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Márcio Neves, Marcos Guedes e André Azeredo, da Record TV

A edição deste domingo (14) do Domingo Espetacular, da Record TV, mostrou que a região de fronteira entre Brasil e Paraguai registrou 109 mortes violentas, com características de execução, e que boa parte dessa violência é resultado de uma disputa pela liderança do tráfico de drogas naquela região.

Mas por que isso acontece? Por que aquela região é importante? O que deixou a fronteira entre Brasil e Paraguai em um clima de guerra? E qual o impacto dessa guerra para quem vive naquela região?

Para entender o que acontece nesta parte do país, a equipe do Núcleo de Jornalismo Investigativo, da Record TV, passou duas semanas não região. Conversou com moradores, autoridades, especialistas e vítimas desta guerra na fronteira. O resultado pode ser conferido neste especial multimídia em três capítulos publicados ao longo desta semana no R7 e em um documentário exclusivo para o PlayPlus. Assista abaixo a chamada para o especial do PlayPlus.

Capítulo 1 - Posição estratégica
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Márcio Neves/Record TV

Duas ruas separadas por um matagal que, em alguns pontos, vira uma praça na área urbana, e demarcadas no meio com pilastras brancas de concreto, de aproximadamente 2 metros de altura, fincadas a cada 500 metros. De um lado Ponta Porã, no Brasil, e do outro, Pedro Juan Caballero, no Paraguai. Essa divisão quase imperceptível se repete ao longo dos 1.365 quilômetros de fronteira que separam os dois países.

Grande parte dessa área está nos estados do Mato Grosso do Sul, no lado brasileiro, e Amambay, no lado paraguaio. No restante, o Rio Paraná vira uma barreira natural, que separa o trecho de fronteira entre o estado do Paraná, no lado brasileiro, do estado de Canindeyú, no lado paraguaio.

E, no trecho que ocupa a maior área, a facilidade de ir de um lado ao outro é a mesma que a simplicidade de atravessar a rua de uma cidade de interior.

Essa proximidade e facilidade até gerou um gentílico não-oficial para quem é da região. São os "brasiguaios": pessoas que nasceram no Brasil e vivem no lado paraguaio, e vice-versa.

Há décadas, a geografia da fronteira é explorada por organizações criminosas de todos os tipos para movimentarem seus negócios, seja de contrabando de bebidas e eletrônicos a armamentos de guerra e drogas.

Para as autoridades policiais, a região tornou-se estratégica para remeter ao Brasil a cocaína produzida na Bolívia, no Peru e na Colômbia. Soma-se a isso a produção de maconha em solo paraguaio destinada ao mercado brasileiro.

De lá, a droga segue pelo interior do Brasil, principalmente com destino às principais metrópoles da região Sudeste: São Paulo e Rio de Janeiro.

Uma parte abastece o consumo de drogas local e uma outra quantidade continua uma longa viagem por portos e aeroportos até chegar a países da Europa, Ásia, África e Oriente Médio, onde o preço do quilo da cocaína, por exemplo, pode chegar a 150 mil dólares, o equivalente a R$ 795 mil.

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Elton Resende/Record TV
Fiscalização frouxa

Nossa equipe percorreu 300 km de estradas do lado paraguaio e constatou que a fiscalização em rodovias no país vizinho é praticamente inexistente.

Essa ausência de fiscalização é endossada por depoimentos de agentes públicos dos dois países que trabalham na região e que preferem manter anonimato. Eles afirmam que boa parte da droga atravessa o território paraguaio sem enfrentar grande resistência.

A Ruta V é um bom exemplo do que contam os policiais: são 577 km de estrada que cortam o Paraguai, fazendo a interligação com a Bolívia com a Ruta IX, praticamente sem nenhuma fiscalização. Lembrando que a Bolívia é um grande produtor de cocaína.

Os postos da Polícia Nacional Paraguaia são vistos com frequência, mas muitos deles estão abandonados, ou com pouquíssimos policiais. À noite, a fiscalização desaparece.

Posto policial abandonado no Paraguai (Márcio Neves/Record TV)

Posto policial abandonado no Paraguai

Márcio Neves/Record TV

Já do lado brasileiro, a fiscalização é mais intensa. É comum encontrar postos de bloqueio de agentes do DOF (Departamento de Operações de Fronteiras) da Polícia Militar do Mato Grosso do Sul nas rodovias estaduais e da PRF (Polícia Rodoviária Federal) nas rodovias federais.

Em dois momentos, a equipe da RecordTV presenciou a apreensão de duas carretas, uma com 150 quilos de cocaína, apreendida por uma equipe do DOF, e outra com nove toneladas de maconha, apreendida pela PRF.

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Marcio Neves/Record TV

Na carreta com cocaína, com placas do interior de São Paulo, a droga foi escondida em bujões do sistema de ar do veículo. Uma pequena marca de solda gerou desconfiança para os policiais. Quando removidos, cada um dos dois bujões tinha entre 70 e 80 kg de cloridrato de cocaína, sua versão em pó, pronta para consumo e fracionamento.

Na segunda apreensão, a PRF apreendeu nove toneladas de maconha que estavam escondidas em uma carga de milho e prendeu o motorista da carreta. Para despistar a polícia, ele contava com apoio de outro caminhoneiro que seguia na frente, mas foi parado, e no momento da abordagem recebeu uma ligação do comparsa que transportava a droga perguntando se a situação estava segura para prosseguir a viagem.

Temos mais de mil km de fronteira seca com o Paraguai e precisamos ter astúcia e perícia para ter apreensões como esta

Waldir Brasil, inspetor da PRF

Segundo a ministra da Secretaria Nacional Antidrogas do Paraguai, Zully Rolón, em dois anos foram apreendidas 7,2 toneladas de cocaína e 9 mil toneladas de maconha.

Por outro lado, o Brasil apreendeu no mesmo período 3.402 toneladas de maconha e 294 toneladas de cocaína. E estudos apontam que, entre 30% e 50% das drogas que circulam no Brasil, entraram no país pelo Paraguai.

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Marcio Neves/Record TV
Paraguai: de rota a produtor

Boa parte da droga que chega ao Brasil pela fronteira com o Paraguai já cumpriu um longo caminho até entrar no país vizinho, principalmente a cocaína ou sua pasta base - utilizada para o refino mais tarde.

Com alto valor de mercado, segundo dados da organização Transnational Institute, a cocaína entra no Paraguai, grande parte em aviões vindos da Colômbia e Peru, e outra parte por via terrestre, vinda da Bolívia.

As portas de entrada da droga costumam ser fazendas, estradas e pistas de pouso na região de Gran Chaco, que inclui os estados do Alto Paraguay e Boquerón, no Paraguai, e dali seguem a jornada de pouco mais de 500 km até atravessar a fronteira e entrar no Brasil.

Dados da Fronteira (Arte/R7)

Dados da Fronteira

Arte/R7

Já a maconha tem origem dentro do próprio Paraguai. Entidades internacionais avaliam que o país tem entre 6 e 7 mil hectares de terra em que são cultivadas a planta e que cerca de 20 mil agricultores tiram sua renda dessa produção.

Segundo o Transnational Institute, o Paraguai é o principal fornecedor de maconha da América Latina, e, em 2016, pode ter movimentado cerca de 709,5 milhões de dólares. Uma cifra expressiva, se compararmos a exportação de soja do país, que, no mesmo ano, rendeu 1.5 bilhões de dólares.

Em 2019, o avanço no cultivo da maconha foi potencializado com uma mudança na lei do Paraguai que legalizou a plantação da erva de olho na liberação do uso da droga em vários países e nas aplicações de derivados da cannabis para fins medicinais.

As fazendas de maconha no Paraguai, que há décadas já atraíam organizações criminosas brasileiras, agora também servem como base logística para um produto muito mais rentável: a cocaína. A droga, que vem dos países andinos até o lado paraguaio da fronteira, é despachada para os grandes centros urbanos do Brasil.

Depois, uma parcela significativa segue dos portos brasileiros para a Europa, África e para a Ásia.

Especial Guerra na Fronteira (Arte/R7)

Especial Guerra na Fronteira

Arte/R7

Vice-presidente de Jornalismo: Antonio Guerreiro
Diretores de Jornalismo: Aline Sordili, Clovis Rabelo, Domingos Fraga, Rogério Gallo e Thiago Contreira
Diretora de Planejamento Transmídia: Bia Cioffi
Design: Arte Jornalismo
Conteúdo: Núcleo de Jornalismo Investigativo
Reportagem (textos e vídeos): Márcio Neves, Marcos Guedes e André Azeredo
Imagens: Elton Resende e Márcio Neves
Arte: Matheus Vigliar e Omar Sabbag
Edição de Texto (vídeo): Jayr Dutra
Edição Imagens: Acrisio Mota e Michel Ponte
Editora-executiva Domingo Espetacular: Juliana Haddad
Coordenação: Thiago Samora e André Caramante