Eles não têm superpoderes ou invencibilidade, mas fazem a diferença na luta do bem contra o mal. Quando o assunto é farejar explosivos e drogas, encontrar pessoas desaparecidas, localizar suspeitos e reforçar operações policiais no Estado de São Paulo, essa “tropa de elite canina” mostra que é osso duro de roer e que missão dada é missão cumprida.
A parceria entre os heróis de quatro patas e os policiais de São Paulo começou com a então Guarda Cívica do Estado, em 1912. Mas, somente em 1950, foram iniciadas as atividades do Canil Central da Polícia Militar do Estado de São Paulo, com a implementação da cinotecnia (ciência que estuda a anatomia, comportamento, psicologia e fisiologia dos cães) trazida da Argentina pelo Capitão Djanir Caldas.
Tropa de elite canina: heróis de quatro patas são apoio fundamental na corporação
Edu Garcia / R7O cão Dick ajudou a solucionar um caso de sequestro
Edu Garcia/R7Em 1956, a presença dos cães nas operações policiais de São Paulo chegou a ser ameaçada pelo então governador Jânio Quadros, que pretendia fazer cortes nas despesas públicas e enviou ao Comandante da Polícia Militar um dos seus polêmicos bilhetinhos (como eram chamados seus memorandos na época) com um recado nada amistoso: "Faça os cães trabalharem ou dissolva a matilha".
Na mesma época, um caso ganhava repercussão na mídia: o sequestro do menino Eduardo Jaime Benevides, o Eduardinho, de apenas 4 anos, que desapareceu na porta da sua casa em 17 de abril daquele ano. A busca pela criança mobilizou um grande número de policiais e contou com o apoio dos cães da Polícia Militar.
Busto de Dick, localizado no Canil da Polícia Militar em Tremembé (SP)
Edu Garcia/R7A estrela do pastor alemão Dick brilhou mais forte e, após farejar o travesseiro usado pelo garoto, ele levou o soldado Muniz de Souza até Eduardinho, que foi encontrado com vida. Após a operação, o Canil Central que corria risco de fechar recebeu o merecido reconhecimento e, tanto o soldado Muniz, quanto o cão Dick, foram promovidos a cabo. Dick ainda foi condecorado com um busto e uma placa de bronze no Canil.
O Canil Central conta com cerca de 40 cães e 114 policiais
Edu Garcia/R7Atualmente, o Canil abriga um efetivo de 114 policiais e cerca de 40 cães com faro de justiça, das raças pastor alemão, pastor-belga-malinois, pastor holandês, labrador e bloodhound.
Também tem espalhado por todo o Estado de São Paulo 26 Canis Setoriais no interior (Araçatuba, Marília, Presidente Prudente, Sertãozinho, Assis, Bauru, Jaú, Araraquara, São José do Rio Preto, Rio Claro, Barretos, Panorama, Ribeirão Preto, Piracicaba, Campinas, Tatuí, Sumaré, Taubaté, Santos, Sorocaba, Botucatu e Franca) e na região metropolitana (Osasco, Franco da Rocha, Suzano e Corpo de Bombeiros, que recebem apoio cinotécnico e veterinário do Canil).
“Nosso principal trabalho é o combate ao tráfico de drogas e o cão nos dá uma resposta muito positiva”, observa o Tenente Coronel da Polícia Militar Cássio Araújo de Freitas.
O alto número de apreensões de drogas em 2019 reforça a parceria de sucesso e garante mais segurança para quem mora no maior polo econômico do Brasil, o Estado de São Paulo.
Com apenas 11 meses, a pastora belga Cacau é rápida, faz graça quando passa e não abre mão de um carinho. Ela nem imagina que aquela brincadeira divertida que dá direito a um prêmio sempre que acerta um odor, na verdade, é um treinamento sério.
Daqui a alguns meses, ela vai sair para as ruas e acompanhar uma operação para fazer a diferença na vida da população, ao identificar drogas ou explosivos. Isso costuma acontecer entre 1 ano e meio e 2 anos, dependendo da maturidade do cão.
A escolha de um filhote para integrar a tropa não é aleatória. Cacau passou por uma série de testes e assim como todos os cães policiais, ela tem pedigree (certificado de registro de animais de raça pura).
“O pedigree é exigido para que a gente possa ter um histórico e avaliar qual é a probabilidade de o cão apresentar alguma doença no futuro. Realizamos uma série de testes para verificar qual cão vai desenvolver melhor as aptidões desejadas. Avaliamos sua curiosidade e o entusiasmo na hora de procurar o brinquedo escondido. Quanto mais possessivo for, mais irá se empenhar em ter aquele objeto”, explica o Sargento Ribeiro.
A tropa só pode encarar uma missão após ser considerada 100% treinada
Arte R7
À medida que o cão vai evoluindo nos treinos, o grau de dificuldade aumenta e são colocados novos painéis com odores. O próximo passo é ir a campo, ainda dentro do canil. Por fim, as atividades começam a ser realizadas na rua.
“Só depois que ela estiver totalmente ambientada, familiarizada e treinada é que estará apta a participar de uma operação real. Pois, só colocamos o cão em uma operação quando temos 100% de certeza que ele não vai deixar passar nada e que está completamente focado”, explica.
Cão retribui carinho da veterinária, após sessão de acupuntura
Edu Garcia / R7Não basta apenas gostar de cães para trabalhar no Canil da Polícia Militar do Estado de São Paulo, é essencial se preocupar com o bem-estar deles. Por trás do aviso do Sargento Ribeiro, está uma rotina de cuidados que inclui treinamento e consultas veterinárias em dias alternados.
Eles ainda são poupados dos treinos um dia antes das operações, para que estejam 100%. “Cada operação conta com a participação de cerca de dois ou três cães, pois se um deles cansar, o outro substitui. Se acontecer algum acidente com o cão, nós paramos a operação ali”, acrescenta.
Cada cão tem um único policial condutor, que é responsável não só pelo treino, mas pelo seu bem-estar. Ele verifica a manutenção e higiene do boxe e também acompanha o animal na avaliação veterinária.
Quando o policial responsável entra em férias, o cão também tem o merecido descanso e fica sob os cuidados de um condutor eventual e não participa de operações.
“Há um único policial condutor para cada cão, pois ele trabalha muito melhor quando esse vínculo é maior, porque ele fica feliz e com disposição”, conta o Sargento Ribeiro, para quem é muito bom trabalhar com um cão, que em poucos minutos consegue transformar a energia do ambiente.
Além de médicos veterinários, o Canil também conta com um enfermeiro noturno, que avisa imediatamente se algum cão apresentar qualquer problema.
O bloodhound Mike: faro poderoso
Edu Garcia / R7
Especialista em busca e regaste, o bloodhound Mike, de 7 anos, tem um currículo extenso e participou de alguns casos que ganharam repercussão nacional. Em junho de 2019, ele fez parte da equipe de cães que auxiliou nas investigações da morte da menina Vitória Gabrielly Gimarães Vaz, de 12 anos, na cidade de Araçariguama (SP). Por meio do seu faro poderoso, foram identificados odores da menina desaparecida e também dos suspeitos.
Mas ele também é protagonista em muitas histórias com final feliz, como em 2018, quando auxiliou o Corpo de Bombeiros a encontrar um senhor de 71 anos que havia se perdido em uma mata próxima a Caraguatatuba, no litoral de São Paulo.
Noute desfruta sua aposentadoria e conhece a praia
DivulgaçãoA soldada da Polícia Militar Jankauskas lembra do seu primeiro encontro com Noute, o pastor alemão cinza que estava em vias de se aposentar (os cães costumam encerrar as atividades policiais por volta dos 8 anos de idade).
“Quando cheguei no Canil, a documentação de aposentadoria do Noute tinha acabado de sair e do grupo de estagiários da época, eu era a única que tinha o curso de cinotecnia. Então, fui criando um vínculo com ele e pedi autorização para levá-lo para morar comigo. Noute passou um tempo na casa dos meu pais e hoje mora comigo na zona leste de São Paulo, junto com uma akita já idosa que ele fez uma grande amizade no período em que ficou com os meus pais. Eles não se desgrudam! Atualmente, ele leva uma vida totalmente tranquila, de aposentado mesmo. Ontem foi comigo para a praia e conheceu o mar”, conta orgulhosa sobre a rotina do seu melhor amigo.
Edição: Maria Beatriz Zultauskas
Fotos: Edu Garcia
Arte: Lucas Martinez
Entrevista: Julinho Casares
Produção audiovisual: Bruno de Moura Lima, Caroline de Moraes e Matheus Mendes
Estagiária: Denise Marino
Edição de vídeo: Edimar Sabatine, Caíque Ramiro e Danilo Barboza
Videografismo: Eriq Gabriel Di Stefani e Marisa Eiko Kinoshita
Sonoplastia: Luciano Gonçalves de Souza