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Carol Malheiro*, do R7

O Brasil chega nas Paralimpíadas de Paris-2024 com a maior delegação da história, com 277 atletas e a expectativa de quebrar os recordes da última edição dos Jogos. Em Tóquio, a equipe nacional ocupou o sétimo lugar no quadro de medalhas, o melhor resultado do Brasil em um evento poliesportivo mundial. O país conquistou 72 medalhas, sendo 22 de ouro. O reflexo desse sucesso não é reconhecido apenas nos centros esportivos, mas também está presente no aumento da visibilidade e influência da competição.

“Eu tinha apenas aquele senso comum de ‘as Paralimpíadas são o campeonato que acontece depois das Olimpíadas’. Acho que comecei a conhecer melhor em 2016, no Rio. Agora, em 2024, participar de um evento dessa magnitude significa muito para mim. Toda essa rotina de treinamentos tem sido muito intensa, por isso, acho que a ficha ainda não caiu”, declara Daniel Xavier Mendes, atleta de natação da seleção paralímpica brasileira na categoria S6.

Daniel Mendes faz sua estreia nas Paralimpíadas de Paris-2024 (Alessandra Cabral / CPB - 13.07.24)

Daniel Mendes faz sua estreia nas Paralimpíadas de Paris-2024

Alessandra Cabral / CPB - 13.07.24

A delegação brasileira vai a Paris com um terço dos atletas estreantes. Um deles é Daniel, que não imaginava ser possível um menino do interior do Rio treinar e virar atleta.

Aos 3 anos, ele começou a praticar natação em Resende, no Rio de Janeiro, sob influência familiar, principalmente, do pai. Ainda criança, foi diagnosticado com uma doença degenerativa que o fez ter limitações nos movimentos dos membros inferiores. Hoje, ele vê a natação como parte fundamental de sua vida. Além de uma recomendação médica, o esporte tornou-se indispensável.

“A minha deficiência sempre foi algo secundário para mim. Tanto que eu não falava que era deficiente até conhecer o esporte paralímpico. Tinha essa visão mais arcaica. Não usava fila preferencial, não usava meus direitos. Não me sentia como uma pessoa com deficiência. Quando eu descobri o esporte paralímpico e conheci mais pessoas com deficiência, vi que isso era normal e tudo bem”, diz ele.

“O esporte mudou a visão que eu tinha de mim mesmo”

Daniel Xavier Mendes, atleta de natação da seleção paralímpica brasileira

A ideia de incluir pessoas com deficiência na comunidade esportiva surgiu nos anos 1940. O objetivo era reintegrar os sobreviventes da Segunda Guerra Mundial com algum tipo de deficiência física às atividades sociais por meio do esporte. Com a popularização dessa prática, os primeiros Jogos Paralímpicos foram organizados em 1960.

Já a primeira participação do Brasil nas Paralimpíadas aconteceu em 1972, quando o país levou apenas 20 atletas para Heidelberg, na Alemanha. Somente nas Paralimpíadas de 1976, em Toronto, o país conquistou a primeira medalha. Quando Robson Sampaio de Almeida, um dos responsáveis por trazer o esporte como meio de reabilitação para o Brasil, e Luiz Carlos “Curtinho” levaram a prata no lawn bowls, a bocha na grama.

A partir da criação do Comitê Paralímpico Brasileiro em 1995 e da regulamentação da lei que garante a acessibilidade às pessoas com alguma deficiência nos anos 2000, o esporte paralímpico começou a receber mais atenção.

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Arte/R7

“Nessa época, de Olimpíadas e de Paralimpíadas, as pessoas se sentem mais motivadas a procurar a atividade física. A motivação surge em todas as partes. As pessoas não sabem os limites delas. Se não forem estimuladas, talvez nunca tentem praticar uma modalidade”, explica o professor, mestre em ciência do movimento humano e doutor em educação física pela Unesp (Universidade Estadual Paulista) Milton Vieira.

Com um investimento de R$ 117 milhões, o Bolsa Atleta, programa do Governo Federal, patrocinou 95% dos atletas que fizeram parte da delegação das Paralimpíadas em Tóquio e trouxe resultados positivos com 72 medalhas.

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Arte/R7

Três delas — ouro, prata e bronze — foram conquistadas por Wendell Belarmino. Ele começou a nadar ainda criança, influenciado por Daniel Dias, uma das referências do esporte paralímpico nacional.

“Acredito que eu tenha me tornado uma inspiração, sim, para as pessoas depois de Tóquio. De vez em quando, recebo mensagens nas minhas redes sociais, as pessoas da minha equipe comentam que se inspiram em mim. Fico feliz. Porque isso mostra que elas estão percebendo que a deficiência não é o fim da linha. Elas podem fazer mais”, afirma Wendell.

Wendell Belarmino conquistou o ouro, a prata e o bronze nas Paralimpíadas de Tóquio-2020 (Miriam Jeske / CPB - 03.09.21)

Wendell Belarmino conquistou o ouro, a prata e o bronze nas Paralimpíadas de Tóquio-2020

Miriam Jeske / CPB - 03.09.21

Com a natação, ele ampliou seu ciclo social, trabalhou questões de disciplina e desenvolveu uma arte que poucos são capazes de reproduzir: a de se reerguer mesmo diante dos maiores desafios. Wendell sofreu uma grave lesão três meses antes dos Jogos de Tóquio e durante a competição enfrentou outra lesão no ombro.

“Pensei até em me aposentar, porque achei que não pudesse voltar a nadar bem”

Wendell Belarmino, atleta de natação da seleção paralímpica brasileira

“O médico me avisou que, talvez, eu precisasse operar e podia perder 30% de performance, praticamente a aposentadoria em alto nível”, recorda.

Com esforço, dedicação e apoio familiar, ele se recuperou e continuou a fazer o que mais gosta no mundo: nadar.

Para Milton Vieira, que, além de professor da Unesp, também é especialista em educação motora e prática pedagógica, o esporte é fundamental para desenvolver o princípio de coragem e de perseverança, além de melhorar a autoestima. “Aumenta a autonomia de deslocamento, a autonomia de pensar e a autonomia de executar as atividades diárias”, lista o educador.

E qual é a projeção para o futuro?

Em 2015, por meio de uma iniciativa educacional na Unesp, que visava analisar e compreender a inclusão no esporte, Milton Vieira criou um projeto de natação para pessoas com deficiência. Ele percebeu, ao longo do estudo, que o esporte era um caminho promissor para inclusão, mas que tinha um longo caminho a percorrer.

Segundo o educador, apenas 0,30% de todos os alunos matriculados na Unesp de Bauru, interior de São Paulo, são pessoas com deficiência, que se destacam em cursos na área de exatas.

De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2022, 9,1% da população brasileira possuem algum tipo de deficiência. No entanto, apenas 0,6% têm ensino superior completo, o que corresponde a 79.262 pessoas.

“São 357 medalhas brasileiras nas Paralimpíadas. Nós estamos indo para o 14º Jogos. Temos um grupo no Brasil de pessoas com deficiência, que é mundialmente reconhecido, só não é reconhecido no próprio país”, ressalta Milton.

Considerando apenas o ensino fundamental, os dados do Censo Escolar de 2023 apontam que houve um aumento de 41,6% no número de matrículas na educação especial desde 2019. Foram 1,7 milhão de registros e a maior concentração está no ensino fundamental, com 62,90% das crianças com deficiência matriculadas em uma escola.

“Já encontramos uma melhora grande em comparação às últimas décadas, mas continua longe do ideal. A legislação dos anos 2000 ajudou a incluir mais pessoas com deficiência na educação, o fluxo tende a aumentar, mas esse reflexo vai demorar algumas décadas para chegar na universidade. O esporte é um caminho, mas ainda é necessário que as atividades físicas estejam mais presentes nas escolas, por meio das aulas de educação física, e que o esporte universitário ganhe mais reconhecimento e apoio. Precisamos de mais projetos nessa área.”, explica o professor.
 
Para Ricardo Macéa, um dos fundadores e diretor-executivo do Instituto Remo Meu Rumo, os brasileiros vivem em um país com pouco acesso ao esporte. Em que para muitas pessoas é difícil frequentar um clube ou uma associação que ofereça estrutura, recursos e atendimentos adequados para a prática de atividades físicas.

“As crianças que chegam ao Remo Meu Rumo estão passando por um momento de muita dor e de reabilitação. Muitas vezes, se encontram em um período pós-cirúrgico e vivem uma situação emocional muito extrema, convivem com o bullying na escola, com apelidos indesejados. Muitas vezes, essas crianças acabam deixando a escola por conta disso. O nosso objetivo é que os alunos passem a se sentir mais confiantes, mais autônomos por meio da prática de um esporte pouco acessível para a maioria deles, como é o remo e a canoagem”, afirma Ricardo.

O Instituto Remo Meu Rumo viabiliza a prática de remo e de canoagem adaptada para jovens com deficiência física desde 2013 — e formou atletas como Victor Almeida, nadador de apenas 16 anos que disputará sua primeira Paralimpíadas em Paris, e Anael de Sousa Oliveira, que mais tarde migrou para o futebol de cegos.

Victor Almeida faz sua estreia nas Paralimpíadas de Paris-2024 com apenas 16 anos (Alessandra Cabral / CPB / 01.09.23)

Victor Almeida faz sua estreia nas Paralimpíadas de Paris-2024 com apenas 16 anos

Alessandra Cabral / CPB / 01.09.23

Em parceria com o Instituto de Ortopedia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, a associação já atendeu mais de 800 jovens e compartilhou a história de alguns deles em um livro que tem o mesmo nome do instituto.

Apesar do foco da associação não ser a formação de atletas profissionais, Ricardo destaca as oportunidades que as competições oficiais podem trazer para além do esporte.     

“Que as crianças possam conhecer o esporte”

Aos 17 anos, quando Daniel Mendes ainda não sonhava em nadar profissionalmente, foi convidado para participar das Paralimpíadas escolares e treinar na capital fluminense.

O bom desempenho rendeu a ele uma bolsa de estudos de 100% na faculdade de direito. Com isso, ele deixou a pequena Resende e se mudou para Rio de Janeiro. Atualmente, divide o seu tempo entre as piscinas e as salas de aula.

“Sou padrinho de um projeto de natação adaptada na minha cidade, o Firjan Sesi, que atende, na maioria, pessoas com deficiência intelectual, mas também as visuais e físicas. Ter esse começo no interior, ainda mais comigo sendo padrinho, significa muito para mim. Que essas crianças possam conhecer o esporte antes de mim”, diz Daniel.

Ainda há uma grande jornada a ser percorrida e muitas vitórias a serem conquistadas. Mas é fato que a ação do esporte mudou e continua a mudar a percepção das pessoas com deficiências não somente diante da sociedade, como também de si.

“Eu sempre tive um objetivo bem claro de ir para as Paralimpíadas, custasse o que fosse. E conseguir focar no seu objetivo depende 99% de você, mas também de um suporte de família, de amigos e de profissionais da área. O esporte é o caminho, é o que eu faço todos os dias não só como profissão, mas como paixão”, conclui Wendell Belarmino.

*Sob supervisão de Thaís Sant'Anna


Diretora de Conteúdo Digital e Transmídia: Bia Cioffi
Reportagem: Carol Malheiro
Edição: Thaís Sant’Anna e Carla Canteras
Coordenação de Arte: Adriano Sorrentino
Arte: Sabrina Cessarovice
Gerente de Produção Audiovisual: Douglas Tadeu
Coord. de Vídeo e Prod. de Conteúdo: Danilo Barboza
Produção Audiovisual: Julia de Caroli
Edição e Finalização:
 Caique Ramiro