Iuri Gusmão demonstrava pouco nervosismo ao prestar depoimento no último dia 30 de junho, data de sua prisão, na Operação Magnus Dominus, da Polícia Federal. Ele era o alvo número 2 da investigação quando foi preso no município gaúcho de Passo Fundo (RS) e prestou depoimento por cerca de uma hora e meia. O alvo número 1 era seu patrão: Antônio Joaquim Mendes da Mota, o “Motinha”, que pela segunda vez neste ano conseguiu fugir das polícias brasileira e paraguaia após ser avisado com antecedência das operações que tentaram capturá-lo.
Motinha é acusado de ser um dos maiores narcotraficantes da América do Sul e, segundo as investigações, Iuri Gusmão seria o líder de um grupo de paramilitares que faria sua segurança. Sem dar muita importância à informação, Iuri revelou um novo capítulo da relação entre o chamado clã Mota, organização criminosa voltada ao narcotráfico internacional do qual Motinha é tido como o atual líder, e a política paraguaia.
Gusmão disse em depoimento que fez a segurança pessoal do atual presidente do Paraguai, Santiago Peña, em um evento político na cidade de Pedro Juan Caballero, na fronteira Brasil-Paraguai, a pedido de Motinha. Iuri não soube precisar a data, mas disse ter se encontrado pessoalmente com Peña e tê-lo conduzido até uma caminhonete blindada, que escoltou ao lado de outros paramilitares que trabalhavam para Motinha.
O caso teria ocorrido antes de Peña ser eleito presidente pela Associación Nacional Republicana (ANR), mais conhecida na imprensa do país como o “Partido Colorado”, principal partido político conservador paraguaio. Por meio de sua assessoria, o atual presidente do Paraguai não quis dar entrevista e disse que a segurança privada e quem o escoltou não era sua responsabilidade, mas sim dos organizadores do evento em sua agenda de campanha.
Disse que, durante a sua campanha, só teve uma equipe de segurança comandada pelo coronel do Exército paraguaio, José Chinini, e que nunca contratou pessoas de fora de sua equipe.
Em entrevista à rádio ABC, no Paraguai, o ministro do Interior do novo governo, Enrique Riera, negou as declarações de Iuri Gusmão, mas já tratou o caso como uma possibilidade. “O que pode ter ocorrido em um dos atos [da campanha] não pode ter importância diante da quantidade de ações positivas que estamos tendo”, disse.
Apesar das negativas no Paraguai, há provas materiais do encontro citado por Iuri Gusmão. A reportagem da Record TV teve acesso a fotos e vídeos extraídos do celular de Iuri que embasam a informação. Nelas, é possível ver o presidente Peña discursando no evento em Pedro Juan Caballero em novembro de 2022. Em uma troca de mensagens no Instagram, mostra fotos desse dia a um interlocutor, que pergunta, em inglês: “Close protection?” (“Proteção pessoal”). E ele responde no mesmo idioma: “Yes. For the president” (“Sim, para o presidente”, numa tradução livre). Segundo as autoridades, o evento teria ocorrido em um local denominado Quinta Cristal Pared.
Imagens extraídas do celular de Iuri Gusmão mostram evento que contou com a presença do atual presidente do Paraguai, Santiago Peña
ReproduçãoTroca de mensagens no Instagram extraída do celular de Iuri Gusmão
ReproduçãoOutras provas reforçam a suspeita de proximidade do clã Mota com o novo presidente do Paraguai, Santiago Peña. Em uma conversa com seu sogro às vésperas da eleição paraguaia, a namorada de Motinha, a blogueira Gabriela Correa, diz que o cônjuge estava “nervoso com essa eleição amanhã”. No mesmo dia, Motinha envia uma mensagem à namorada dizendo que iria falar “com candidato”.
No dia das eleições, Gabriela começa a compartilhar com o sogro, Antônio da Mota (o “Tonho”), também acusado de participação na organização criminosa formada pelo “clã Mota”, parciais dos resultados eleitorais. Quando a vitória de Santiago Peña e do governador de Amambay, Juancho Acosta, é confirmada, eles comemoram: “Esses dois já foi. Ganhamos”. Gabriela também comemora o resultado das eleições em conversas com os irmãos de Motinha, Cecy e Orlando.
Conversa de Gusmão com a mulher, na qual ele comenta que iria se encontrar com o 'presidente'
ReproduçãoEm outra conversa extraída do celular de Iuri Gusmão um dia depois das eleições paraguaias, ele comenta com a esposa que iria se encontrar com “o presidente”. Na mesma conversa, Gusmão diz ter tido “contrato” inclusive com o “ex-presidente do Paraguai”. Para as autoridades brasileiras, seria uma referência a Horácio Cartes, ex-presidente do país, que como veremos a seguir já teve seu nome vinculado aos Mota na imprensa policial brasileira e paraguaia.
A história do clã Mota na fronteira se entrelaça em muitos pontos com a política paraguaia desde a ditadura militar do general Alfredo Stroessner.
“Joaquinzinho da Mota era o número 2 do poder mafioso na fronteira. Era um ‘capo’ mafioso com muito poder no Paraguai.” Quem faz essa afirmação é Adalberto Fox, ex-juiz criminal de primeira instância na cidade de Pedro Juan Caballero, cidade que se entrelaça com Ponta Porã, em Mato Grosso do Sul, uma das regiões de fronteira mais perigosas entre Brasil e Paraguai.
“Joaquinzinho” é o apelido com o qual o patriarca da família Mota, Joaquim Francisco da Mota, ficou conhecido na fronteira. Vindo da Bahia nos anos 1960, Joaquinzinho firmou raízes na fronteira para trabalhar com a produção de grãos e gado de corte.
Segundo Fox, Joaquinzinho se tornou um dos maiores nomes das rotas de contrabando entre Brasil e Paraguai, ao lado de outros brasileiros, sobretudo no atravessamento de café. Do Brasil para o Paraguai, os contrabandistas atravessavam produtos como o café e a soja. Na rota contrária, os principais produtos paraguaios atravessados eram os cigarros e as bebidas alcoólicas.
Alfredo Stroessner (à esquerda) e Andrés Rodríguez; generais foram acusados de manterem relações escusas com o narcotráfico no Paraguai
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Responsável por investigar as “hierarquias mafiosas”, como ele define, Fox conta que os contrabandistas tinham proximidade com a ditadura do general Alfredo Stroessner, que governou o Paraguai até sofrer um golpe, em fevereiro de 1989.
“Eles tinham relações estreitas com o general e narcotraficante Andrés Rodríguez”, afirma o ex-juiz, referindo-se ao general genro de Stroessner, que o sucedeu no governo após 35 anos, considerado o primeiro presidente da “era democrática” do Paraguai, país que teve uma sucessão de governos autoritários desde a sua independência em 1811, e também membro do Partido Colorado.
Rodríguez foi denunciado por envolvimento com o narcotráfico inclusive em um documento produzido pela Drug Enforcement Administration (DEA), agência antidrogas dos Estados Unidos, em 1985. Em reportagens da época, ele foi acusado de fornecer pistas de pouso, proteção e até auxiliar no transporte de traficantes que levaram drogas ao país. O próprio general Stroessner, quando confrontado pela imprensa sobre o envolvimento dos militares com o contrabando e atividades ilícitas, dizia que aquele era “o preço da paz”.
Joaquinzinho da Mota (na foto de cima, ao centro, sentado na cadeira branca; e o segundo da esquerda para a direita na foto debaixo) recebeu mais de 2.700 hectares de terras da ditadura paraguaia, segundo a Comissão da Verdade
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Não demorou muito para as mesmas rotas dos contrabandistas passarem a ser usadas para atravessar produtos muito mais lucrativos, como a maconha e a cocaína. Nos anos 1980, Fox conta que recebeu informações do jornalista Santiago Leguizamón, que em 1991 seria assassinado a tiros em Pedro Juan Caballero, de que Joaquinzinho plantava maconha no interior de suas fazendas.
Santiago apresentou ao juiz Fox croquis e plantas das dezenas de propriedades de Joaquinzinho (entre 30 e 40 fazendas com milhares de hectares) com informações vindas de camponeses e trabalhadores que indicavam a localização das plantações de maconha. Fox encontrou as plantações a partir das informações e prendeu Joaquinzinho.
“Ele disse que a maconha era plantada por seus funcionários sem o seu consentimento”, relembra Fox. Ele não acreditou na versão da defesa, mas Joaquinzinho terminou solto meses depois. Segundo as investigações da Polícia Federal que recaem sobre o clã Mota, o esquema de tráfico da família, a partir de Joaquinzinho, vem pelo menos desde os anos 1970.
Valendo-se da boa relação que mantinha com os militares paraguaios, Joaquinzinho da Mota recebeu do governo Stroessner, segundo a Comissão da Verdade do país vizinho, 2.736 hectares de terras que seriam destinadas ao programa de reforma agrária do país no departamento de Concepción em 1976.
Segundo o jornalista Andrés Gutierrez, autor de uma série sobre o clã Mota no jornal paraguaio Última Hora, há indícios de que essas fazendas tenham sido usadas para a atividade de contrabando e narcotráfico. “Joaquinzinho montou um império, teve muitas fazendas onde aterrissavam os aviões que traziam cocaína da Bolívia e do Peru e de onde embarcavam para o Brasil e para os Estados Unidos”, diz Gutierrez. Joaquinzinho morreu em 1998, aos 64 anos.
Entre os anos 1990 e meados de 2010, os Mota se esquivaram de polêmicas com a Justiça e passaram a frequentar mais as colunas sociais. Parte da elite da região da fronteira, eram reconhecidos mais por suas festas e propriedades, como os leilões no Haras Mota, em Ponta Porã, muitos deles frequentados pela elite do narcotráfico da região como Jorge Rafaat Toumani — morto a tiros de ponto 50 em 2016, a quem Motinha considerava seu padrinho.
Hoje procurado pela Interpol, Motinha aparece em vídeos que o mostram ao discursar na cerimônia oficial de inauguração de uma escola municipal em Ponta Porã que leva o nome de seu avô materno, Orlando Mendes Gonçalves, ex-prefeito da cidade fronteiriça. Também são públicos os registros dos luxuosos casamentos das irmãs de Motinha, um deles ocorrido na Itália. No Instagram, eram frequentes as publicações de Motinha ao lado da namorada, uma influencer fitness com mais de 600 mil seguidores.
Jornal Correio do Estado registra agressão do avô materno de Motinha, Orlando Mendes Gonçalves, que foi prefeito de Ponta Porã, a jornalista da cidade
ReproduçãoA vida de luxo dos Mota foi brevemente ameaçada com a deflagração da Operação El Patrón, desdobramento da Lava Jato no Rio de Janeiro. A investigação foi montada para averiguar a fuga de um dos principais alvos da operação no Rio, o doleiro Darío Messer, que ganhou o apelido de “doleiro dos doleiros” na cobertura da imprensa por ter lavado mais de US$ 1 bilhão para políticos e empresários.
Messer sabia que estava sendo investigado pelo esquema do chamado Petrolão. Segundo as apurações, ele foi avisado por um agente da Polícia Federal em São Paulo e decidiu fugir para o Paraguai no início de 2018. Messer então recorreu ao ex-presidente Horácio Cartes, que governou o país entre agosto de 2013 e 2018 pelo Partido Colorado.

O ex-presidente do Paraguai, Horácio Cartes, alvo de sanções dos EUA por envolvimento com corrupção
APCartes é um dos maiores empresários do Paraguai: dono de um conglomerado de mais de duas dezenas empresas, incluindo a maior produtora de cigarros, a Tabacalera del Este (Tabesa), além de empresas da área de telecomunicações, agronegócio, alimentos e mercado financeiro.
Também presidiu o clube de futebol Libertad entre 2001 e 2013, até virar presidente.
Ele possui uma longa lista de acusações com relação a evasão de divisas, contrabando e até envolvimento com organizações terroristas.
Em julho de ano passado, foi alvo de uma declaração formal do Departamento de Justiça do governo americano em que foi acusado de se envolver em casos de corrupção e de minar as instituições democráticas do Paraguai. Ele foi proibido de entrar nos Estados Unidos.
Em janeiro deste ano, sofreu sanções do Tesouro americano. É alvo ainda de uma investigação no Paraguai que visa apurar as acusações do governo americano.
Carta que, segundo o MPF, foi enviada por Darío Messer ao ex-presidente do Paraguai, Horácio Cartes
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Messer e Cartes tinham uma antiga relação de amizade. Em uma premiação da comunidade judaica que recebeu em 2016, Cartes chamou Messer de “irmão de alma”. Por sua vez, Messer salvou o contato de Cartes no celular com o nome de “Rei”, segundo as investigações da Lava Jato. Ambos já tiveram, segundo as investigações da Lava Jato, investimentos em conjunto em bancos e fazendas.
Quando fugiu para o Paraguai, Messer foi abrigado por dois empresários brasileiros importantes na fronteira: Roque Fabiano Silveira, foragido da Justiça brasileira e já condenado por contrabando e dois homicídios, em Salto del Guairá, no Paraguai; e Antônio da Mota, mais conhecido como “Tonho da Mota”, o pai de Motinha e considerado outro líder do clã Mota.
À esq., Darío Messer posa ao lado de Tonho da Mota, em primeiro plano; e, à dir., Messer aparece com 'Motinha' e sua mãe, Cecy Mota
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Em 27 de junho de 2018, Messer escreveu uma carta a Horácio Cartes, enquanto este ainda era presidente do Paraguai: “Patrão, desculpe te incomodar nessa hora, mas a situação em que me encontro está muito complicada. Fui traído no Brasil e pego de surpresa no Paraguai”, começava a carta. “Infelizmente, fiquei com meus recursos bloqueados e preciso recorrer à sua ajuda para com os gastos jurídicos. Nesta primeira etapa, vou precisar de US$ 500.000,00 (quinhentos mil dólares)”, disse Messer na carta.
Para o MPF, Horácio Cartes não só financiou a estadia de Messer no Paraguai, como coordenou toda a sua movimentação no país e o melhor momento para seu retorno ao Brasil.
Lalo Gomes, reeleito deputado estadual de Amambay, na fronteira com o Brasil
ReproduçãoMesser disse em sua delação que chegou aos Mota por meio de outro político paraguaio, Eulálio Gomes — conhecido como “Lalo”, outro membro do Partido Colorado e da tendência da ANR que leva, não por coincidência, o mesmo nome das iniciais de Horácio Cartes: “Honor Colorado” (da qual o atual presidente, Santiago Peña, ex-ministro da Economia de Cartes, também faz parte).
Foi o filho de Lalo Gomes, Alexandre Rodrigues Gomes, sócio de Motinha, quem providenciou o avião que buscou Messer quando este chegou ao Paraguai, segundo a Lava Jato.
Em uma conversa, apreendida pelas autoridades brasileiras, Tonho da Mota comemora a reeleição de Lalo Gomes ao cargo de deputado estadual na província de Amambay junto à namorada de Motinha, Gabriela Corrêa.
Conversa entre a namorada de Motinha, a blogueira Gabriela Correa, e Tonho da Mota; ela sugere que ele dê parabéns a Lalo Gomes pela eleição a deputado em Amambay; na sequência, ele parece encaminhar uma troca de mensagens entre ele e Lalo
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Messer disse em sua delação que pediu maconha a Antônio da Mota enquanto esteve na casa dele e recebeu de presente uma “barra de meio quilo” da droga. E foi em um avião dos Mota que Messer retornou ao Brasil em setembro de 2018. O avião saiu de Ponta Porã e pousou no aeroporto de Jundiaí (SP). A aeronave que transportou Messer (de prefixo PT-LSY) foi relacionada a voos do narcotráfico na Operação Cavok, da Polícia Federal, que apurou um grande esquema de transporte de drogas desde a Bolívia para o Brasil, passando pelo Paraguai.
Selfie que o doleiro Darío Messer tirou no dia 22 de setembro de 2018, quando retornou do Paraguai ao Brasil
ReproduçãoPelo envolvimento no episódio da fuga de Darío Messer, três membros da família Mota terminaram presos, entre eles Motinha e Tonho da Mota, por porte de armas de uso restrito. As armas foram encontradas durante o cumprimento de mandados de busca e apreensão na principal fazenda dos Mota, a Buracão, situada em Pedro Juan Caballero.
Na ocasião, a Polícia Federal apreendeu celulares, agendas, anotações e computadores. As autoridades tiveram acesso a uma ampla rede de relações da família. Foi identificada ainda uma rede de agentes de vários órgãos policiais, como a Senad (Secretaria Nacional Antidrogas do Paraguai), a Polícia Nacional paraguaia e até a Interpol, que estariam na folha de pagamento dos Mota para fazer vista grossa às operações de narcotráfico comandadas por eles. Segundo anotações, alguns agentes receberiam até US$ 18 mil de propina mensalmente.
Sérgio Arruda Quintiliano Neto, o 'Minotauro', foi preso pela Polícia Federal em 2019 no município de Balneário Camboriú (SC)
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Pelo material, também ficou provada a relação dos Mota com outro megatraficante: Sérgio Arruda Quintiliano Neto, o “Minotauro”, preso em 2019, já condenado por tráfico internacional e atualmente recolhido no Sistema Penitenciário Federal.
Minotauro era dono de uma fazenda vizinha à dos Mota, a Fazenda Buracão. Foram encontrados registros de repasses de dinheiro entre os Mota, Minotauro e alguns de seus sócios, como o narcotraficante Caio Bernasconi Braga.
Outro apelido de Motinha, “Dom”, aparece na contabilidade do tráfico apreendida com Minotauro em operações anteriores. As apreensões foram corroboradas pelo depoimento de Felipe Ramos Morais, um dos maiores delatores do PCC assassinado em fevereiro deste ano em suposto confronto com a PM de Goiás.
Ex-piloto da facção, Morais contou às autoridades brasileiras como foi recebido por Tonho da Mota na Fazenda Buracão em 2018. Ele disse ter sido convidado para participar de um esquema de tráfico internacional comandado por Tonho da Mota e Minotauro. “Antonio tinha a droga e o dinheiro e Minotauro entraria com frete, no caso o serviço do depoente [Felipe], e o embarque no porto em Santos”, diz o registro do depoimento de Morais que consta em denúncia do Ministério Público Federal.
As investigações relacionadas ao episódio da fuga de Darío Messer também permitiram às autoridades brasileiras reinterpretar um episódio relacionado aos Mota ocorrido em 2017. Em 30 de junho daquele ano, a Senad do Paraguai apreendeu mais de 3 toneladas de maconha na Fazenda Buracão, principal propriedade dos Mota em Pedro Juan Caballero, além de um forte arsenal de armas, que incluía fuzis e munições de grosso calibre.
O único responsabilizado pelo caso foi o caseiro dos Mota, João dos Santos, mais conhecido como “Barriga”. Para o Ministério Público paraguaio, era “Barriga” o único responsável por um esquema de narcotráfico que funcionava no interior da fazenda Buracão sem o consentimento de seus patrões.
Caseiro 'Barriga' em fotografia tirada na prisão por um de seus advogados
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As análises dos celulares, computadores e outros materiais apreendidos na fazenda Buracão a partir do episódio da fuga de Darío Messer trouxeram uma interpretação do Ministério Público do Paraguai para a apreensão na fazenda.
Para o Ministério Público Federal, no Brasil, aquela droga e aquele armamento pertenceriam aos Mota em uma operação de narcotráfico e “Barriga” teria sido usado como “laranja” para assumir a culpa. “Barriga responde a um processo por tráfico de drogas ocorrido na fazenda Buracão, ele assumiu o crime em nome do Clã Mota”, diz a denúncia do MPF.
Promotor responsável pelo caso no Paraguai, Hugo Volpe Mazo já foi denunciado no Brasil por ter recebido propina para arquivar uma investigação contra Minotauro por uso de identidade falsa. Segundo a denúncia, quem teria dado a propina foi Maria Alciris Cabral Jara, conhecida como “Maritê”, advogada e mulher de “Minotauro”, também condenada por integrar a organização criminosa comandada pelo marido. Segundo o MPF, ela advogou para os Mota entre 2015 e 2019.
O deputado estadual Luis Zaráte, que apoiou Santiago Peña nas eleições de abril, atuou como advogado de 'Barriga' em caso de apreensão de drogas e armas na fazenda dos Mota
ReproduçãoQuando "Barriga" já estava preso, os Mota financiaram sua defesa, segundo o MPF. O advogado foi ninguém menos do que Luis Guillén Zaráte. Ex-deputado estadual do distrito de Amambay pelo Partido Colorado, Zaráte foi denunciado por prestar falso testemunho em um processo envolvendo outro narcotraficante da fronteira: Wesley Neres dos Santos, o “Bebezão”, considerado uma das principais lideranças do PCC na fronteira Brasil-Paraguai.
Segundo a denúncia, Zaráte ofereceu um álibi falso para tentar livrar Bebezão de uma acusação judicial. Como advogado, Zaráte também representou um grupo de traficantes ligados a Minotauro em um recurso oferecido à Suprema Corte do Paraguai.
Zaráte aparece nas mesmas imagens extraídas do celular do chefe de segurança de Motinha, Iuri Gusmão, no evento de novembro do ano passado que contou com a presença do presidente Santiago Peña.
Luis Zaráte observa o então candidato Santiago Peña, hoje presidente eleito, discursar em evento ocorrido em Pedro Juan Caballero em novembro do ano passado
ReproduçãoÁudios extraídos do celular de “Tonho da Mota”, revelados com exclusividade pela Record TV, mostraram uma troca de conversas entre ele e “Barriga”. Nelas, "Barriga" demonstra preocupação com a possibilidade de ser preso por um longo tempo pela denúncia de tráfico.
“A parada é feia hein, patrão”, comenta “Barriga” com “Tonho”. Ao que o patrão responde: “É feia, mas [...] pode ser resolvido. Nós estamos trabalhando para ser resolvido. Nós estamos trabalhando por outro lado, que você sabe qual que é, para ser resolvido. Então fica tranquilo”.
Para o MPF, essa conversa junto a outros indícios revela que os Mota estariam tentando recorrer à sua rede de relações no Paraguai para dar fim ao processo. Ainda não houve um desfecho na denúncia de “Barriga” passados mais de seis anos.
“Motinha” é hoje uma das pessoas mais procuradas da América do Sul. Já está incluído na chamada “difusão vermelha” da Interpol, a relação das pessoas mais procuradas pelas polícias do planeta. Segundo as denúncias que enfrenta na Justiça, ele é hoje a maior liderança do chamado clã Mota.
As autoridades brasileiras acreditam, porém, que ele nunca saiu do Paraguai. Informações de inteligência dão conta de que o traficante e seus familiares seguem na região de fronteira, possivelmente sob a proteção da polícia paraguaia. A julgar pelas relações políticas que os Mota construíram no país vizinho, que datam pelo menos desde a década de 1970, não é uma hipótese a ser descartada.
Antônio Claudio Mariz Oliveira, o advogado de Antonio Joaquim Mendes da Mota, o “Motinha”, disse que não se manifesta sobre casos em andamento. A defesa de Darío Messer declara que ele cumpre as obrigações firmadas com as autoridades em sua delação em agosto de 2020 e se recusou a dar entrevista.
Os advogados do ex-presidente Horácio Cartes no Brasil não quiseram dar entrevista à reportagem.
O ex-presidente e seu assessor de imprensa no Paraguai, Mariano Mercado, não retornaram aos contatos da Record TV.
Os políticos paraguaios Lalo Gomes e Luis Guillen Zaráte e o ex-promotor Hugo Volpe Mazo também não retornaram aos contatos da reportagem.
O advogado Luiz Renê Gonçalves do Amaral, que representa a família Mota nas acusações enfrentadas na Justiça Federal, afirmou, por meio de nota, que não comentaria as afirmações da reportagem relacionadas ao patriarca da família, Joaquinzinho da Mota.
Disse também que “a Família Mota preserva raízes nas cidades de Ponta Porã/MS e de Pedro Juan Caballero/Paraguai há mais de 50 [cinquenta] anos, [...] possuindo amizade e relacionamentos com lideranças empresariais, comerciais e políticas tanto no Brasil quanto no Paraguai; nunca se valendo delas para qualquer prática ilícita ou favorecimentos de qualquer natureza”.
Também afirmou que a defesa obteve o trancamento da Operação El Patrón, decorrente da Lava Jato no Rio de Janeiro, e que atualmente o patriarca da família, Antonio da Mota, responde a uma única ação penal em que o Ministério Público “se recusa a apresentar todos os elementos de prova que embasaram as infundadas acusações” e que ele provará sua inocência.
Veja a íntegra da nota da defesa abaixo:
Luiz Renê Gonçalves do Amaral, advogado, neste ato em representação de Antônio Joaquim da Mota, vem informar à imprensa que este foi alvo injustificadamente da denominada Operação El Patrón, deflagrada em novembro de 2019. Contudo, por decisões tanto do Tribunal Regional Federal da 2ª Região quanto do Superior Tribunal de Justiça, obteve o trancamento da ação penal e restou assim confirmada seu estado de inocência quanto às acusações irrogadas.
Antônio Joaquim da Mota também foi alvo da denominada Operação Helix, deflagrada em maio de 2023, mas sequer foi denunciado pelo Ministério Público Federal de Curitiba, órgão que representou pelo pronto arquivamento das acusações, em razão de absoluta ausência de qualquer envolvimento em organização criminosa de qualquer natureza ou participação em outros crimes investigados.
Atualmente, Antônio Joaquim da Mota responde apenas a uma ação penal que tramita em Ponta Porã/MS, mas que sequer teve iniciado o processamento em razão da resistência do Ministério Público Federal de apresentar todos os elementos de prova que embasaram as infundadas acusações. No momento oportuno, como já ocorrido com as citadas operações Patrón e Helix, terá seu estado de inocência consagrado.
Não comentaremos fatos noticiados pela imprensa, apenas indícios e provas devidamente formalizadas às autoridades competentes, sendo absolutamente imoral qualquer imputação de crime ao patriarca da família, Joaquim da Mota, falecido há mais duas décadas, ou qualquer ilação com relação a influências políticas com autoridades paraguaias que sequer são rés ou acusadas do cometimento de qualquer delito.
Registramos ainda que a Família Mota preserva raízes nas cidades de Ponta Porã/MS e de Pedro Juan Caballero/Paraguai há mais de 50 (cinquenta) anos, gozando de elevado prestígio e com incontáveis serviços prestados à sociedade fronteiriça, notadamente para o desenvolvimento da agropecuária na região, possuindo amizade e relacionamentos com lideranças empresariais, comerciais e políticas tanto no Brasil quanto no Paraguai; nunca se valendo delas para qualquer prática ilícita ou favorecimentos de qualquer natureza.
Neste ínterim, repisamos que a Família Mota está – e sempre esteve – à disposição das autoridades públicas tanto do Brasil quanto do Paraguai para prestar todo e qualquer esclarecimento que se fizer necessário para o restabelecimento de sua honra, infelizmente abalada pela deflagração de operação policial sem qualquer chance de esclarecimento prévio a respeito das infundadas suspeitas.
A verdade prevalecerá.
Campo Grande, 23 de agosto de 2023.
Luiz Renê Gonçalves do Amaral
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Produção e reportagem: Ciro Barros
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Conteúdo: Núcleo de Jornalismo Investigativo
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