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Tatiana Chiari, do R7

A primeira sensação foi de estranhamento. Nem Elza, nem os subordinados mais próximos estavam acostumados àquela imagem. Cabelo solto, blusa vinho, sapatilha baixa. Guardas à paisana e uniformizados faziam a segurança da comandante da GCM (Guarda Civil Metropolitana) com um misto de apreensão e curiosidade.

De repente, veio o primeiro abraço. E o segundo. Dezenas. Membros de plantão da Guarda Civil no centro de São Paulo finalmente reconhecem Elza Paulina de Souza, 52 anos, o mais alto posto da corporação. Para muitos ali foi o primeiro encontro com a mulher por trás da farda. Para a história foram os primeiros registros da comandante-geral da GCM sem o uniforme. E quase sem filtros.

O misto de surpresa e admiração foi a tônica do dia ao lado do R7. E o choro. Entrevistada e entrevistadora choraram (assista ao vídeo abaixo). Auxiliares, equipe técnica, assessores. Até o Secretário de Esporte do Município, Carlos Bezerra, foi pego pela emoção ao recepcioná-la no Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa (COTP) ligado à prefeitura. “Imaginava encontrar de tudo aqui, menos a comandante à paisana e com uma história de vida tão comovente”, disse.

Filha, me perdoe

"Eu tive um sonho e talvez a minha filha seja a única pessoa que eu tenha que pedir perdão por todos esses 33 anos de Guarda Civil. Por todas as escalas, por todas as vezes que não voltei para a minha casa, por todas as noites que eu fiquei na rua e ela teve que ficar na casa de alguém. O meu sonho era salvar vidas e salvar o mundo”. Foi assim que Elza abriu seu discurso de posse no simbólico 8 de março de 2019, Dia das Mulheres.

O pedido de perdão tem um longo histórico. Elza enfrentou tudo e todos quando se viu grávida já na GCM, aos 21 anos, sem estar casada e sem planejamento. Deu voltas e voltas no quarteirão perto da então Academia de Formação antes de comunicar a noíticia para seus superiores.

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Edu Garcia/R7

A decisão de encarar a maternidade nunca foi fácil. Por não ter com quem deixar a filha durante o expediente, muitas vezes contou com a ajuda de colegas para mantê-la no local de escala sem que os superiores soubessem da presença da criança. Algumas vezes, teve que escondê-la no banheiro. “Ouvi muitas vezes na minha história: ninguém mandou ter filho”, diz Elza.

“A instituição ainda carrega um traço muito machista, assim como a nossa sociedade. E como mulher a gente ainda tem que brigar muito e conquistar aquilo que a gente deseja.” Elza é hoje mãe e avó de uma menina de um ano e oito meses. Nem filha nem neta podem dar entrevista por questões de segurança.

"Ouvi muitas vezes na minha história: ninguém mandou ter filho"

Elza não só conquistou. Ela virou símbolo, e um exemplo para outras mulheres da corporação que tinham os sonhos limitados à função de inspetora. O prefeito Bruno Covas, que nomeou Elza para o cargo, diz que a presença dela no posto é emblemática. “Mostra que não há espaço que a mulher não possa ocupar. É uma dupla vitória, para o cargo e para as mulheres”, diz o prefeito ao R7.

Exemplo para outras

O prefeito acompanha o trabalho de Elza na Guarda Civil Metropolitana desde a implementação do programa Guardiã Maria da Penha, uma parceria com o Ministério Público que ajuda a combater a violência doméstica no município. As mulheres vítimas de agressões são acompanhadas e visitadas periodicamente. “A história da Elza fala por ela mesma. Uma história de luta, de resistência, de enfrentamento. E ela traz para o cargo uma gestão mais humanizada e de cuidados com mulheres e homens”, completa Covas.

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Arte/R7

Na corporação, o comando de Elza já é reconhecido. Ela nunca foi considerada uma inspetora soft. Conta que nunca fez o estilo “meiguinha”, mas também não quis se afirmar em excesso por ser mulher. “Nunca quis competir com os homens. Estou aqui para agregar e acho que nos somamos.”

O subcomandante-geral da GCM, inspetor Ferreira, segundo na hierarquia, concorda. “Além da questão profissional, tenho um profundo reconhecimento, uma profunda admiração pelo trabalho que a inspetora superintendente Elza desempenha aqui na Guarda Civil ao longo de mais de 30 anos", diz. "E ela à frente da instituição só vem alavancar e complementar aquilo que eu mesmo gostaria de fazer se eu fosse o comandante.”

A primeira de muitas

No dia de sua posse, Elza tentou adaptar o protocolo e fez um agradecimento emocionado ao Secretário Municipal de Segurança Urbana, José Roberto Rodrigues de Oliveira. “Obrigada por, em algum momento, ter pensado que era possível arriscar um pouco”, disse, com a voz embargada. As mulheres comandadas por Elza na GCM também agradecem.

A subinspetora Andréia conta que ainda enfrenta muito preconceito não só na instituição, mas também nos atendimentos à população. “Sempre acaba ocorrendo uma conversinha ou o próprio cidadão desacredita no trabalho, e aí temos que mostrar porque nós viemos de uma forma bem disciplinada, damos o atendimento, a assistência e assim por diante”, conta. “Mostramos o que viemos fazer.”

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Edu Garcia/R7

Marilene, que é aluna no centro de formação da GCM, conta que ter uma outra mulher no comando muda a perspectiva da carreira. “Eu também quero, eu também posso”, diz.

As subinspetoras Andréia e Adevania fazem coro. “Ela estar lá [na chefia] representa que não é impossível para nenhuma”, diz Adevania. “Uma mulher no comando traz uma motivação maior, uma gana da gente querer vencer, querer batalhar, correr atrás. Mostra que é possível”, completa Andreia.

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Arte/R7
A chefa

E há diferença numa gestão feminina dentro de uma instituição tão cercada de hierarquia e processos? A comandante acha que pouca. Os desafios da segurança pública são enormes e os recursos sempre menores do que as necessidades de uma cidade como São Paulo.

Com pouco mais de 6.200 agentes, a capital tem média de um guarda para cerca de 2.000 habitantes. No Rio de Janeiro, essa proporção é de um guarda para 867 pessoas. Além disso, equipamentos antigos e em má condição de uso são queixas antigas da corporação. Elza acredita que a atual gestão está sensibilizada nesse aspecto e que pode avançar nos próximos anos.

Mas a maior prova de que Elza pode estar errada quanto à expectativa da própria chefia está em suas próprias palavras. Pergunto quantas flexões ela pede para equipe “pagar” quando há algum problema, antigo hábito das corporações militares. “Peço quantas eu puder fazer junto. Porque se eles erraram, foi erro meu também. Normalmente 'pagamos' 40”, diz.

R7 (Arte R7)

R7

Arte R7

Direção de vídeo e texto: Tatiana Chiari
Edição: Leonardo Martins
Reportagem adicional: Deborah Giannini e Márcio Neves
Fotografia: Edu Garcia
Arte: Matheus Vigliar
Produção: Fernanda Biazini
Imagens: Bruno de Moura Lima
Edição de vídeo: Danilo Ferreira Barboza
Sonoplastia: Luciano Gonçalves

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