O empreendedorismo vem sendo a principal alternativa para brasileiros que buscam uma atividade econômica num cenário que contabiliza 11,6 milhões de desempregados, segundo dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) no final de janeiro deste ano.
A iniciativa de abrir o próprio negócio não é exclusiva de uma classe social, idade ou gênero. Há espaço para todo mundo empreender e garantir o sustento da família. E ações afirmativas vêm sendo criadas para fomentar a inclusão social no mundo dos negócios e dar visibilidade a mulheres, negros, pessoas com síndrome de down e autistas, para citar alguns.
As mulheres estão se destacando cada vez mais como empreendedoras. Estima-se que atualmente o Brasil tenha 24 milhões de mulheres empreendendo, segundo pesquisa da Global Entrepreneurship Monitor, conduzida pelo Sebrae.
Wilson Poit, diretor-superintendente do Sebrae-SP, diz que a procura de mulheres por cursos de empreendedorismo é grande. “A mulher está mais empoderada e vem assumindo cada vez mais a posição de fonte de renda dentro de casa. No projeto Mil Mulheres, recebemos ex-presidiárias, pessoas em situação de vulnerabilidade, vítimas de violência doméstica interessadas em conquistar a sua independência financeira e a melhorar a vida da família”, comenta.
Poit diz que o Sebrae também tem notado a procura por capacitação por diversos públicos, inclusive pessoas com alguma deficiência. Ele acredita que a capacitação de empreendedores e iniciativas que incentivem os brasileiros a abrir seu próprio negócio estão se disseminando pelo país e é um movimento que promete se expandir cada vez mais.
“O brasileiro está mais aberto a aceitar a inclusão e tem recebido iniciativas de empreendedorismo de diversos públicos com muita naturalidade. É comum ver as pessoas felizes por alguém com deficiência ter uma atividade que gere lucro e a torne mais visível para a sociedade. Essa percepção é maior pelo público mais jovem”, diz Poit.
A empresária Ana Lúcia Fontes, 53, criou a RME (Rede Mulher Empreendedora), em 2010, para dividir sua experiência com outras mulheres. Dez anos depois, ela se consagrou como a maior notoriedade no ramo do empreendedorismo feminino no Brasil e vem acumulando diversos prêmios. Foi, inclusive, eleita uma das 20 mulheres mais poderosas do país pela revista Forbes, em 2019.
“Tudo começou com um blog que fiz para compartilhar minhas experiências e dicas simples sobre gestão, fluxo de caixa, seleção de pessoal, entre outros, para mulheres que queriam começar a empreender ou já tinham um negócio. No primeiro ano de atuação, a página registrou 100 mil seguidores”, diz.
Ana Lúcia Fontes, fundadora e presidente da RME
Arte/ R7Ana lembra que, na época, muitas mulheres eram empreendedoras, mas pouco se falava sobre o assunto. “As coisas começaram a ganhar espaço em 2011 com o surgimento das redes sociais.”
Inicialmente, a RME não tinha apoio financeiro e nem uma estrutura física permanente. Tudo era realizado por voluntárias que acreditavam no projeto. Hoje, apesar de ainda contar com o voluntariado, a RME cresceu, ganhou diversos patrocinadores interessados em investir no empreendedorismo feminino e ampliou o seu foco de atuação. Ao longo do processo, Ana deixou dois negócios que mantinha paralelamente para dedicar-se exclusivamente à rede.
Os números da força de trabalho feminina no empreendedorismo
Arte/ R7
Desde sua criação, foram realizados 400 eventos e 25 mil capacitações de empresárias. A RME oferece programas e serviços, com conteúdo e dicas, para ajudar os mais diferentes perfis de empreendedoras a desenvolver o seu negócio.
A rede também realiza diversos cursos e mentoria por todo o Brasil, além de um programa de aceleração de negócios fundados e liderados por mulheres.
Para Ana, apesar de se falar mais sobre empreendedorismo feminino no Brasil e haver mais instituições interessadas em investir no desenvolvimento de negócios, empreender no país ainda é muito difícil.
“Há pouca movimentação para a criação de políticas públicas e muita dificuldade de acesso ao crédito no Brasil. No caso das mulheres, outra dificuldade envolve a questão de como conciliar a vida pessoal com o negócio”, diz Ana.
A empresária Juliana Martins foi uma das mulheres que passaram pela RME para aperfeiçoar o seu negócio. Pode-se dizer que Juliana é uma daquelas pessoas que fazem do limão uma limonada. Engravidou aos 18 anos, perdeu o pai da sua filha quando a bebê tinha apenas dois meses e precisou voltar a trabalhar muito cedo para ajudar no sustento da casa – na época, seu pai viu a empresa que trabalhou durante anos decretar falência e precisou começar a catar lata na rua para sustentar a ela, ao irmão e à neta.
Juliana diz que a maior dificuldade que encontrou quando precisou voltar ao trabalho foi a falta de uma rede de apoio para ajudá-la a cuidar da filha. “Depois que virei mãe, não consegui voltar a estudar, mesmo ganhando bolsa de estudos para cursos que sonhava, e perdi boas oportunidades de trabalho por não ter com quem deixar a minha filha.”
De uma necessidade pessoal surgiu a Fico com a Cria, em 2018, startup que conecta babás e famílias, principalmente mães que precisam trabalhar. “Queria ajudar outras mães a não passarem pelo que eu passei”, diz Juliana.
Inicialmente, o foco da startup eram as mães das classes C, D e E, mas a proposta precisou ser alterada. “Com o tempo eu vi que essas mães não têm R$ 50 para pagar a hora de uma babá. Com esse dinheiro elas garantem a mistura da semana. Elas pagam um valor menor para uma vizinha, mãe ou tia para deixar a criança e poder trabalhar.”
Além de ajudar mães com uma rede de profissionais qualificadas, a Fico com a Cria também vem sendo uma alternativa de emprego para MEIs (microempreendedoras individuais) e babás que trabalham durante a semana como CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e querem ganhar um dinheiro extra no fim de semana.
Juliana Martins, CEO da Fico com a Cria
Arte/ R7A pedagoga Kelly Alexandra Cruz, 38 anos, resolveu ingressar na Fico com a Cria depois de não conseguir um emprego na área da educação. “Amo cuidar de crianças, o que importa é trabalhar em uma atividade que me permita estar com elas”, diz.
Kelly diz que atua como babá formalmente há três anos, nas sempre gostou de cuidar dos filhos de vizinhos e sobrinhos. Atualmente ela tem diárias fixas na mesma família duas vezes por semana, mas, em breve, espera preencher mais dias da sua semana com trabalho. “Ainda não cheguei no patamar que preciso financeiramente, mas amo o que eu faço”, conta.
Juliana diz que a seleção das babás é criteriosa e elas passam por cursos de aprendizagem de primeiros socorros e de recreação infantil.
“Sempre buscamos patrocínio para oferecer esses cursos, mas, quando não contamos com este dinheiro, cobramos R$ 100 pela capacitação. É uma forma que encontramos de ajudar mais mulheres a entrar no mercado de trabalho. Normalmente eles custam em torno de R$ 800 em escolas técnicas”, comenta Juliana.
O próximo passo da Fico com a Cria é iniciar o processo de expansão por franquia. A primeira unidade será em Curitiba (PR) e será comandada por uma amiga pedagoga, que gostou da proposta do negócio. “Já temos 20 babás inscritas para iniciar a operação.”
Adriana Barbosa, 42 anos, é CEO da Preta Hub, dona da Feira Preta, criada há 18 anos para estimular o empreendedorismo entre a população negra e que se tornou o maior festival de cultura negra da América Latina.
A feira, que começou com 40 empreendedores com linguagens artísticas de fotografia, literatura e artes plásticas, na Praça Benedito Calixto, no bairro de Pinheiros da capital paulista, que é um reduto de artistas e antiguidades, hoje é realizada no centro de eventos do Anhembi, local onde ocorrem os maiores eventos de São Paulo.
A Unilever patrocinou a primeira e a segunda edições do evento. “No segundo ano, também ganhamos o patrocínio da Red Bull”, conta Adriana. No Anhembi, a feira passou a receber empreendedores de outros estados, atingindo 150 expositores, em 2019, e 30 mil pessoas. Também começou a ampliar o nicho de atuação da Preta Hub.
Adriana Barbosa, CEO da Preta Hub e dona da Feira Preta
Arte/ R7Há três anos, foi criada a plataforma Astrolab, que é uma aceleradora de apoio, promoção e impulsionamento do afro empreendedorismo.
Nesses três anos, o programa acompanhou mais de 600 empreendimentos no país. “Apesar de a proposta de fomentar o empreendedorismo negro, atendemos mulheres negras, indígenas e brancas, mas os negócios têm sempre como foco produtos para negros”, diz Adriana.
Adriana conta que sempre foi envolvida em negócios sustentáveis e de artesanato. Durante um período em que ficou desempregada, criou um brechó e começou a vender as suas roupas para levantar dinheiro. Também formatava negócios itinerantes de bijuteria e artesanato.
Sua inspiração para empreender veio das mulheres de sua família, mãe, avó e bisavó. “Toda vez que faltava dinheiro em casa elas corriam para buscar alguma fonte de renda. Faziam coxinha e salgadinhos ou marmitex e davam para eu e meu irmão vendermos. Sempre na área de gastronomia. Lembro que minha bisavó tinha 80 anos e cuidava da precificação, comercialização e envolvia toda a família no negócio.”
Ao criar a feira, ela diz que viu "um nicho de mercado para ofertar uma demanda de produtos e serviços para a população negra”.
As principais dificuldades que encontrou ao longo dos 18 anos da Preta Hub foram, primerio, o machismo ao lidar com fornecedores e “mostrar que eu era dona e que tinha de ser atendida”, depois dominar códigos de gestão para pedir dinheiro em banco e captar recursos para a realização da feira.
Para este ano, a Preta Hub, que já é referência na América Latina, vai iniciar o programa de aceleração na Bolívia.
Um presente feito para a mãe em uma aula de artesanato na escola deu início a um dos maiores desafios da vida de Bianca Reis, 23 anos: iniciar seu próprio negócio, o Ateliê da Bia.
Foram tantos os elogios à peça, que Bia, como é conhecida, ficou animada para produzir mais artigos e começar a comercializá-los. Com o incentivo da irmã Camila, 30, criou páginas nas redes sociais Facebook e Instagram e começou a comercializar. “A Bia tem síndrome de down e montar seu próprio negócio era uma forma de dar mais autonomia para ela”, diz Camila.
Inspiradas nos benefícios que esse empurrão trouxe para a vida da Bia, Camila resolveu criar o projeto EmpreenDown, em 2017, para dar visibilidade a jovens empreendedores com síndrome de down.
Apesar de estar feliz com o resultado do seu negócio, Bia sentia falta de ter contato com o público. “Eu gosto de fazer as minhas peças, mas queria ver gente e explicar como são feitas, falar sobre o acabamento...”, comenta Bia.
Bianca Reis, artesã e dona do Ateliê da Bia
Arte/ R7Camila diz que chegou a procurar lugares para a irmã expor suas peças, mas “os preços cobrados eram altíssimos”. “Os valores eram tão exorbitantes que mesmo vendendo todos os produtos expostos na mesa, a Bia não teria lucro”, conta.
Foi, então, que Camila teve a ideia de criar o EmpreenDown. “Eu vi que as dificuldades da Bia poderiam ser as de outros também. Resolvi, então, criar uma rede de empreendedores com síndrome de down e começar a divulgar o trabalho deles em feiras e espaços concedidos dentro de empresas”, afirma.
Atualmente, a EmpreenDown conta com sete empreendedores. Camila é a responsável pela administração e captação de espaços para a exposição dos produtos. Em 2019 o grupo participou de 30 eventos. A meta deste ano é dobrar esse número.
As peças da Bia são feitas em MDF. Recentemente ela lançou uma linha de camisetas, além de pulseiras e colares de miçangas. Apesar de afirmar que nunca sofreu qualquer preconceito por ter síndrome de down, Bia diz que não se adaptou a trabalhar em empresas e, por isso, resolveu empreender.
“No meu ateliê eu faço o que gosto. Minhas peças são sucesso em todos os eventos que vou. Vendo todas”.
Ateliê da Bia
Edu Garcia/ R7Reportagem: Márcia Rodrigues
Apoio: Luciana Mastrorosa
Arte: Lucas Martinez e Sabrina Cessarovice
Fotos: Edu Garcia e Márcio Neves
Vídeo: Márcio Neves
Edição de vídeo: Edimar Sabatine e Danilo Barboza
Videografismo: Eriq Gabriel Di Stefani e Marisa Eiko Kinoshita
Sonoplastia: Luciano Gonçalves