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Aurora Aguiar, do R7

Decidida, ousada e corajosa. Assim é Geisy Villa Nova Arruda, de 30 anos, atriz, youtuber, influencer, personalidade da mídia e tudo mais que as oportunidades permitirem.

Mas, antes disso, ela foi a estudante assediada e agredida verbalmente por colegas na Uniban (Universidade Bandeirante de São Paulo), em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, onde cursava turismo.

O episódio de ares primitivos, que completa dez anos nesta terça-feira (22), teria sido motivado pelo fato de a então estudante ter ido à faculdade com um vestido curto. Na época, o caso ganhou repercussão dentro e fora do Brasil. Em uma época em que as redes sociais não tinham a mesma força que se vê hoje, o episódio abriu na mídia e na sociedade um importante debate sobre machismo.

Em imagens gravadas por quem estava no local, se via a aluna andando pelos corredores da instituição enquanto era atacada verbalmente pelos próprios colegas.

Alguns deles chegaram a se pendurar na janela da sala onde ela se escondeu. A Polícia Militar precisou intervir para garantir a proteção da jovem.

Ela, então, recebeu um jaleco do professor, saiu escoltada por policiais e foi levada para fora da universidade sob os gritos de "puta" vindos de centenas de estudantes.

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Edu Garcia

“Assistir ao vídeo é algo que ainda me faz muito mal. Mentira dizer que consigo ver aquelas imagens e não me sentir humilhada”

Duas semanas depois, a Uniban expulsou e revogou Geisy do quadro discente da faculdade. Àquela altura, entidades ligadas aos direitos femininos promoveram um ato em frente à universidade.

Afirmavam que “a vítima foi transformada em acusada” e “os agressores ficaram impunes”. Faixas, cartazes e um carro de som fizeram barulho em protesto a favor da aluna. 

"Interessante como a roupa usada por Geisy ofuscou a discussão da violência de gênero e pautou o debate numa perspectiva moralista. Na maioria das vezes, percebemos a resistência na abordagem da violência como um problema social, ficando no âmbito da moralidade e ainda consagrando a mulher, quase sempre, como responsável pelos atos da violência sofrida", afirmou a militante, advogada e doutoranda em Ciências Sociais pela PUC-SP Dina Alves.

Informe Uniban sobre Geisy Arruda

Informe Uniban sobre Geisy Arruda

A Uniban fez um anúncio público para dizer que expulsou Geisy Arruda do quadro de alunos.

No informe, a entidade afirmava que a decisão foi tomada após sindicância interna constatar que a aluna vinha "frequentando as dependências da unidade em trajes inadequados, indicando uma postura incompatível com o ambiente da universidade, e, apesar de alertada, não modificou seu comportamento”.

Para a instituição, Geisy Arruda ainda provocou os colegas “ao fazer um percurso maior que o habitual, desrespeitando princípios éticos, a dignidade acadêmica e a moralidade”.

Para Dina, o escândalo ocorrido há dez anos "foi fundamental para que diversas mídias começassem a tratar o caso de forma menos sensacionalista".

Ela acredita que, se o fato voltasse a se repetir nos dias de hoje, o caso teria um resultado ainda mais drástico. "Iniciamos 2019 com o aumento do feminicídio e as alarmantes taxas de encarceramento de mulheres", comenta.

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Edu Garcia

"Vivemos um gravíssimo aprofundamento das injustiças sociais e as mulheres são, sem dúvida, as mais afetadas em todas as áreas. Elas são marcadas por vulnerabilidade específica, por sua condição de gênero, raça e classe em uma sociedade estruturada a partir de desigualdades entre homens e mulheres", pontua.

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Fausto Salvadori, repórter que revelou em primeira mão as agressões sofridas por Geisy Arruda, falou ao R7 e reforçou o pensamento da militante.

"O caso mostrou uma face do povo brasileiro que muita gente ainda não queria ver: o machismo. Se o episódio não tivesse virado notícia, as consequências teriam sido horríveis", afirma.

"Ela talvez não voltasse mais para a universidade. Talvez fosse expulsa. Todos à sua volta a culpariam pelo que aconteceu e, provavelmente, ela própria se convenceria de que ela é quem tinha agido errado", pondera o jornalista.

"Mas não, isso ajudou Geisy a dar outro sentido para o que aconteceu, aos olhos dos outros e até dela mesma. Da aluna odiada por todos do seu meio social, ela virou uma celebridade. É uma volta por cima admirável", avalia Fausto.

“Quando puxo muito essa história começo a chorar. Principalmente quando me lembro das feministas com placas, rostos e corpos pintados, das pessoas lutando pela minha causa”

O desfecho do caso de rebaixamento público de Geisy Arruda resultou em um processo contra a Uniban. Com ajuda de advogados, ela pediu R$ 1 milhão, mas entrou em acordo e, após alguns anos, acabou embolsando R$ 60 mil. 

Após o estardalhaço, não demorou muito para que Geisy deixasse de circular pelas colunas policias para figurar nas editorias de moda, beleza e entretenimento.

Geisy brinca com limonada em feira de São Paulo  (Edu Garcia)

Geisy brinca com limonada em feira de São Paulo

Edu Garcia

Pudera. A loira do vestido rosa que viveu um dramático linchamento público ressurgiu repaginada, com direito a lipoaspiração e seios turbinados.

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Virou presença constante em programas de TV e sites de celebridades. Participou, por exemplo, do humorístico Casseta & Planeta, da Globo, integrou o elenco da terceira edição do reality show A Fazenda, da Record TV.

Além disso, posou duas vezes nua para a revista Sexy faturando, assim, cachês altamente lucrativos. Mas isso não significa que a loira encare o episódio do passado com tranquilidade.

Aliás, se mostra muito cautelosa ao se referir ao assédio coletivo. Ela afirma que chora todos os anos quando a data se aproxima. Em relação à peça de roupa rosa, também não nutre os melhores sentimentos.

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“Eu guardo o vestido até hoje. Mas não o considero um símbolo. Eu cheguei onde cheguei pelo meu esforço”, diz.

Perguntada se fez do limão uma limonada, Geisy não nega, mas ressalta que não é algo que olhe com orgulho ou que tenha agido de caso pensado. “Acho que aproveitei as oportunidades que eu tive”.

Fama e exposição

Criador de várias subcelebridades e especialista em personalidades da mídia, o assessor de imprensa Cacau Oliver diz que a ex-estudante de turismo é completa.

"Ela tem todos os elementos que a mídia de celebridades gosta: é polêmica e fala abertamente de assuntos que são considerados tabus, como cirurgias plásticas, sexo e nudez", avalia. 

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Edu Garcia

"Geisy seguiu ainda toda uma cartilha para continuar nos meios de comunicação. Posou nua, participou de reality, criou seu próprio canal no YouTube, falou abertamente sobre estar grávida, expôs relacionamento conturbado e outros, ou seja, ela nunca deixou de ser assunto ou criar assuntos", conclui Cacau.

“Acho que aproveitei as oportunidades que eu tive. Talvez esse seja um dos motivos de ter dado certo. Eu nunca cheguei e disse: ‘Fiz mesmo’! Nunca”

Geisy Arruda garante não ter tido nenhum "mentor" ou "caçador de estrelas" para ingressar no universo dos famosos.

"Não tenho assessor nem empresário. Esse mérito é meu desde o começo". Sabe-se, no entanto, que ela já recebeu ajuda de profissionais da área de comunicação, mas para fechar algum determinado trabalho, a palavra final sempre foi dela.

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Quem a auxilia atualmente na carreira é o assessor de imprensa Cauê Garcia. "Estou com ela há quase dois anos. Trato apenas da parte burocrática de fechamento de trabalhos. A procura de pessoas por ela ainda é grande”, entrega. 

“Era uma menina que foi jogada aos leões e tive que virar mulher, empresária, produtora, assessora e marqueteira do dia para a noite”

Com pouco mais de 1,4 milhão de seguidores no Instagram, a rede social de Geisy Arruda é repleta de fotos ousadas e sensuais. Ela conta que este gênero de clique é infinitamente mais consumido do que um conteúdo mais recatado.

“O número de curtidas e engajamento é maior. Ali é um ambiente onde me sinto mais confortável. Falo muito de sexo e isto é mais agradável, por exemplo, do que falar sobre o caso da faculdade. É o que tento fazer hoje com o meu canal no YouTube”, afirma ela.

Na plataforma de vídeos, aliás, o espaço da loira foi batizado de Ponto G. Sem filtro na hora de discutir o assunto, ela já ganhou bastante notoriedade ao assumir ter se submetido a uma cirurgia íntima e ter comparado os próprios genitais a uma couve-flor.

Última década, próxima década

Para a outra protagonista desta história, a então Universidade Uniban, também foram muitos capítulos nos últimos dez anos. Dois dias depois do comunicado de expulsão, em 7 de novembro de 2009, o reitor da instituição revogou a decisão de desligar Geisy do quadro de alunos. Mas já era tarde. O caso tinha há muito ultrapassado os corredores da universidade. Geisy ganhou o apoio de várias pessoas, de entidades e da opinião pública. 

Em 2011 a Uniban foi vendida para o grupo Anhanguera Educacional. Procurada pelo R7, a Anhanguera, informou, por meio de nota, "que não comentará o caso em questão, uma vez que o mesmo ocorreu em 2009, na antiga gestão da instituição."

Se a trajetória até aqui não foi fácil, apesar de surpreendente, Geisy prefere não fazer planos para os próximos dez anos. “Espero estar a mesma Geisy, só que quarentona. Não sei se vou estar casada, se vou estar no Brasil, com filhos. Não tenho um roteiro. Estou aqui porque me colocaram, me hostilizaram e me humilharam. Espero estar feliz."

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Reportagem: Aurora Aguiar
Edição: Tatiana Chiari e Thiago Calil
Apoio: Cleide Oliveira
Fotos: Edu Garcia
Arte: Sabrina Cessarovice
Edição de vídeo: Edimar Sabatine
Sonoplastia: Luciano Gonçalves de Souza
Videografismo: Eriq Gabriel Di Stefani