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Eduardo Marini, do R7

Por complexo de vira-lata entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima.

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Esses são dois trechos de crônicas memoráveis do dramaturgo, escritor, jornalista e tricolor Nelson Rodrigues.

O primeiro foi retirado do texto Complexo de Vila-Latas, um dos maiores clássicos do Nelson cronista, editado na Manchete Esportiva de 31 de maio de 1958. O segundo, de outra crônica eterna, A Pátria em Chuteiras, publicada no jornal O Globo em 2 de junho de 1976.

São dois momentos históricos. No primeiro deles, Nelson Rodrigues sintetiza, dois meses antes da conquista da primeira copa pela seleção brasileira, na Suécia, o complexo de inferioridade profundo, quase simplório, que marcava uma população de atitudes ainda delicadas, mas sempre disposta a reverenciar, obediente, “o que vem de fora”. Profético, o autor clama nas linhas seguintes para que o sentimento exagerado seja amenizado. 

No segundo, escrito bem mais tarde, em 1976, o escritor retrata a ação do futebol como antídoto para esse veneno da inferioridade nos corações e mentes dos brasileiros. A bola, esclarece, começou a nos tirar da boca, a partir de 1958. O discurso da inutilidade, reforçado de maneira brutal na derrota de 2 a 1, no Maracanazzo da final da Copa de 1950, num estádio lotado por mais de 200 mil almas que davam como certo o momento de subir aos céus naquele 29 de junho de 1958.

É a Pátria em Chuteiras, a expressão que, de tão precisa, derivou para pátria de moviola, bola de vôlei, raquete do Guga e o que mais puder nos manter, real e psicologicamente, no alto do pódio. E sobretudo aquele que fez muitos brasileiros acreditarem que não são inferiores: Ayrton Senna. O Brasil, enfim, se considerava grande.

Se “eles”, os estrangeiros, sempre foram “melhores em tudo”, agora, com o tri de 1970 e o testemunho do mundo pela tevê, em transmissões ao vivo, nós somos os maiores em um negócio que o mundo todo, inclusive a parte rica e bem localizada, adora e daria tudo para fazer melhor do que nós. Somos, portanto, tão bons quanto “eles” – ou, no mínimo, bem menos ruins do que sempre imaginamos, fora o impiedoso 7 a 1 da Alemanha no Mineirazzo de 2014.

Se, numa analogia, a vida fosse um jogo e o futebol brasileiro um jogador, ele certamente seria polivalente, multitarefa, multiuso. Exemplos: o lateral-direito de origem Cafu ou seu colega de posição Leandro Peixe Frito, que, atestam os contemporâneos, só não jogou no gol (leia sobre os craques brasileiros após 1970 em galeria nesta reportagem). Não existe fenômeno ou rotina social na pátria, em chuteiras ou não, do qual o futebol não participe ou, para usar uma expressão do meio, seja convocado.

A coisa começa em casa. Um fim de semana ou mesmo o tempo de um churrasco descontraído, em algum ponto do País, sem que se fale ou ouça algo sobre bola? Impossível. É emenda de papo depois do inevitável tudo bem. Talvez seja mais fácil o Íbis derrotar o Real Madrid no Santiago Bernabéu com três gols de placa do Mauro Shampoo, nosso anti-craque macunaímico.

De casa para a favela, a comunidade, o condomínio, a rua ou o bairro, se o poder público constrói uma praça, a galera exige que se inclua um campinho. Nesses casos, ter a reivindicação negada quase sempre significa pouco. Quando o poder não constrói, os meninos, e cada vez mais as meninas, logo tratam de instalar a passarela de terrão no novo equipamento.

A terra da pelada e das metáforas do futebol

Há lirismo em dose considerável na molecada que congela o lance, com todo mundo paralisado para não tirar vantagem, enquanto o carro toma a curva da rua e, imponente como um zagueiro rebatedor, desbrava o solo improvisado da pelada. Se o clube da área cometeu o sacrilégio de não reservar lugar para um campo, o jeito muitas vezes é a rua. Mesmo porque clube social sem campo é um pouco assim: meio social, meio antissocial.

O futebol está ainda – e muito – misturado na linguagem. Os brasileiros dão a si próprios, e também ao mundo, a sensação de que poderiam resolver absolutamente todos os seus problemas de comunicação com o chamado discurso futebolístico.

As metáforas inspiradas no tema parecem intermináveis por aqui. O ótimo ou lindo é “show de bola”. Um país ou qualquer coisa dividida em duas partes vive um “Fla-Flu”. Muita gente é galera. Não deixar alguém em paz é “marcar em cima”. Fugir é “pipocar”. Agitados, nervosinhos e agressivos precisam “baixar a bola”. Infiéis que levaram troco do parceiro “avançaram demais para o ataque e acabaram tomando bola nas costas”. Entregar algo a alguém é “passar ou tocar a bola”. Fazer as coisas com cautela e cuidado é “jogar na defesa”. E por aí o jogo segue.

No Brasil gol tem placa

Realizar algo com qualidade acima da média é marcar “um golaço” ou um “gol de placa”. E gol no Brasil – e provavelmente apenas no Brasil – tem placa. Ideia do jornalista Joelmir Beting (1936-2012) em 5 de março de 1961. Na vitória de 3 a 1 do Santos sobre o Fluminense, no Maracanã, entre incrédulo e extasiado diante de mais um assombro estético produzido por Pelé (veja os grandes craques brasileiros até 1970 em galeria nesta reportagem).

Eram os minutos finais (“as últimas voltas do ponteiro”, deve ter berrado o narrador Jorge Curi ao microfone da Rádio Nacional) e o Santos vencia o Tricolor por 2 a 1. Pelé pegou a bola em seu campo de defesa e partiu como quis, resoluto como sempre, em mais uma de suas “Cavalgadas da Valquírias” peculiares. Deixou na saudade o primeiro, o segundo, o terceiro, o quarto, o quinto e o sexto – isso: seis, mais de meio time – e deu “números finais” ao jogo.

Joelmir, na época repórter do jornal O Esporte, encomendou uma placa com a frase: "neste campo, no dia 5 de março de 1961, Pelé marcou o tento mais bonito da história do Maracanã", e a tascou em uma parede do templo mais mitológico do futebol brasileiro (leia sobre os principais estádios em quadro nessa reportagem).

Em 2011, o jornalista detalhou a iniciativa no programa Jogo Aberto, da TV Bandeirantes. “Tive a ideia, mandei fazer a placa e paguei com dinheiro do meu bolso, em nome do jornal. Fui ao Maracanã, instalei a placa. Depois daquele dia, todo o pessoal dos jornais e de rádio começou a dizer ‘esse gol também merece uma placa’ – e aí a expressão se consolidou”.

Nos 50 anos da homenagem, Pelé retribuiu a gentileza. “Ele me deu uma placa de acrílico com o texto: “gratidão eterna ao Joelmir Beting. Gratidão eterna do autor do gol de placa ao autor da placa do gol”, explicou.

Templos da bola
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O estádio Jornalista Mário Filho foi construído para a Copa de 1950. Inaugurado em 16 de junho daquele ano, com uma partida entre Rio e São Paulo (3 a 1 para os paulistas), firmou-se como o mais cobiçado templo do futebol brasileiro e um dos mais admirados do mundo. Recebe hoje no máximo 78,8 mil pessoas, mas já abrigou mais de 200 mil em alguns jogos, entre eles o da derrota de 2 a 1 para o Uruguai, na final de 50, no episódio que ficou conhecido como Maracanazzo. Dias atrás, foi palco da vitória do Brasil por 3 a 1 contra o Peru na final da Copa América. Mário Filho era irmão do escritor Nelson Rodrigues.     

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A construção do estádio Vasco da Gama foi um dos mais belos capítulos da história do futebol. Controlada pelos rivais, a Amea, liga carioca dos anos 1920, condicionou a entrada dos vascaínos na disputa à construção de um estádio, apostando que não conseguiriam. O Vasco liderou uma grande campanha de arrecadação popular, lançou a pedra fundamental em junho de 1926 e fez a inauguração dez meses depois. Foi o maior do Brasil até o Pacaembu, em 1940, e do Rio até o Maracanã, em 1950 (saiba mais na reportagem principal). Entre 1940 e 1950, o então presidente Getúlio Vargas costumava fazer seus discursos por lá. 

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O estádio Urbano Caldeira, A Vila Mais Famosa do Brasil, foi inaugurada em 12 de outubro de 1916. De lá para cá, serviu de casa exibição para o desfile da produção de um dos maiores celeiros de craques da história do futebol mundial: o Santos. Por lá brilharam, entre muitos outros, Feitiço, Araken Patuska, Ailton Lira, Calvet, Zito, Carlos Alberto, Clodoaldo, Mengálvio, Coutinho, Pepe, Oberdan, Pagão, Pita, Manoel Maria, Giovanni, Robinho, Diego, Neymar, Rodygo... Mas estaria tudo maravilhosamente certo se, de craque relevante, tivesse servido de palco apenas para um certo Edson Arantes do Nascimento.

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O slogan é familiar aos paulistas amantes do futebol: “o meu, o seu, o nosso... Pacaembu”. Localizado na Praça Charles Miller, no bairro paulistano do Pacaembu, o estádio Paulo Machado de Carvalho foi inaugurado em 1940. Hoje, abriga até 39 mil pessoas. Foi por muito tempo a casa do Sport Club Corinthians Paulista, que lá disputou 1.690 jogos. Até hoje é considerado por jornalistas, especialistas e torcedores experimentados um dos estádios mais agradáveis do país. O complexo abriga também o Museu do Futebol.

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Casa do São Paulo Futebol Clube, o estádio Cícero Pompeu de Toledo levou oito anos para ser concluído. Foi inaugurado em 1960. Terceiro maior estádio do país, maior particular do estado de São Paulo e do Brasil, guarda o mérito de ter abrigado a suprema maioria dos jogos importantes e decisões em solo paulista antes da era das “arenas próprias”. Chegou a ter mais de 120 mil espectadores em alguns duelos, mas hoje possui capacidade máxima de 66.795 torcedores. E um local muito concorrido também por produtores de shows internacionais e eventos que exigem grandes espaço para o público.

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Inaugurado em setembro de 1965, o estádio Governador Magalhães Pinto, o Mineirão, também chamado de O Gigante da Pampulha, serve de arena para as grandes disputas do futebol mineiro, particularmente as travadas entre Cruzeiro, Atlético e América-MG, e finais de Libertadores e de copas continentais. Entrou para o imaginário dos torcedores do restante do país por ter servido de plataforma para que os alemães cravassem 7 a 1 no Brasil na semifinal da Copa 2014. O Mineiraço divide hoje com o Maracanaço de 1950 a condição de maior trauma gerado pelo futebol no país.

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Com capacidade para 50.128 torcedores, o belo estádio José Pinheiro Borda, casa do Internacional de Porto Alegre, construída num terreno de 150 mil metros quadrados, é o décimo do país em capacidade. Passou por uma reforma profunda para receber partidas da Copa 2014. Ficou mais confortável, a visibilidade foi aprimorada e o sistema de iluminação produz belos efeitos nos jogos. Com a nova versão do Beira-Rio, o Inter tornou-se o único clube brasileiro a ser sede de dois Mundiais.

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Uma das sedes da Copa 2014, a moderna e confortável Arena da Baixada, do Club Athletico Paranaense, inaugurou no Brasil a era das arenas multiuso, espaços multifuncionais adaptáveis para partidas de futebol, shows, festas e grandes celebrações. Foi também o primeiro estádio do país a ter um contrato de naming rights, entre 2005 e 2008. É um dos únicos a ter gramado sintético e teto retrátil. Com tantas inovações, poucos sabem que o nome de batismo da arena é Estádio Joaquim Américo Guimarães. 

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Construída no espaço do antigo Estádio Palestra Itália, o Allianz Parque é uma das mais modernas arenas multiuso do Brasil. E, para muitos, a mais bonita. O antigo Parque Antártica, que cedeu seu solo à nova arena, abrigou algumas partidas memoráveis para os palmeirenses. Entre elas, a vitória do então Palestra Itália por 2 a 1 sobre o Fluminense, em 1933, no primeiro título do clube no Rio-São Paulo, e um impiedoso 11 a 0 sobre o Internacional de São Paulo, em 1920, a maior goleada vista no estádio.

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Construído para ser uma das sedes da Copa 2014, a Arena Corinthians, o popular Itaquerão, entrou para a história do futebol brasileiro por ter sido palco da abertura daquele Mundial, em partida que terminou com vitória do Brasil por 3 a 1 sobre a Croácia. A arena, localizada na zona leste de São Paulo, é a casa do Corinthians. O clube mais popular de São Paulo enfrenta dificuldades da tão falada engenharia financeira para pagar os financiamentos contraídos para a construção do complexo.

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Casa do Sport de Recife, o Adelmar da Costa Carvalho é um dos mais antigos e importantes estádios do futebol brasileiro. A Ilha do Retiro foi o primeiro estádio das regiões Norte e Nordeste a receber uma partida de Copa do Mundo, em 1950. Um dos jogos mais importantes realizados em seu gramado foi a decisão do módulo amarelo do Brasileiro de 1987. O Sport venceu o Guarani, de Campinas (SP) e, depois, após uma longa batalha com vários rounds judiciais, conseguiu o título da primeira divisão do campeonato, ganho em campo pelo Flamengo.

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O novo Complexo Esportivo Cultural Octávio Mangabeira substituiu, em Salvador, o antigo estádio da Fonte Nova. Em 2007, uma parte da arquibancada do anel superior cedeu, num acidente que deixou mortos sete torcedores do Bahia. A tragédia levou o estádio a ser fechado e depois implodido, para dar lugar à Arena Fonte Nova, que foi uma das sedes da Copa 2014. A estrutura verticalizada, com três anéis de arquibancada, coloca o público mais próximo dos jogos e espetáculos, promovendo um maior envolvimento e favorecendo a acústica.

Futebol e música

O Brasil também joga por música – e esta, a propósito, é outra pérola do discurso futebolístico. Compositores de todos os estilos homenagearam o futebol ou deram detalhes de sua devoção por ele, em canções que caíram na boca do povo. A lista é interminável, mas cabe lembrar algumas. Um a Zero é um belo instrumental do monstro Pixinguinha. Fio Maravilha e Ponta de Lança Africano – Umbabarauma são as duas mais conhecidas de Jorge Benjor sobre o tema. A sintética Aqui é o País do Futebol, de Milton Nascimento e Fernando Brant, foi celebrizada na voz de Wilson Simonal.

Um dos hinos oficiais mais bonitos do País, o atual do Grêmio, terceiro da história do clube, foi composto em 1953 pelo genial Lupicínio Rodrigues, gremista fanático, no restaurante Copacabana, em Porto Alegre. Os quatro primeiros versos: “Até a pé nós iremos/Para o que der e vier/Mas o certo e que nós estaremos/Com o Grêmio onde o Grêmio estiver”.

A explicação para o “Até a pé nós iremos” é dividida em duas versões. Na mais divulgada, Lupicínio e outros gremistas teriam ido a pé até o Estádio dos Eucaliptos para um Gre-Nal por causa de uma greve de bonde, o que inspirou o verso. A segunda, do jornalista Luiz Mendes, dá conta de que ele teria surgido em 24 de maio de 1952, numa viagem do compositor com a delegação a Cachoeira do Sul para enfrentar o time local. O ônibus do time teria sido impedido de chegar ao estádio por causa de obras, obrigando todos a caminhar. Bolas divididas.

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Em O Futebol, o tricolor fanático Chico Buarque relata uma tabela imaginária de Pagão com Pelé, Didi, Garrinha e Canhoteiro. Chico é tão apaixonado por bola que tem um time, o Politeama, com sede e campo oficial, no bairro do Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro, e hino oficial – composto obviamente por ele próprio.

Em 1996 e nos anos imediatamente seguintes, o país inteiro cantou junto com os mineiros do Skank os versos de É uma partida de futebol (Bola na trave não altera o placar/Bola na área sem ninguém pra cabecear/Bola na rede pra fazer o gol/Quem não sonhou em ser um jogador de futebol?), pop-exaltação composto pelo líder da banda, o cruzeirense Samuel Rosa, com letra do são-paulino Nando Reis.

Homenagens a jogadores

Outro capítulo dessa contaminação do bem é o reservado aos nomes. Jogadores são homenageados todos os dias em cartórios das cidades brasileiras, em batizados, sobretudo quando a mãe concede ao pai, muitas vezes com arrependimento, o direito de escolher o nome do pequeno. Roberto Rivellino teve seu sobrenome transformado em nome próprio de milhares de pequenos por parte de sua legião de fãs. O mesmo ocorreu com o paulista Antônio José Rondinelli Tobias, o Deus da Raça, zagueiro impetuoso do Flamengo nos anos 1970.

Dois exemplos de muitos. Em alguns casos, a coisa atinge o exagero caricato. Uma das personalidades mais importantes da história política do balneário de Cabo Frio, na Região dos Lagos do Estado do Rio, era Otime Cardoso dos Santos – codinome Timinho. Tudo oficial, na certidão e na carteira de identidade. Foi vereador, vice-prefeito, deputado estadual por dois mandatos, presidente da Associação Comercial local e prefeito entre 1970 e 1972. Timinho morreu em setembro de 2010, aos 82 anos.

Zicomengo, Francifla, Flamozer e Flamena

Em 1979, o pipoqueiro (não fujão, mas vendedor) Francisco Domingos dos Santos, de Caicó, sertão do Rio Grande do Norte, mandou o tabelião tascar Zicomengo dos Santos na certidão de nascimento de seu primeiro filho, um quebra-língua inventado por ele em homenagem ao time amado e ao seu ídolo maior, Arthur Antunes Coimbra, o Zico. Não satisfeito, registrou o segundo, uma menina, de Francifla, o terceiro de Flamozer, referência a Mozer, um dos grandes zagueiros da história do clube, e a caçula de Flamena. “Meu pai foi o flamenguista mais louco que já existiu”, disse Zicomengo com corajosa lucidez.

Como se vê, não é raro os brasileiros arrancarem forças de onde não imaginam existir para o bem de seus times. Por isso, os movimentos históricos de grandes contingentes de seguidores formam outra faceta bonita dessa relação. Entre as mais impressionantes está a mobilização promovida pelo Vasco, nos anos 1920, para construir o seu belo estádio, oficialmente chamado de Vasco da Gama, mas conhecido como São Januário, Colina ou Caldeirão, na região de São Cristóvão, num pedaço depois batizado de Bairro Vasco da Gama, na zona norte do Rio de Janeiro.

Primeiro clube brasileiro a aceitar negros no elenco, o Vasco, fundado por imigrantes portugueses e seus descendentes em agosto de 1898, como clube de regatas, é o único dos quatro grandes do Rio com sede no subúrbio. Flamengo, Fluminense e Botafogo nasceram em bairros da rica zona sul.

Um estádio respeitável e respeitado

Em 1923, os vascaínos conseguiram o acesso à primeira divisão do futebol. Pressionada pelos rivais, a Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (Amea), liga esportiva do então Estado da Guanabara, condicionou publicamente a entrada do time na elite estadual à construção de um estádio respeitável.

A medida era, a rigor, uma tentativa de blefe político. Nem os cartolas da Amea nem, muito menos, os dirigentes adversários acreditavam que aqueles portugueses obstinados pelo trabalho conseguiriam erguer um estádio que seria também um monumento de relacionamento com os negros pobres. Assim, a barreira imposta era uma forma de negar, sem proibir, o acesso conquistado legalmente.

O engano foi supremo. Em março de 1925, o Vasco, após uma gigantesca campanha de arrecadação de fundos, assinou a escritura de compromisso de compra e venda de um terreno de 65,5 mil metros quadrados em São Cristóvão. Meses depois, reuniu mais dois mil contos de réis, fortuna na época, para construir a estrutura.

Determinação futebolística inabalável

A pedra fundamental foi lançada em 6 de junho de 1926. Dez meses depois, o estádio estava pronto. Na inauguração, uma partida dos donos da casa contra o Santos. Um prodígio de rapidez, considerando um equipamento que abrigava 40 mil pessoas construído um século atrás. Nem mesmo entraves federais, entre eles a decisão do presidente Washington Luís de proibir o clube de importar cimento belga, algo que tinha sido feito antes na construção do Jockey Club da cidade, abalou a determinação dos vascaínos.

São Januário ainda é maior estádio particular da Cidade Maravilhosa. Até 1940, ano da inauguração do Pacaembu, em São Paulo, era o grande estádio do Brasil, e o maior do Rio até 1950, quando foi superado pelo Maracanã. De suas tribunas, diante de arquibancadas lotadas, o ex-presidente Getúlio Vargas fez a maioria dos seus discursos, inclusive o pronunciamento histórico de 1° de maio de 1943, Dia dos Trabalhadores, em que anunciou a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT.

A fachada do estádio, com varandas coloniais, é tombada pelo Patrimônio Histórico. Há projetos para que se faça o mesmo com todo o complexo. O futebol está em quase tudo. Tem gente que acredita que ele tira espaço até do ar – e jura que não é discurso futebolístico. Se existe um campo em que o brasileiro pode fazer festa, queimar uma carne, fazer borbulhar uma feijoada e, sobretudo, falar de igual para igual com qualquer um no mundo, esse campo é exatamente aquele em que a bola rola. Porque lá somos gigantes.

Marta e mais 10

19 de fevereiro de 1986. Nesse dia em particular, nada parecia ser diferente. O mundo do futebol ainda saboreava o auge de equipes fenomenais como o Flamengo de Zico e o Napoli de Maradona. No entanto, tudo estava para mudar. Nascia, em Dois Riachos, no interior de Alagoas, Marta Vieira da Silva, ou só Marta.

A alagoana foi e ainda é a principal figura de uma geração que encantou num esporte essencialmente masculinizado. Ao lado de outras referências como Formiga e Cristiane, a seleção brasileira de futebol feminino foi um dos expoentes que despontavam para um mundo ainda despreparado para recebe-las.

Essa caminhada teve início com o terceiro lugar na Copa do Mundo de 1999, realizada nos Estados Unidos. Nas Olímpiadas de Atenas 2004 e de Pequim 2008, a seleção foi derrotada na final pelas americanas e ficou com a prata. Em 2007, no Mundial da China, o Brasil viu o título escapar contra as alemãs.

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Três medalhas de prata em quatro anos. É impossível não lembrar dessas decisões e não voltar o gosto amargo de pensar que essa era uma geração que merecia o lugar mais alto do pódio. O futebol é um esporte ingrato. Injusto. E é isso que o faz apaixonante. E talvez por isso Marta, Formiga e Cristiane tenham nos encantado tanto. O brasileiro tem o dom de romantizar as mais doloridas derrotas, o que jamais pode ser confundido com desvalorizar o esforço dessas atletas e de tantos outros que ficaram a segundos ou centímetros da maior glória que o futebol pode proporcionar: o grito de campeão.

Mas quando o fracasso ocorre, os olhares se voltam aos atores que fazem o espetáculo dentro do gramado, mesmo que não sejam os únicos culpados. O apelo de Marta após a derrota contra a França, na Copa do Mundo deste ano, é o mesmo de 2007. Elas precisam de apoio. Não só da torcida, mas das instituições que fazem nosso futebol e continuam a desrespeitá-lo. Passaram-se 12 anos desde aquela final contra a Alemanha e é vergonhoso pensar que pouco, ou quase nada, mudou.

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Clodoaldo
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“Minha vida é um exemplo da influência do futebol nos brasileiros”

O sergipano Clodoaldo, o Corró, volante do grande Santos de Pelé, Pepe e companhia, e titular do meio campo da inesquecível seleção brasileira tricampeã em 1970, no México, falou ao R7 sobre sua longa carreira no time da Baixada e a paixão dos brasileiros pelo futebol.

R7: O futebol encanta você do mesmo jeito que emociona os brasileiros?
Clodoaldo: O futebol influencia na vida do brasileiro e na cultura do País de uma maneira realmente importante e, na maioria dos casos, emocionante. Sempre percebi isso observando minha família, as outras, os amigos, a rotina das pessoas. E o exemplo da minha própria vida é mais um caso que ilustra esse fato.

Fui para a divisão de base do Santos aos 13 anos, em 1962, e estreei no profissional três anos depois. Eu e meus amigos costumávamos ir aos treinos, acompanhar jogos e observar os jogadores na rua. De uma hora para outra, eu estava ali, ao lado dos meus ídolos. Pelé, nove anos mais velho do que eu, já era uma realidade. Igualmente o Pepe, que jogou no Santos de 1954 a 1969. E eu ali, encantado... Rapaz, eu não sabia o que mais me alegrava e emocionava: ter a chance de fazer uma carreira no Santos ou conviver com aquelas feras, meus heróis.

R7: O Brasil conquistou dois títulos mundiais depois de 1970. Mesmo assim, parece ter havido um esfriamento na relação dos brasileiros com a seleção. O que aconteceu?
Clodoaldo: Não tenho a resposta completa, mas desconfio de alguns fatores. O fato de a quase totalidade dos jogadores atuarem no exterior contribui claramente. Além disso, os esquemas atuais de isolamento de proteção e isolamento dos jogadores, tanto os particulares como os montados por clubes e a CBF, criam um clima de superioridade que acaba afastando parte das pessoas.

R7: Houve redução de contato até com a imprensa, que faz a mediação nessa relação...
Clodoaldo: Pois é: iria colocar esse ponto agora. No nosso tempo, a relação com vocês, jornalistas, era bem mais frequente e próxima. A gente conversava em várias ocasiões com os jornalistas, mesmo em copas, como ocorreu em 1970. Isso muitas vezes gerava até vínculos de amizade. Não digo que hoje não exista, mas amizades entre jornalistas e jogadores, mesmo os maiores, como Pelé, eram algo muito mais comum. Hoje, como as conversas são muito controladas, quase sempre sem conversa individual, apenas com coletivas, o distanciamento aumenta, porque as informações ficam restritas.

R7: Você acha que a convocação de jogadores de clubes brasileiros em maior número ajudaria a reaquecer a relação?  
Clodoaldo: Sim, claro. Inclusive, aconselhei isso ao Dunga quando ele era técnico. É evidente que, com os melhores indo para fora cada vez mais cedo, a parcela de jogadores de clubes estrangeiros na seleção seja alta. Mas a melhor forma seria chamar uma quantidade maior de jogadores de times brasileiros ao menos nas convocações feitas nos intervalos das grandes competições. E aí, na definitiva para as grandes disputas, que chamem quem estiver melhor. Ajudaria muito.

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Jairzinho
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“Tri consolidou a seleção como orgulho nacional”

Jair Ventura Filho, o Jairzinho, era originalmente ponta-de-lança. Jogava nessa posição no Botafogo. Escalado por Zagallo na ponta-direita na Copa de 1970, fez gols em todos os jogos, foi peça fundamental na conquista do tricampeonato e terminou no time dos craques da disputa. Com nove gols marcados nos Mundiais de 1966, 1970 e 1974, o Furacão da Copa é o terceiro na lista de artilheiros da seleção, ao lado de outras duas feras, os pernambucanos Vavá e Ademir de Menezes. É pai do técnico Jair Ventura. Jairzinho falou ao R7 sobre campanha do tri, identidade do brasileiro com o futebol e as convocações atuais.

R7: Por que o brasileiro ama e se identifica tanto com o futebol?
Jairzinho: Sem falsa modéstia, nossa campanha de 1970, no México, foi realmente especial, fora da média. Muitos consideram o melhor grupo e o melhor time da história. O tri, com aquela beleza e harmonia, consolidou internamente a seleção e o futebol como orgulhos nacionais. O futebol já era uma coisa admirada na maior parte do mundo naquela época.

Quando retornamos ao Brasil, percebi um sentimento geral, entre os brasileiros, de algo mais ou menos assim: “o futebol é um negócio que milhões e milhões de pessoas amam e procuram fazer bem no mundo todo, mas quem faz melhor somos nós, e não eles, então nós somos tão bons quanto o estrangeiro rico – e em alguns pontos até melhores”.

R7: E aquilo tudo foi transmitido para o Brasil e o mundo pela tevê...
Jairzinho: Esse é um ponto fundamental da questão: foi a primeira Copa transmitida ao vivo para o Brasil. Os brasileiros viram, em tempo real, não só a beleza do futebol jogado por sua seleção, como também os elogios rasgados que o mundo todo fez durante e depois, por anos a fio. Bom, na verdade nos elogiam muito até hoje, o que é muito bacana (risos).

O povo brasileiro percebeu que nós não apenas vencemos o tri, mas também encantamos o mundo todo. É só você ver, por exemplo, como os mexicanos nos trataram. E aquilo ocorria um pouco com estrangeiros que estavam lá. As imagens estão aí. Então, essa soma funcionou para fortalecer a autoestima do brasileiro e isso, de certa forma, é forte até hoje.

R7: Mas a seleção, especificamente, perdeu um pouco do carinho popular ultimamente...
Jairzinho: Mas com essa ausência quase total de jogadores que atuam no Brasil nas convocações, o distanciamento era até previsível. No lugar do Tite, eu só convocaria jogadores brasileiros, pelo menos, nas datas Fifa intermediárias, entre as convocações finais para as competições mais importantes. O povo brasileiro quer se sentir representado. Afinal de contas, não foi assim que o amor e a identificação foram construídos?

R7: Sim, foi.
Jairzinho: Então? Não podemos abandonar isso totalmente de jeito nenhum.

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Barbecue que fala?

Além de trazer o futebol para o País, os ingleses também deixaram outra herança que diz muito sobre o nosso comportamento quando o assunto é futebol. Apaixonados pelo esporte, os ingleses costumam assistir aos jogos em pubs com os amigos e familiares.

Os brasileiros não só adotaram o costume de se reunir para assistir aos jogos, como ainda deram um drible na tradição. A combinação de churrasco e futebol sempre agradou quem não abre mão de comer bem e ainda curtir a bola rolando ao mesmo tempo.

O churrasco num final de semana é sempre motivo de descontração e muita alegria. Assim como um goleiro vira herói quando decide uma disputa de pênaltis, o churrasqueiro também tem seu dia de herói quando "seu time" gosta do churrasco.

Para o sucesso do churrasco, a escalação das peças faz toda a diferença. Aproveite os produtos Perdigão Na Brasa (linguiças, cortes de frango temperados e costelinha suína) para botar em campo no próximo churrasco em família ou com os amigos:

Uma iniciativa: Perdigão

Uma iniciativa: Perdigão
Comer junto tem sabor de Perdigão! A Perdigão é uma empresa premiada, com mais de 85 anos trazendo sabor e qualidade para suas refeições!

Reportagem: Eduardo Marini
Colaboração: Pietro Otsuka, estagiário do R7
Edição: André Avelar e Tatiana Chiari
Arte: Matheus Vigliar e Sabrina Cessarovice

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Editora-chefe
Maria Beatriz Zultauskas