federal que visavam tirar Marcos Willian Herbas Camacho, o Marcola, e outros integrantes do PCC da prisão. A denúncia da PF foi exibida pela Record TV em agosto deste ano.

Nome de Minotauro aparece em plano de fuga de Marcola  (Reprodução/JFDF)

Nome de Minotauro aparece em plano de fuga de Marcola

Reprodução/JFDF

As defesas de Caio Bernasconi Braga e Sérgio Arruda Quintiliano Neto foram contatadas pela Record TV, mas não quiseram se manifestar sobre os fatos mencionados nesta reportagem. A defesa de Bruna Calciolari afirmou, por meio de nota, que “não há nenhum elemento concreto” que subsidie a denúncia feita contra ela pelo Ministério Público Federal na Operação Além-Mar.

Em juízo, Caio e Bruna negaram as acusações imputadas pelo MPF a eles. Caio disse nunca ter integrado nenhuma organização criminosa. Bruna disse que seu patrimônio tem origem lícita.


Reportagem: Ciro Barros
Conteúdo: Núcleo de Jornalismo Investigativo
Arte: Sabrina Cessarovice
Edição: Marcos Rogério Lopes
Coordenação: Thiago Samora
Chefe de Redação: André Caramante