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Por Luís Adorno, do Núcleo de Jornalismo Investigativo da RecordTV

Até fevereiro de 2018, Wagner Ferreira da Silva, o Cabelo Duro, era tido por autoridades paulistas como o principal chefe da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) na Baixada Santista, litoral de São Paulo. No final daquele mês, ele foi assassinado ao ser fuzilado, à queima-roupa, no Tatuapé, zona leste da capital, aos 32 anos.

Ao longo de sua vida, Cabelo Duro ascendeu financeiramente de maneira estratosférica. De um garoto pobre sem estrutura financeira bem estabelecida na Baixada, ele cresceu dentro do crime. Sobretudo, atuando no tráfico internacional de drogas. De Santos, ele enviava cocaína para outros continentes. Em troca, recebia muito dinheiro.

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Mas a conta chegou. A mesma organização criminosa que o tornou milionário cobraria dele decisões que ele não podia dizer não. Foi ele o responsável por executar o plano de matar, no Ceará, Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, e Fabiano Alves de Souza, o Paca, tidos como os principais chefes do PCC à época em liberdade. 

Para praticar o duplo homicídio, Cabelo Duro buscou Gegê e Paca na Praia do Futuro, em Fortaleza, e voou com eles, de helicóptero, até uma reserva indígena próxima da capital cearense. Os assassinatos ocorreram lá. Investigações estaduais e federais indicam que Cabelo Duro cumpriu a ordem dada por Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho.

Fuminho, apesar de não ser integrante do PCC, era tido como sócio da facção, além de ser o braço-direito de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, apontado como o principal chefe da facção paulista. Em 2018, quando estava em liberdade, ele teria elaborado o plano dos homicídios de Gegê e de Paca, a mando da cúpula do grupo, porque ambos estavam roubando dinheiro do próprio PCC.

Duas semanas depois de participar dos homicídios de Gegê e de Paca no Ceará, Cabelo Duro voltou a São Paulo. No estado, ele se dividia entre um flat que costumava usar como escritório no Tatuapé e uma casa no Guarujá, litoral paulista. Mas a facção entendeu que ele não servia mais para o crime organizado. O mesmo grupo que o fez ascender financeiramente decretou sua pena de morte.

Fuminho foi preso em abril do ano passado em Moçambique, no continente africano. Ele está detido na penitenciária federal de Catanduvas, no Paraná. O DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa), da Polícia Civil paulista, aguarda laudos de celulares apreendidos para esclarecer os autores e mandantes do assassinado de Cabelo Duro. 

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Divulgação/Polícia Federal
R$ 450 milhões por ano (só com o tráfico)

Quem pilotou o helicóptero que levou Cabelo Duro, Gegê e Paca, no início de fevereiro de 2018, no Ceará, foi o piloto Felipe Ramos Morais, que ficou preso por três anos sob a acusação de ter envolvimento no homicídio e por associação criminosa. Enquanto esteve preso, decidiu delatar a facção criminosa e integrantes do grupo. Ele foi solto em abril deste ano, mas, tido como inimigo número um do PCC, tem localização incerta. 

Cabelo Duro praticamente saiu da exploração do tráfico de favelas para se tornar a referência no tráfico de drogas pelo Porto de Santos

Felipe Ramos

À polícia, ele confessou que prestava serviços de táxi aéreo para o PCC, levando drogas, armas e pessoas. De acordo com a delação do piloto, Cabelo Duro “praticamente saiu da exploração do tráfico de favelas para se tornar a referência no tráfico de drogas pelo Porto de Santos”. Na delação, Morais estimou que, sozinho, Cabelo Duro faturava, apenas com o tráfico de drogas, entre R$ 400 e R$ 450 milhões por ano. “O tráfico era que sustentava todas as demais atividades por ele exploradas”, afirmou. Além do tráfico, ele tinha outros negócios aparentemente lícitos, mas que, na verdade, serviam para lavar dinheiro.

Trecho da delação de Felipe sobre os lucros de "Cabelo Duro" (Reprodução)

Trecho da delação de Felipe sobre os lucros de "Cabelo Duro"

Reprodução

O piloto revelou na delação quanto recebia a cada voo prestado a Cabelo Duro: “Consegui acertar com o Wagner [Cabelo Duro] um bom valor para o transporte de cocaína e de dinheiro. Recebia R$ 400 por quilograma de pasta base de cocaína transportada e 3% da quantia de dinheiro em espécie”, explicou o piloto.

No começo, os carregamentos mensais eram de 500 kg, sendo feitas duas viagens para trazer a droga. Mais adiante, Cabelo Duro comprou um helicóptero maior. E Morais conseguia levar 500 kg em uma viagem só. 

“Ao longo de todo tempo que trabalhei para o Wagner [Cabelo Duro] devo ter trazido do Paraguai uns 100 fuzis. Munições eu trouxe pouquíssimas vezes. E a razão é bem simples: em grandes quantidades, as munições pesam demais, o que compromete a capacidade de transporte de drogas no helicóptero”, afirmou o piloto na delação.

Helicóptero usado para matar Gegê do Mangue (Divulgação/Polícia Civil)

Helicóptero usado para matar Gegê do Mangue

Divulgação/Polícia Civil
Como o piloto conheceu Cabelo Duro

Na delação premiada, Felipe Ramos Morais afirmou às autoridades que trabalhou transportando drogas e dinheiro para Cabelo Duro fazendo uso de helicópteros pertencentes a ele. O piloto afirma que o conheceu em uma casa noturna, no Guarujá, em outubro de 2015, por intermédio de um outro piloto de helicóptero.

“O Wagner [Cabelo Duro] apresentou-se como produtor de funk. Ele disse que agenciava alguns cantores e grupos musicais e que ia constantemente ao Rio de Janeiro e outras cidades a trabalho. Nessa noite, o Wagner falou que de vez em quando voava de helicóptero para atender seus compromissos profissionais”, afirmou o piloto.

Em 2016, Cabelo Duro pediu dicas a Felipe para comprar um helicóptero, afirmando estar disposto a desembolsar até R$ 2 milhões. Foi encontrada uma aeronave um pouco mais cara, de R$ 2,5 milhões, e Cabelo Durou aceitou pagar. A transação foi feita por meio de um depósito que ocorreu em uma conta bancária de um funcionário do piloto, porque Cabelo Duro afirmou que só pagaria com dinheiro em espécie. 

O helicóptero ficou registrado no nome da empresa de Morais. O piloto voou com o novo helicóptero até Goiânia. Depois, ficou acertado um aluguel de um hangar em Guarujá onde o novo item de Cabelo Duro ficaria guardado. 

Depois disso, numa noite, Cabelo Duro resolveu propor a Morais o serviço de transporte de drogas. “Veio falando: ‘Quer ficar rico?’. Nessa conversa, nós ‘abrimos o jogo’. Eu expliquei a ele todo meu envolvimento com o tráfico de drogas desde lá de 2012 e mencionei que teria contatos para obter droga com fornecedor no Paraguai”, afirmou o piloto na delação.

“O Wagner [Cabelo Duro], por sua vez, me falou que era do PCC da Baixada Santista, que ele tinha um financiador para comprar drogas e que só conseguia comprar drogas quando seus fornecedores tivessem sobras. Ele ficou animado com a possibilidade de adquirir droga diretamente de fornecedor paraguaio, livrando-se, assim, das limitações que tinha com os revendedores no estado de São Paulo”, complementou. 

Ainda de acordo com a delação, nessa conversa, Cabelo Duro afirmou que chegou a ir a Assunção, capital do Paraguai, para falar diretamente com o traficante de drogas Jarvis Pavão, mas que este não lhe teria dado confiança.

Quem levou Cabelo Duro para a morte?

A pergunta ainda está em aberto, mas, segundo a delação do piloto, tudo indica se tratar de José Adinaldo Moura, o Nado. De acordo com a delação, Nado era o principal integrante do PCC no Rio de Janeiro antes de 2016, quando não havia estourado a guerra entre o PCC e o CV (Comando Vermelho). Nado era tido como o principal aliado de Cabelo Duro, de acordo com a delação premiada. 

Na delação de Morais, ele afirma que Cabelo Duro "tinha muita gratidão com o Nado, pois ele havia dado oportunidade de crescimento no tráfico de drogas".

Segundo policiais federais, depois das mortes de Gegê e de Paca, Cabelo Duro suspeitou que seria o próximo a ser assassinado pela facção. Ligou para comparsas mais próximos, entre eles, Nado e o piloto Morais. O que ele não sabia é que Nado havia sido sequestrado pelos próprios integrantes do PCC. 

No dia 21 de fevereiro de 2018, Nado teria sido levado para uma casa usada pelo PCC em Paraisópolis, na zona sul da capital, como local de tribunal do crime, onde os integrantes da facção julgam o que fazer com pessoas. Lá, Nado teria sido obrigado a desbloquear seu celular. Depois disso, os membros do PCC, se passando por Nado, usando o celular dele, chamaram Cabelo Duro para o flat do Tatuapé.

No dia seguinte, por volta das 19h40, Cabelo Duro foi metralhado na frente do local. O homicídio foi registrado pelas câmeras de segurança do local que ele usava como flat. As imagens mostraram que os assassinos de Cabelo Duro, que usavam coletes à prova de balas e balaclavas para tapar o rosto, atiraram contra ele, que tentou fugir. Depois do homicídio, os assassinos fugiram sem roubar nada. 

"A notícia que eu recebi é que o Nado foi executado no mesmo dia do assassinato do Wagner [Cabelo Duro]. Fala-se que ele foi decapitado e enterrado em região de favela", afirmou na delação premiada o piloto Morais. 

De acordo com suspeitas que são avaliadas por investigações do caso, familiares chegaram a pedir para integrantes do PCC irem até o local da morte e enterro e, lá, solicitar o corpo para, pelo menos, enterrá-lo. Os integrantes do PCC que teriam ido até o local teriam recebido como resposta uma negativa e uma promessa: Se tocassem novamente no assunto, terminariam como Nado.

Em julho daquele mesmo ano, Cláudio Roberto Ferreira, o Galo, também foi assassinado a tiros de fuzil no mesmo bairro da zona leste da capital paulista. De acordo com a delação de Morais, Galo estava hierarquicamente em pé de igualdade com Nado e Cabelo Duro. A suspeita é de que ele tenha participado, de alguma maneira, da morte de Cabelo Duro, mas ainda não se sabe ao certo o seu papel.

O sargento da PM Farani Salvador Freitas Rocha Júnior é um dos suspeitos de ter participado diretamente da morte de Cabelo Duro. Isso porque, pelas imagens do crime, é possível notar que um dos atiradores é ferido na ação com um estilhaço na perna. Detido por outro crime envolvendo uma morte orquestrada pelo PCC, Farani tem um ferimento na mesma região. Farani afirma ser inocente.

Moraes e Wagninho seriam os responsáveis pela morte dos líderes do PCC (Divulgação/Polícia Civil)

Moraes e Wagninho seriam os responsáveis pela morte dos líderes do PCC

Divulgação/Polícia Civil

Conteúdo: Núcleo de Jornalismo Investigativo 
Reportagem: Luís Adorno
Colaboração: Márcio Neves
Coordenação: Thiago Samora
Chefe de Redação: André Caramante