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Da cura para a morte
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Por Luís Adorno, do Núcleo de Jornalismo Investigativo da RecordTV

A fentanila, que nada mais é do que um potente analgésico usado diariamente para controlar a dor de pacientes em centros cirúrgicos, quando retirada do contexto farmacêutico contra a dor, pode aproximar o seu usuário da morte. A substância é tida como uma das principais drogas do momento no hemisfério norte, sobretudo nos Estados Unidos e em países da Europa.

Médicos toxicologistas apontam que a droga sintética é 50 vezes mais forte do que a heroína e 100 vezes mais do que a morfina. Casa ampola de fentanil tem uma duração média de efeito entre 30 e 60 minutos. Quando usado em doses maiores ou tóxicas, apresenta depressão respiratória, do sistema nervoso central e hipotensão arterial. Se diluído em bebidas alcóolicas, pode levar ao coma e morte.

Além disso, traficantes brasileiros misturam o fentanil à cocaína para que a droga aparente ter um efeito mais potente. Porém, como base de comparação, se o medicamento estiver em pó e for consumido a medida suficiente para preencher apenas a pontinha de uma caneta tradicional, o usuário morre instantes depois.

Caixa térmicas com ampolas entregues para agentes da DEA (Reprodução)

Caixa térmicas com ampolas entregues para agentes da DEA

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Brasileiros desviam e revendem no exterior

Uma investigação internacional, que incluiu a ação disfarçada de agentes norte-americanos negociando compra de caixas de ampolas de fentanila desviadas de hospitais renomados de São Paulo, implicou três brasileiros que acabaram condenados. Um, pela Justiça dos Estados Unidos, está preso em Miami. Outros dois, condenados em primeira instância no Brasil, estão em liberdade.

De acordo com a PF (Polícia Federal) e com o MPF (Ministério Público Federal), um auxiliar de enfermagem, que trabalhava em um hospital privado da zona sul da capital paulista e em um hospital público da região central, desviou por meses o medicamento dos estabelecimentos, além de comprar caixas da substância na China para revender a traficantes no Brasil. Com isso, o lucro dele era estimado em R$ 10 mil por mês aproximadamente.

Esse fornecedor teria vendido três caixas térmicas com 2.622 ampolas e frascos de citrato de fentanila a um traficante internacional brasileiro baseado em Florianópolis, que, por sua vez, venderia para traficantes do leste europeu. O que ele não contava é que esses traficantes europeus eram, na verdade, agentes da DEA, a agência antidrogas dos Estados Unidos que estavam na missão de prendê-lo.

Quando os agentes norte-americanos adquiriram a substância do traficante de Florianópolis, além de analisar que ele não chegou sozinho, mas, sim, com seu braço-direito também apontado como traficante, os itens apreendidos foram submetidos a análises toxicológicas. Uma perícia detectou que 1.349 delas eram falsas: Na verdade, se tratavam de Midazolan ou Dimenidrato. Uma outra perícia identificou as digitais do fornecedor baseado em São Paulo.

Quem são os traficantes

O principal: Luciano Balbis Garcia, o “Grandão”, de 42 anos, preso na detenção federal de Miami (EUA).

O braço-direito: Lucas Miranda Ramos, de 37 anos, motorista de aplicativo, ficou preso na penitenciária de Florianópolis, capital de Santa Catarina, mas responde em liberdade.

O fornecedor: Fernando Gonçalves de Lima, ex-auxiliar de enfermagem em hospitais de São Paulo, ficou preso no CDP (Centro de Detenção) número 3 de Pinheiro, em São Paulo, mas responde em liberdade.

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Agentes da DEA de Miami para Santa Catarina

Em outubro de 2018, Luciano Balbis Garcia enviou para um cliente de Miami, classificado como confidencial, três pacotes com amostras de fentanila. A DEA identificou a remessa e enviou um ofício para a PF (Polícia Federal) do Brasil, que também iniciou uma investigação paralela.

Depois de ter identificado Garcia como o remetente das caixas com a substância, a agência antidrogas dos Estados Unidos decidiu escalar dois agentes para uma missão: Eles deveriam se passar por traficantes internacionais de drogas do leste europeu que iriam ao Brasil comprar pessoalmente caixas com a substância diretamente com Garcia.

Os agentes disfarçados acertaram com o brasileiro a exportação de 100 caixas da droga. Dentro delas, deveriam estar entre 25 e 50 frascos em cada uma delas. A compra foi acertada. A entrega foi feita às escondidas, no estacionamento de um grande shopping de Balneário Camboriú, em Santa Catarina. A entrega foi toda filmada por câmeras de segurança. Com ele, estava Lucas Miranda Ramos.

Depois de acertarem a venda no local, um novo acordo entre os agentes infiltrados da DEA e Garcia foi firmado: O brasileiro iria para a Europa à procura de compradores da droga. Lá, ele teria concordado em remeter parte do dinheiro adquirido pelos compradores europeus aos agentes infiltrados, ainda acreditando que os agentes eram traficantes.

Meses depois, Garcia, que continuava sendo monitorado, estava nos Estados Unidos e transferiu 38 mil dólares a um dos agentes infiltrados, fruto do acordo firmado depois da entrega em Santa Cataria. 10 dias depois da transferência, Garcia afirmou para o agente infiltrado que não poderia mais garantir outro pagamento. No mesmo dia, foi preso.

A investigação no Brasil

Após receber o ofício da DEA, a PF passou a rastrear Garcia no Brasil. Por meio da investigação daqui, foi identificado que Garcia era o cabeça do esquema de tráfico de fentanila para os Estados Unidos e Europa, associado a Lucas Miranda Ramos, que fazia remessas de dinheiro e droga para Garcia, além de auxiliá-lo em tarefas particulares, como levar o filho de Garcia para a escola, por exemplo.

Em um áudio apreendido pelas autoridades brasileiras, Fernando Gonçalves de Lima afirmou para Ramos que vendia Fentamina há quatro anos ao ser questionado sobre a veracidade de um produto adquirido. Ramos respondeu a ele que, pela qualidade do último produto adquirido, pagaria menos.

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Após monitoramento telefônico permitido judicialmente, a ação dos agentes da DEA no shopping de Balneário Camboriú foi acompanhada pela PF. Depois de os itens terem sido apreendidos, foram localizadas as digitais de Fernando Gonçalves de Lima, que trabalhava como auxiliar em um hospital privado e outro público de São Paulo.

Na casa de Lima, a PF localizou substâncias para “batizar” cocaína, uma arma de calibre restrito e receituário médico para compra de substâncias controladas. A investigação também demonstrou que ele anunciava no Mercado Livre as substâncias: lidocaína, cafeína, tetracaína, fenacetina, adrenalida, fentanila e ketamina para todo o Brasil.

De acordo com o MPF, Luciano Balbis Garcia se associou a Lucas Miranda Ramos “para praticar reiteradamente crimes de importação e exportação da droga fentanila” e Fernando Gonçalves Lima era um dos fornecedores do esquema.

Por conta de ambas as investigações, Garcia foi preso e está condenado a 15 anos de prisão em Miami. No Brasil, Ramos foi condenado a 12 anos de prisão. Lima, a 6 anos de prisão. Os dois últimos, por terem sido condenados em primeira instância, estão em liberdade provisória.

Além disso, o MPF requer que, depois de Garcia cumprir sua pena nos Estados Unidos, ele também cumpra pena no Brasil pelos crimes praticados aqui. A defesa de Garcia alega que não é plausível, já que uma pessoa não pode ser condenada duas vezes pelo mesmo crime. O caso é avaliado pelo TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região).

A defesa dos três

O advogado Douglas Stofela, que presta serviços Luciano Balbis Garcia, afirma que seu cliente era apenas um empresário ávido por dinheiro e diz que ele confessou à Justiça americana a prática do delito. No entanto, o advogado defende que Garcia não pode ser condenado no Brasil uma vez que já tenha sido condenado nos Estados Unidos pelo crime.

Em depoimento à Justiça, Lucas Miranda Ramos afirmou que era amigo de Garcia. Disse que ajudava o amigo em troca de moradia, mas que não sabia da prática do tráfico das substâncias. Flagrado ao lado de Garcia no dia do encontro com os agentes infiltrados da DEA, afirmou que estava lá apenas por ter sido convidado por Garcia para dar uma volta para fumar maconha.

A advogada de Ramos, Milena Aragão Dryll de Souza, afirmou que seu cliente é inocente e que foi condenado apenas pelo fato de ser amigo de Garcia. Ramos, num primeiro momento, afirmou ter interesse de ceder uma entrevista à reportagem, mas, depois, desistiu ao analisar que poderia ficar com o rosto marcado em sua cidade, o que prejudicaria sua imagem como motorista de aplicativo.

Em depoimento à Justiça, Fernando negou as vendas para Garcia e Ramos, mas admitiu que fazia vendas em pequenas quantidades dentro do estado de SP. Procurado, ele não quis ceder entrevista à reportagem. Seu advogado, Roberto Crunfli Mendes, reafirmou por meio de nota que seu cliente não tem ligação com Garcia e com Ramos.

Os hospitais que tiveram as ampolas de fentanila desviados afirmaram ter colaborado com as autoridades.

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Conteúdo: Núcleo de Jornalismo Investigativo 
Reportagem: Luís Adorno
Colaboração: Márcio Neves
Coordenação: Thiago Samora
Chefe de Redação: André Caramante

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