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Por Luís Adorno, Luanna Barros e Thiago Samora, da Record TV

Quando o Ministério Público de São Paulo anunciou que o Primeiro Comando da Capital tinha uma nova cúpula, em setembro de 2020, Sílvio Luiz Ferreira, conhecido como Cebola, foi apontado como um dos 21 membros da chefia da maior facção criminosa do país. Foragido, Cebola tinha o cargo de "sintonia final" do setor de "progresso" da facção, ou seja, a divisão responsável por cumprir as missões do PCC.

De acordo com os promotores paulistas, Cebola responderia hierarquicamente ao também foragido Marcos Roberto de Almeida, o Tuta, que, ainda segundo o MP, assumiu o controle da facção paulista com o isolamento de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, no sistema penitenciário federal. Com Marcola e seus principais aliados fora de São Paulo, o PCC se reinventou. Hoje, quem manda nas ações da facção, ao lado de Tuta, é Valdeci Alves dos Santos, o Colorido.

Cúpula do PCC divulgada pelo Ministério Público em setembro de 2020 (Divulgação/MP-SP)
Cúpula do PCC divulgada pelo Ministério Público em setembro de 2020 Divulgação/MP-SP

O que nem Lincoln Gakiya, o promotor de Justiça que investiga o PCC há mais de duas décadas, sabia é que uma investigação que corre sob sigilo no Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), da Polícia Civil paulista, identificou que Cebola lavava seu dinheiro com o corretor de imóveis Antônio Vinícius Lopes Gritzbach, 36 anos, que, por sua vez, é suspeito de ter mandado matar, em dezembro de 2021, o traficante internacional de drogas Anselmo Becheli Santa Fausta.

De acordo com a investigação do Deic, Cebola usava, para se disfarçar, a identidade falsa de Rodrigo Martins Santana, que nasceu em Castanhal, no Pará, e que morreu anos atrás. Utilizando os dados de uma pessoa falecida, Cebola conseguia se locomover sem problemas e, assim, exercer, em liberdade, o cargo de liderança do setor de progresso da cúpula do PCC.

Comparação feita pela Polícia Civil entre "Rodrigo" e Silvio Luiz Ferreira (Reprodução/Inquérito/Polícia Civil)
Comparação feita pela Polícia Civil entre "Rodrigo" e Silvio Luiz Ferreira Reprodução/Inquérito/Polícia Civil

A Polícia Civil afirma na investigação que, com o disfarce, Cebola, juntamente com Anselmo Becheli e o traficante Cláudio Marcos de Almeida, o Django, encontrado morto no final de janeiro deste ano, debaixo de um viaduto na Vila Matilde, na zona leste de São Paulo, conseguia lavar dinheiro com ajuda do corretor de imóveis Gritzbach. A defesa de Gritzbach nega veementemente que o corretor lavava dinheiro para membros do PCC e diz que o relacionamento dele com integrantes da facção ocorria por "networking", sem que o corretor soubesse da ligação deles com o crime organizado.

A polícia chegou à conclusão após investigar a empresa VMA Intermediações e Negócios, da qual Gritzbach é um dos proprietários. A defesa de Gritzbach confirma que ele tinha parte societária na empresa. No aeroporto Campo de Marte, na zona norte da capital, foi identificado pela polícia um helicóptero pertencente à empresa. Depois de ter ligado as informações entre a empresa VMA, o helicóptero e o corretor de imóveis, a polícia buscou quem eram seus principais clientes no local.

"Da análise de 'cliente', Rodrigo Martins, através da comparação de sua fotografia, revelou que, em verdade, aquele seria o traficante procurado pela Justiça Silvio Luiz Ferreira, de vulgo 'Cebola', sabidamente sócio dos facciosos recentemente assassinados conhecidos como Django e Anselmo, cujos liames comerciais entre aqueles se fundeiam especificadamente no comércio e no tráfico de drogas na Favela da Caixa-d’Água, na zona leste da capital", descreveu a Polícia Civil.

Procurado, Antônio Vinícius Lopes Gritzbach, num primeiro momento, aceitou ceder entrevista à Record TV. Depois, desistiu. Seu advogado, Ivelson Salotto, afirma que seu cliente é inocente, tanto na investigação sobre a morte de Anselmo Becheli quanto na que apura a lavagem de dinheiro. Segundo o advogado, Gritzbach não tem participação no assassinato de Becheli e nunca teve nenhum relacionamento com Cebola.

Sorte grande entre amigos

Em uma casa lotérica da zona oeste da capital paulista, um raio caiu, aparentemente, mais de uma vez no mesmo lugar. Em 5 de maio de 2021, Anselmo Becheli ganhou no local, por meio de um bolão da Mega-Sena, a quantia de R$ 25 milhões.

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Segundo relatórios do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Fiananceiras), um mês depois, Gritzbach ganhou quase R$ 217 mil na Mega-Sena, em quinas ou quadras, já que os prêmios principais acumularam.

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Coincidentemente ou não, os concursos que deixaram Gritzbach um pouco mais rico foram sorteados na mesma lotérica onde seu amigo Becheli ficou um pouco mais milionário um mês antes. A casualidade chamou a atenção dos policiais civis da 6ª Delegacia de Polícia de Investigações sobre Facções Criminosas e Lavagem de Dinheiro, do Deic.

Casa lotérica onde Anselmo ganhou R$ 25 milhões em maio de 2021 (Luís Adorno/Record TV)
Casa lotérica onde Anselmo ganhou R$ 25 milhões em maio de 2021 Luís Adorno/Record TV

A suspeita é que Becheli e Gritzbach compraram bilhetes premiados para esquentar o dinheiro do crime organizado. Para o advogado Ivelson Salotto, como seu cliente é um assíduo jogador da loteria, com mais jogos feitos, maior é a probabilidade de ganhar na Mega-Sena. Ele nega que Gritzbach tenha feito qualquer coisa ilegal no caso.

Outros indícios compilados pela polícia reforçam a ligação entre Anselmo Becheli e Gritzbach. No celular da mulher do corretor de imóveis, foram encontradas fotos de reuniões e jantares entre eles. Em uma delas, Becheli aparece deitado no sofá em um encontro com Gritzbach. Segundo o advogado Salotto, a foto pode ter ocorrido para Gritzbach comprovar à mulher que estava reunido com Becheli.

Foto de Anselmo deitado no sofá, encontrada no celular da mulher de Gritzbach (Reprodução/Inquérito/Polícia Civil)
Foto de Anselmo deitado no sofá, encontrada no celular da mulher de Gritzbach Reprodução/Inquérito/Polícia Civil

Outra ligação entre os dois diz respeito a um edifício comercial no bairro do Tatuapé. Segundo a Polícia Civil, Gritzbach utilizava o local para receber, entre outras pessoas, Becheli e Django. De acordo com o advogado do corretor de imóveis, Gritzbach conhecia Becheli como empresário de futebol, e Django, a quem se referia como "Doutor Cláudio", como empresário. Questionado sobre o histórico criminal de Becheli e Django, o advogado afirmou que Gritzbach não tinha como confirmar "boatos" de que os dois eram ligados ao crime organizado.

Ainda de acordo com a investigação, Gritzbach seria dono de uma farmácia, constituída em setembro de 2020, com capital social de apenas R$ 60 mil. O estabelecimento comercial chamou a atenção da polícia, que diz que o ramo facilita a compra de produtos químicos e insumos usados na manipulação de drogas. Além disso, ele declarou ser dono de quatro empresas em uma rua do bairro Anália Franco. No entanto, a polícia diz que os locais não têm fachada. A suspeita é que sejam empresas-fantasma.

Farmácia com capital de R$ 60 mil (Reprodução/Inquérito/Polícia Civil)
Farmácia com capital de R$ 60 mil Reprodução/Inquérito/Polícia Civil

Analisando documentos encontrados na casa de Gritzbach, a Polícia Civil também chegou a um posto de combustíveis, localizado no bairro do Pari. O estabelecimento possui diversos negócios jurídicos, incluindo contratos de compra e venda de carros de luxo e barcos avaliados em R$ 5 milhões.

Para a defesa de Gritzbach, a evolução patrimonial de seu cliente se justifica, uma vez que ele trabalha com imóveis de luxo em um bairro nobre da capital. Segundo o advogado Ivelson Salotto, seu cliente tinha mais de mil clientes. E, em cada negócio, de imóveis avaliados em mais de R$ 2 milhões, ele podia receber cerca de R$ 500 mil em comissão.

As mortes de Anselmo e Django

Supostamente envolvidos no esquema de lavagem de dinheiro que teria tido apoio do corretor de imóveis Gritzbach, Anselmo Becheli e Cláudio Marcos de Almeida, o Django, são peças de um quebra-cabeças que a polícia paulista tenta finalizar. A partir das movimentações deles, pode ser possível condenar ou inocentar o corretor.

Cebola, Becheli e Django seriam a porta de entrada do crime organizado no investimento em criptomoedas. Em 27 de dezembro de 2021, Anselmo Becheli e seu motorista, Antonio Corona Neto, foram mortos a tiros quando deixavam, em um carro popular, o apartamento onde Becheli morava, no Jardim Anália Franco, na zona leste da capital paulista.

A Polícia Civil e o MP dizem que Becheli era um megatraficante internacional, fazia negócios com o PCC, mas não era integrante da facção. Neto, seu motorista, no entanto, era tido como membro do grupo. O caso ainda está em investigação.

A primeira suspeita do DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa), que investiga o caso, dava conta de que Becheli e Neto foram mortos a mando do corretor Gritzbach e de um empresário de criptomoedas porque Becheli entregou ao corretor US$ 100 milhões para que o dinheiro fosse investido em bitcoins. No entanto, o traficante pediu o dinheiro de volta.

A hipótese da polícia é que, sem o valor em mãos, o corretor e o empresário mandaram matá-lo. O corretor ficou preso preventivamente por 46 dias. O empresário, representado por um dos melhores — e mais caros — advogados do país, foi liberado bem antes.

Quem apertou o gatilho contra Becheli e Neto foi assassinado dias depois. Como recado da organização criminosa, a cabeça do atirador foi deixada em uma praça perto de onde havia ocorrido o duplo homicídio. O PCC iniciou uma caçada aos atiradores. Ao ser preso pela polícia, em 8 de fevereiro de 2022, o corretor de imóveis Gritzbach negou que tenha mandado matar Becheli — e, consequentemente, Neto. Mas afirmou que foi submetido a um "tribunal do crime", em janeiro, no Tatuapé.

O corretor foi chamado para o "tribunal" por um criminoso identificado como João Cigarreiro — que seria o atual chefe do PCC na favela da Caixa-d'Água, na zona leste — para "conversar" em uma casa no Tatuapé. Ao chegar ao local marcado, o corretor afirmou à polícia que ficou sequestrado durante nove horas. Nesse período, disse ter sido constantemente ameaçado de morte.

Na reunião, segundo ele, estavam: Cláudio Marcos de Almeida, conhecido como Django; o agente de jogadores de futebol Danilo Lima de Oliveira, chamado de Tripa; e Rafael Maeda Pires, o Japa. Django foi assassinado, com aval de Tuta e de Colorido, os atuais manda-chuvas da facção, no fim de janeiro de 2022. Seu corpo foi deixado debaixo do viaduto Vila Matilde, na zona leste.

Considerado pela facção criminosa paulista, ele teria sido morto por ter defendido, no tribunal do crime, Gritzbach. De acordo com o Ministério Público, Django também havia investido dinheiro com o corretor. Mas, ao solicitar o valor de volta, recebeu normalmente. E, depois disso, sugeriu aos demais integrantes da facção que o liberassem. O corretor foi liberado. Django, dias depois, pagou o preço.

Foi aventada pela Polícia Civil a hipótese de que Cebola teve o mesmo fim de Anselmo e Django. Sem o corpo e sem testemunhas, porém, não há como comprovar até agora o paradeiro do fantasma da cúpula do PCC.


Conteúdo: Núcleo de Jornalismo Investigativo da Record TV
Reportagem: Luís Adorno, Luanna Barros
Coordenação: Thiago Samora
Chefe de Redação: André Caramante