Visitar o Parque Nacional da Serra da Capivara, no sudeste do Piauí, é viver algumas surpresas.
É perceber que ele fica numa região lindíssima dominada pela caatinga, uma vegetação tantas vezes demonizada por simbolizar seca e pobreza na região Nordeste.
Depois, vem a constatação de que estamos na maior e mais antiga concentração de sítios pré-históricos da América. E então, quando a gente começa a seguir as trilhas e conhecer os sítios arqueológicos e as pinturas rupestres nas rochas, é que a ficha cai. Estamos, na verdade, numa máquina do tempo. E é uma viagem que nos leva, primeiro, a 12 mil anos, o tempo estimado dos desenhos, a maior coleção do mundo. Depois, voltando ainda mais, numa espiral avassaladora, até 58 mil anos atrás.
A época estimada para os artefatos e vestígios de carvão que, provados pelas datações de carbono-14, formam os mais antigos registros da América.
Basta fechar os olhos e se deixar levar para um tempo em que os homens ainda não estavam no topo da cadeia alimentar e que, por isso, tinham que preparar as próprias ferramentas e armas para enfrentar animais da megafauna, como os felinos de dentes-de-sabre, ursos, mamutes e tantos outros bichos que hoje estão extintos.
Era preciso comer e evitar ser comido. Os planaltos, serras e vales, ancestrais e deslumbrantes, que guardam a herança de antigas civilizações, transformaram o Parque em Patrimônio Cultural da Humanidade pela Uesco. Não há como escapar da sensação de encantamento diante das figuras desenhadas nas pedras. E da sensação de que os artistas que desenharam cada animal, cada cerimônia, cada cena de luta e de caça, estavam pintando não para eles, mas para nós, no futuro. Histórias em quadrinhos que mostram com uma certa clareza o cotidiano das comunidades que viveram nesta região há milhares de anos.
Não há como não se emocionar com a pintura “o Beijo”, por exemplo.
E também com o símbolo do Parque, um veado-catingueiro desenhado com dois traços apenas... E o mais interessante de tudo é descobrir que tudo isso só existe pela tenacidade, resiliência e, por que não dizer, teimosia da arqueóloga Niède Guidon, que esteve na região na década de 1970. E apostou que tudo o que estava ali deveria ser cuidado e conservado como tesouro.
E acho que esta é a melhor definição para o Parque Nacional da Serra da Capivara. Um tesouro encravado no semiárido nordestino.
Planaltos, serras, vales, cânions ancestrais, desenhos primitivos, herança de antigas civilizações.
Estamos no Parque Nacional Serra da Capivara, sudeste do Piauí.
Um tesouro encravado no semiárido nordestino, que deixa os visitantes com vontade de quero mais.
O Parque foi oficialmente criado em 1979. Mas antes mesmo disso já tinha nascido na cabeça da arqueóloga e pesquisadora Niède Guidon.
Uma paulista, filha de pai francês e mãe brasileira. Ela veio de São Paulo depois de ouvir que havia desenhos primitivos nas pedras da caatinga. No mês que vem, ela completa 90 anos.
O que não falta a Niède é disposição. São quilômetros de subidas e descidas, de terra, de pedras, grutas, nada a fez desistir.
Ela convenceu o governo francês a enviar uma delegação arqueológica para analisar as pinturas.
Arqueóloga e pesquisadora, Niède Guidon é a idealizadora do parque
Reprodução/Record TVAs pinturas pré-históricas foram as primeiras a ser apresentadas a uma missão franco-brasileira, chefiada pela Dra. Niède Guidon, no início dos anos 70.
Ela percebeu de imediato a necessidade de construir uma estrutura que ajudasse a conservar os desenhos milenares.
Na mente da Dra. Niède, começava a nascer aí o Parque Nacional da Serra da Capivara.
Pelo seu valor histórico, em 1991 o parque foi declarado Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco, a agência das Nações Unidas para educação, ciência e cultura.
Um reconhecimento importante, porque no parque está a maior coleção de arte rupestre, pinturas pré-históricas, ao ar livre das Américas.
São 800 sítios arqueológicos catalogados, alguns nunca escavados.
As pinturas mostram que a Serra da Capivara foi densamente povoada na pré-história.
Equipe do 'Jornal da Record' encontra as famosas pinturas rupestres pré-históricas
Reprodução/Record TVAlém das pinturas nas rochas, vestígios de fogueiras, cerâmicas, as ferramentas encontradas em escavações permitiram aos pesquisadores identificar a presença humana há 58 mil anos na região da Serra da Capivara. Isso bem antes da teoria estabelecida sobre a chegada do homem ao continente americano.
Até estas descobertas, a hipótese mais aceita era a de que os primeiros humanos entraram há 15 mil anos, vindos pelo estreito de Bering, entre o que hoje são a Rússia e o Alasca, nos Estados Unidos.
A Dra. Niède Guidon não nega a tese.
Mas diz que as provas encontradas na Serra da Capivara mostram que o povoamento também teria se dado pelo mar, que há quase 60 mil anos tinha um nível mais baixo e mais ilhas.
Até bem pouco tempo atrás, os cientistas americanos contestavam as provas encontradas na Serra da Capivara porque, segundo eles, o material coletado seria apenas resquício de incêndios naturais, e não de fogueiras organizadas.
Mas a pesquisadora diz que hoje a situação é diferente. Ela garante que isso já mudou completamente. Já que nos Estados Unidos eles já têm datações muito antigas. À medida que avança a pesquisa, novas datas são descobertas, e tudo vai mudando.
Hoje, a região concentra pesquisadores, estudos e até uma universidade. Faz parte do legado comandado por Niède, que luta há cinco décadas pela criação e conservação do parque.
Quarenta e quatro anos depois da fundação, os pesquisadores ainda não têm o número exato de pinturas pré-históricas no Parque Nacional Serra da Capivara.
O que se sabe, ou se imagina, é que as histórias em quadrinhos ancestrais mostram até com uma certa clareza o cotidiano das comunidades que viveram nesta região há milhares de anos. São representações de animais em movimento.
As figuras humanas também são comuns, e muito expressivas, em atos do dia a dia, como rituais religiosos, cenas de caça e de luta.
O parque tem a maior e mais antiga concentração de sítios pré-históricos da América
Reprodução/Record TVNo Boqueirão da Pedra Furada, o local que concentra o maior número de pinturas pré-históricas do parque, são aproximadamente 1.200 desenhos.
Lá estão duas das mais famosas pinturas pré-históricas do parque. Uma delas, chamada de O Beijo, mostra duas figuras humanas que parecem se tocar com a cabeça.
Bem ao lado, a pintura que foi escolhida por votação entre os funcionários para ser o símbolo do parque da serra da capivara. É um veado em movimento.
Veja algumas das imagens encontradas pela nossa equipe:
Não há ninguém que venha aqui e não saia deslumbrado. Não foi diferente com nossa equipe. O parque tem 14 circuitos, que levam a vales e cânions deslumbrantes. Nós percorremos algumas trilhas e descobrimos vistas incríveis que vamos compartilhar com vocês agora.
Aperte o play e se prepare para suspirar com as imagens abaixo:
As aves são as mais fáceis de encontrar na Serra da Capivara. Mas a maioria dos bichos, só com um pouco de sorte.
Durante uma caminhada, cruzamos com o veado catingueiro e o cangambá.
E tivemos a chance de ver alguns animais raros e ameaçados de extinção, como o gato-mourisco e a jaguatirica.
Hoje, a presença humana já não é uma grande ameaça aos sítios arqueológicos da Serra da Capivara; aqui ninguém anda desacompanhado, e os guias são também guardiões.
Mas ainda é difícil ver o maior predador de toda a região do parque.
Desde 2016, o parque tem investido no controle das onças-pintadas, que num ambiente como a caatinga não costumam ter uma grande população.
Controle de onças-pintadas
Arte R7Mas, há milhares de anos, as onças deveriam ser em maior número aqui na Serra da Capivara. Não cruzamos com nenhuma delas durante a nossa reportagem.
Ainda bem. Assim podemos contar tudo o que vivemos nessa região deslumbrante a vocês.
E a Serra da Capivara não é feita só dos grandes animais.
Quem vai ao Parque Nacional da Serra da Capivara pode aproveitá-lo bem se a visita durar seis dias.
Além das pinturas pré-históricas e paisagens deslumbrantes, duas paradas são obrigatórias.
O Museu do Homem Americano, em São Raimundo Nonato, mostra a história das escavações arqueológicas que demonstraram a presença humana na região há quase 60 mil anos.
Lá você encontra instrumentos pré-históricos, ferramentas de pedras polidas e esqueletos.
No ano passado, o Parque Nacional da Serra da Capivara foi escolhido, por um jornal americano, como um dos 52 lugares do planeta onde a mudança para um mundo melhor está acontecendo e pode ser impulsionado através das visitações na região.
Só que ele foi o único lugar do Brasil nesta lista com apenas 28 mil visitantes em 2022.
Muitos moradores afirmam que o motivo dessa baixa procura é a dificuldade de acesso aos municípios que envolvem o parque.
O turismo ainda não é a principal fonte de recursos de São Raimundo Nonato.
Mas a cidade está se preparando para receber os turistas cada vez melhor.
Apesar de o Parque Nacional da Serra da Capivara ocupar parte do território de quatro municípios, São Raimundo Nonato, o maior deles em população, é o que oferece a melhor infraestrutura aos visitantes.
É que o aeroporto recentemente passou a receber voos comerciais, o que facilita a chegada de turistas e novos pesquisadores ao local.
A região recebeu ainda um campus da Universidade Federal do Vale do São Francisco, com o único curso de graduação de arqueologia do país.
Um centro de pesquisa também foi criado por uma ONG para preservar a memória dos povos da Serra da Capivara. A ideia é resgatar e eternizar a história da população que morava nas terras antes da fundação do parque. Essas pessoas moravam em casas de barro num povoado. Todas foram para outras regiões.
A ONG tem atividades extracurriculares lúdicas para os estudantes que aprendem a importância de ter o parque tão pertinho. A intenção é transformar esses jovens em multiplicadores de informações para preservar o meio ambiente brasileiro.
E quem sabe ter ainda mais defensores lutando pelo Parque da Serra da Capivara.
O repórter Ari Peixoto conversa com os estudantes que participam dos projetos da ONG
Reprodução/Record TVO Parque Nacional da Serra da Capivara, no sudeste do Piauí, ocupa parte do território de quatro cidades: São Raimundo Nonato, Coronel José Dias, Brejo do Piauí e João Costa.
Como chegar
Petrolina, em Pernambuco, fica a 300 km de distância. De lá, são cerca de 4 horas de carro até São Raimundo Nonato. É mais perto do que ir de Teresina, a 510 km. É possível alugar carro em Petrolina ou Teresina.
As duas cidades também contam com transfers privados.
O trajeto não pode ser feito de ônibus a partir de Petrolina, mas há linhas regulares em Teresina.
Desde dezembro, uma companhia aérea faz dois voos semanais para São Raimundo Nonato. Na quinta-feira, o voo sai do Recife, pousa em São Raimundo Nonato e depois segue para Petrolina antes de voltar ao Recife. No domingo, a rota é Recife-Petrolina-São Raimundo Nonato-Recife.
O avião é um ATR 72-600, com capacidade para até 72 passageiros.
São Raimundo Nonato é a cidade com melhor infraestrutura para se hospedar, ainda que algumas pousadas já recebam turistas em Coronel José Dias.
Horário
O Parque funciona das 6h às 18h, de segunda a domingo.
A entrada é gratuita.
O visitante tem que assinar um termo de responsabilidade e só pode entrar acompanhado por um guia. Vale lembrar que não dá para contratar guia na entrada do parque.
Dica: o melhor a fazer é já chegar lá com o profissional, que pode ser encontrado por intermédio do hotel onde o visitante ficar hospedado. Se você estiver de carro, o guia vai junto.
Como funcionam os museus
Museu Homem Americano: localizado em São Raimundo Nonato, custa R$ 30 (estudante e idosos pagam meia-entrada).
Museu da Natureza: situado em Coronel José Dias, custa R$ 40 (estudantes e idosos pagam meia-entrada).
Os dois funcionam de quarta a sábado, das 13h às 19h.
Informações extras
A visita à Oficina de Cerâmica, que fica em Coronel José Dias, fora do parque, pode ser feita de segunda a sábado, entre 8h e 13h, e das 14h às 18h. É possível ver os artesãos trabalhando e transformando a argila em cerâmica vitrificada. E comprar peças numa lojinha ao lado.
Na mesma área, um restaurante serve comida típica com preços bem razoáveis.
Aproveite para provar a Cajuína, bebida típica do Piauí, preparada a partir do suco de caju.
Acompanhe a viagem, as entrevistas com moradores, pesquisadores e estudantes na série especial do Jornal da Record; confira!
Equipe viaja até a Serra da Capivara, paraíso pouco explorado do sertão nordestino
Desenhos pré-históricos feitos em rochas levam turistas a uma viagem no tempo
Vida selvagem da caatinga é um show à parte na Serra da Capivara
Serra da Capivara é a grande aposta para impulsionar o turismo no interior do Piauí
Equipe do Jornal da Record na Serra da Capivara:
Equipe do Jornal da Record na Serra da Capivara: o cinegrafista Hugo Costa, o auxiliar Guilherme Carvalho e o repórter Ari Peixoto
Divulgação/Record TVDiretora de Conteúdo Digital e Transmídia: Bia Cioffi
Chefe de Redação: Patrícia Rodrigues
Coordenadora de Produção: Rosana Teixeira
Editora Executiva: Camila Moraes
Edição de reportagens da TV: Pedro Veloso
Edição R7 Estúdio: Cloris Akonteh (texto e vídeos) Luciano Lima (imagens)
Reportagens e texto: Ari Peixoto
Pauta: Amanda Binato
Coordenadores Transmídia: Bruno Oliveira e Juliana Lambert
Bianca Neves (analista de redes), Arnaldo Pagano (redator) e Tarsiane Santos (estagiária)
Coordenador de Arte e Criação Multiplataforma: Matheus Vigliar
Arte R7: Sabrina Cessarovice