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André Barbeiro*, do R7

Fortes chuvas devastaram o Rio Grande do Sul, deixando mais de 150 mortos, pessoas desaparecidas e mais de 600 mil desalojadas. Dos 497 municípios do estado, ao menos 446 cidades foram afetadas.

Devido à calamidade, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) publicou na última sexta-feira (10) uma MP (medida provisória) que autoriza a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) a importar até um milhão de toneladas de arroz.

Tudo isso para lidar com os prejuízos nas safras, já que o estado é o maior produtor do grão do país. O governante não descartou também a possibilidade de o país ter de importar feijão.

O começo do mês de maio foi marcado ainda por uma forte onda de calor, que  causou desconforto na população das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Norte.

Mesmo no outono, a temperatura na região metropolitana de São Paulo, por exemplo, bateu recordes. Em 5 de maio, o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) registrou 32,8°C na capital paulista. 

Nos últimos anos, os assuntos desmatamento na Amazônia, crise climática e suas consequências viraram comuns. Os alertas sobre o “ponto de não retorno” da Floresta Amazônica, levantados por pesquisadores, e os debates de como isso afetará drasticamente a população é tema mundial, causando pânico e ansiedade. 

Devido aos impactos que a Floresta Amazônica sofre com as emissões de gases de efeito estufa, como CO (monóxido de carbono), CO2 (dióxido de carbono) e CH4 (metano), a quantidade de comida produzida, que chega em nossas casas, pode ser diretamente impactadas.

Com isso, a possibilidade de enfrentarmos enormes dificuldades para comer é real.

Mas o calor não é culpa do El Niño?

O calor fora do comum muitas vezes é atribuído somente ao El Niño, uma variação natural do clima, que ocorre devido a um aquecimento superficial das águas do Oceano Pacífico Tropical. Em termos gerais, essa afirmação não está correta, mas também não é uma completa inverdade. 

É certo afirmar que as altas temperaturas e os temporais que vêm acontecendo são decorrentes do fenômeno de variação natural. Contudo, a potência dele está diretamente associada à crise do clima. É uma de suas consequências.

“No Brasil, já se fez vários estudos para quantificar o que é realmente sinal de mudança do clima. De maneira geral, tem vários resultados indicando que se fosse apenas a variabilidade natural, a magnitude desses eventos não teria sido tão expressiva sem a mudança do clima”, explica Lincoln Alves, meteorologista do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), em entrevista ao R7. 

“Ou seja, sem essa mudança do clima esses eventos ainda teriam potencial de ter acontecido, porém, não na magnitude e intensidade que ocorreram. Ela potencializa a variabilidade natural”, completa. 

Aquecimento global aumentou os efeitos do El Niño (Gabriela Biló/Agência Estado — 27.08.2019)

Aquecimento global aumentou os efeitos do El Niño

Gabriela Biló/Agência Estado — 27.08.2019

Alves ainda avalia que defender a inexistência do aquecimento global devido às ondas de frio que também acontecem é uma forma simplória de analisar. O que se torna uma enorme desinformação e quase um desserviço.

“O aquecimento global potencializa. O que poderia ser uma onda de frio natural, com temperaturas frias de -5°C, vai deixá-las em -15ºC, ou até em -20°C. O aquecimento global é um parâmetro da mudança climática. Para não haver essa confusão, acredito que a expressão correta seria 'Mudança do Clima”, detalha o meteorologista.  

Carlos Nobre, pesquisador e especialista em estudos de aquecimento global e Amazônia, acrescenta que com a crise do clima, o fenômeno está tomando proporções “acima do aceitável”. 

“Antigamente, tínhamos uma seca natural na Amazônia a cada duas décadas - muito associado com o fenômeno El Niño. Nos últimos 19 anos, entre 2005 e 2024, já tivemos quatro mega secas. A seca de 2023/2024 bateu recorde de mais intensa em toda a história da Amazônia. Ou seja, aquecimento global está fazendo todos os fenômenos extremos no mundo ficarem ainda mais fortes e mais extremos”, conta Nobre. 

O pesquisador explica que a seca na floresta funciona como um ciclo. Se existe seca, há menos água no local. Com isso, gera menor quantidade de chuvas no ambiente, resultando em temperaturas mais altas. 

O que é o ‘ponto de não retorno’ da Amazônia?

O “ponto de não retorno”, citado constantemente pelos especialistas, seria o momento em que a floresta não conseguirá se regenerar sozinha. Ou seja, naquele ambiente houve tanto desmatamento e queimadas que não é mais possível voltar a ser como era antes.

Mesmo parecendo mais uma história alarmante da Amazônia, os cientistas afirmam que essa realidade está próxima devido uma série de fatores. 

A floresta Amazônica é um dos principais ecossistemas no globo terrestre e permite que os seres vivos respirem. Ela é responsável por absorver o carbono, emitidos na atmosfera, e gerar oxigênio, por meio da fotossíntese. 

Porém, uma pesquisa realizada pelo Inpe e publicada pela revista científica Nature, em 2021, mostrou que, por conta das queimadas, a região amazônica emite mais gás carbônico do que pode absorver. Somente 18% desses gases são filtrados.

O levantamento ainda revelou que, se não houvesse esse tipo de degradação, a Amazônia retiraria da atmosfera 0,19 bilhão de toneladas de CO2 por ano. 

Amazônia emite mais gases de efeito estufa do que pode filtrar (Gabriela Biló/Agência Estado — 27.08.2019)

Amazônia emite mais gases de efeito estufa do que pode filtrar

Gabriela Biló/Agência Estado — 27.08.2019

Carlos Bocuhy, presidente do Proam (Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental), conta que os efeitos do desmatamento nessas regiões são "dramáticos".

“Temos alguns pontos da floresta em ponto de não retorno. Já era preocupante quando isso se dava do lado oriental da Amazônia, que é o mais próximo do arco do desmatamento. Agora, mais ainda, porque estamos vendo esse fenômeno do outro lado da floresta, mais próximo a países como a Colômbia.”

Para mitigar essa realidade mundial, a COP 21 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), ocorrida em Paris, em dezembro de 2015, acordou que os 195 países membros da ONU teriam o compromisso de conter o aumento da temperatura média global em bem menos de 2°C e, ainda, aumentar os esforços para que este número ficasse próximo a 1.5°C.

Nobre explica que momento de não retorno da Amazônia pode chegar se o aquecimento global ultrapassar o 1,5°C.

“Se a temperatura passar de 1,5°C, o ponto de não retorno pode ser atingido até 2030 e, depois disso, a temperatura não voltará abaixo disso e ficará cada vez mais quente.”

Caso o desmatamento e o aquecimento global atingirem esse estado, o ponto de não retorno se tornará irreversível em até 2050, indicam estudos. 

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Aldo Silva/Arte R7

Com o aumento da temperatura média, a agropecuária também será atingida. Segundo Nobre, as pastagens são de 2 a 3 °C mais quentes que a floresta e transpiram muito menos. 

“Se isso continuar acontecendo em duas a três décadas, a estação seca atingirá seis meses [do ano] e isso não manterá a floresta. Seis meses é a estação seca da Savana Tropical. Não existe nenhum lugar com floresta tropical úmida, como a Amazônia, com estação seca de seis meses”, alerta.

Marta Angela Marcondes, professora da USCS (Universidade de São Caetano do Sul) e especialista em estudos de águas do Brasil, conta que esse processo colabora também com a incidência de chuva nas regiões Sul, Sudeste e Centro-oeste do país. 

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Aldo Silva/Arte R7

Ela explica que, se o desmatamento na Amazônia não frear de vez, as secas serão cada vez maiores e mais potentes. O que impacta diretamente na formação de nuvens nas regiões citadas e, por consequência, em todo o país. 

Marta diz que, com a diminuição das chuvas, o fornecimento de água para lugares como residências, fábricas e plantações será afetado. 

“A Amazônia tem a ver com a manutenção da vida. É para assustar? Até que sim, mas é para que as pessoas entendam que estamos num único local e, embora a gente pense muito no nosso umbigo, temos todo um ciclo de eventos que dependem desse processo aqui. Detonou a Amazônia, Cerrado e Pantanal, não tem mais chuva na região Sul e Sudeste. Isso impacta, porque se abrir a torneira de manhã, não terá água", completa.

Quem sofre mais com a devastação da Amazônia?

A falta de chuva muda a forma como sobrevivemos, impactando a produção e o preço dos alimentos.

Bocuhy alerta que os mais prejudicados com a possível escassez de alimentos são aqueles com menor poder de compra. “Os que têm dinheiro vão ter ar-condicionado em casa, vão ter um sistema de refrigeração para protegê-los do calor, vão ter uma cadeia de suprimentos que podem levar alimentos nas suas casas.”

“Nos eventos extremos, como inundações ou deslizamentos, serão atingidas as populações menos favorecidas. Então, faz todo o sentido dizer que os mais vulneráveis são os mais pobres, porque isso é uma realidade”, completa.

E agora?

Para os pesquisadores, o momento atual é de ação. Além de cobrar os representantes políticos escolhidos em eleição, é necessário um “trabalho de formiguinha”. 

“Se mudar o estilo de vida, muda muito. Deixar de usar o automóvel ou de pegar voos, por exemplo, e usar mais transportes coletivos. Claro, isso também depende de o governo fornecer um serviço com qualidade”, ressalta Bocuhy.

Ele destaca ainda que o avanço da tecnologia reduz deslocamentos desnecessários. “Isso é uma questão muito importante para quem trabalha. Nos Estados Unidos é lei, você fica de home-office duas vezes por semana. O Brasil ainda não instituiu isso, mas deveria, porque é um elemento importante”.

O pesquisador também sugere o consumo de itens “amigáveis ao meio ambiente”, a diminuição do uso de plástico e outros produtos derivados do petróleo. 

O gado emite metano, o que é prejudicial para a atmosfera (Gabriela Biló/Agência Estado — 27.08.2019)

O gado emite metano, o que é prejudicial para a atmosfera

Gabriela Biló/Agência Estado — 27.08.2019

Marta sugere outras formas de preservar a natureza, que podem reduzir as emissões de carbono e metano. Uma delas é a diminuição do consumo de carne, já que grandes rebanhos causam desmatamentos e os bois liberam metano ao eliminarem gases, com arrotos e puns.

A professora explica que o descarte incorreto de óleo de cozinha, por exemplo, gera CH4 para atmosfera. “Existem ONGs que coletam esse óleo usado para fazer sabão, ou até mesmo biocombustível, como o Etanol”, finaliza. 

Algumas atitudes dependem de muitos esforços, já outras dependem um pouco de cada um de nós. Pequenas atitudes, podem fazer diferença no mundo.

*Estagiário sob supervisão de Carla Canteras.


Diretora de Conteúdo Digital e Transmídia: Bia Cioffi
Reportagem: André Barbeiro
Editora: Carla Canteras
Coordenação de Arte: Adriano Sorrentino
Arte: Aldo Silva e Sabrina Cessarovice
Gerente de Produção Audiovisual:
 Douglas Tadeu
Coord. de Vídeo e Prod. de Conteúdo: Danilo Barboza
Operação de Captação Audiovisual: Guilherme Cabral, José Ignácio, Pamela Almeida, Roger Bernardes e Wesley de Jesus
Produção Audiovisual: Julia de Caroli e Denise Marino
Edição e Finalização: Caique Ramiro