A Banqueira dos Pobres - R7 Estúdio - R7 R7 Estúdio
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Ana Paula Pedrosa, da Record Minas, e Pablo Nascimento, do R7

Era uma manhã de sábado ensolarada em Belo Horizonte. Cerca de vinte alunos se reuniram para quatro horas de aula sobre educação financeira. Seria uma cena bem corriqueira, se acontecesse nas salas de uma escola ou universidade e com alunos que tiveram a oportunidade de se preparar por um bom tempo para ocupar este espaço.

O encontro, no entanto, aconteceu na sede de um projeto social, em um espaço com cadeiras de plástico e um telão. Na plateia, olhos atentos e curiosos de quem ouvia pela primeira vez que mesmo com pouco estudo e quase nenhum recurso seria possível mudar de vida: os alunos eram moradores ou ex-moradores de rua.

"Quando eu era mais jovem, eu não tive a oportunidade de ter esse curso e nem de ouvir falar sobre ele", conta Alan Plácido Soares, servente de pedreiro e coletor de recicláveis que vive debaixo de marquises da região central de BH.

Alan Plácido sonha em comprar instrumentos para ser pedreiro (Pablo Nascimento / R7)

Alan Plácido sonha em comprar instrumentos para ser pedreiro

Pablo Nascimento / R7

O projeto acontece graças ao encontro de duas histórias: a de um economista de Bangladesh, no Sul da Ásia, vencedor de um prêmio Nobel da Paz, e a de uma ex-bancária baiana que mora em Belo Horizonte desde a adolescência. A relação? O sonho de estimular pequenos negócios e reduzir a pobreza por meio de empréstimos bancários bem pequenos.

A empreendedora social Elis Regina, de 57 anos, pegou dinheiro do próprio bolso para criar um banco social e ajudar pessoas que desejam empreender.

"Eu sou sonhadora. Meu sonho é mostrar para as pessoas que é possível recuperar trabalho, renda e dignidade. Eu tenho o sonho de chegar em um ponto onde todos os nossos cidadãos tenham dignidade de uma casa, de comer, de ter um trabalho", conta.

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Pablo Nascimento / R7

Elis chegou a Belo Horizonte aos 14 anos para estudar e trabalhar. Começou em uma ótica, mas fez carreira em banco, chegando ao cargo de executiva de uma instituição norte-americana.

Ela poderia ter se aposentado na carreira, com um bom salário e uma vida confortável, mas mudou o rumo não só da sua, mas da vida de muitas pessoas depois que o livro O Banqueiro dos Pobres despertou nela a vontade de financiar pessoas que não tinham acesso ao crédito convencional.

A obra foi escrita pelo professor Muhammad Yunus, o economista do Bangladesh que criou o sistema de microcrédito e ganhou o Nobel da Paz de 2006 pelos reflexos que a fórmula produziu em todo o mundo.

A modalidade de empréstimo busca facilitar o acesso a recursos aos mais pobres. Ele pode ser usado para reformas, pagamento de contas e, principalmente, para o desenvolvimento de negócios.

A diferença no modelo está no valor e na acessibilidade. São quantias pequenas, que costumam variar de R$ 100 a R$ 1.500. O juros cobrado fica próximo de 1%. E o comprovante de renda não é uma exigência.

Elis conheceu a obra de Yunus e decidiu seguir os passos dele. Pegou R$ 10 mil do acerto trabalhista e criou o Banco Liberdade, uma instituição social que empresta valores bem pequenos. O público-alvo são pessoas que querem um negócio próprio, mas não conseguem oferecer as garantias necessárias para um empréstimo convencional.

"São pessoas que não têm acesso nenhum a crédito. São desbancarizadas, pessoas que algum dia usaram crédito, se perderam, ficaram com o nome negativado e não passam no funil de crédito nem dos bancos digitais nem dos grandes bancos", detalha.

O banco social não tem como objetivo alcançar lucros, como as instituições financeiras tradicionais. Entenda abaixo as características destes negócios:

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Arte / R7

Em dez anos, o Liberdade financiou cerca de 500 negócios e tem inadimplência menor que 1%. Antes de conceder o empréstimo, a equipe do banco faz pequenos cursos de educação financeira aos interessados. Depois, eles oferecem uma mentoria que ajuda a garantir o sucesso do negócio.

Minha inadimplência é quase zero. Até hoje, duas pessoas não pagaram, mas nós perdoamos a dívida porque elas ficaram doentes.

Elis Regina, do Banco Liberdade

“A pessoa paga porque ela sabe que daí a pouco ela pode pegar mais dinheiro. Além disto, a gente desperta nela o sentimento de solidariedade e compartilhamento. O atendido sabe que aquele dinheiro serviu para ele e pode ajudar outros", completa.

Depois de ministrar dezenas de cursos para moradores de vilas e favelas e outras pessoas em situação de vulnerabilidade, Elis encara atualmente o que ela chama de seu maior desafio: inserir moradores e ex-moradores de rua no mundo do empreendedorismo. O curso que o Alan Plácido participou na região leste de Belo Horizonte é um dos caminhos para isto.

Cerca de 20 pessoas participaram do treinamento. Agora, elas se preparam para estruturar seus negócios. Ao final do projeto, algumas delas vão receber um empréstimo do banco Liberdade para tirar projetos do papel e criar fontes de renda.

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Pablo Nascimento / R7

Alan ainda está em situação de rua e conta as horas para conseguir dinheiro suficiente para comprar ferramentas de pedreiro. Ele quer conseguir um lar fixo, como a costureira Andrea Maria do Carmo, de 50 anos. Durante o curso, ela contou a reportagem que saiu da situação de rua com a ajuda de um projeto social. Agora, busca ajuda para comprar a própria máquina, linhas e equipamentos para formalizar um pequeno negócio.

Conheça a história deles e veja como o professor Yunus avalia o modelo do microcrédito no vídeo abaixo:

É difícil calcular quantas pessoas já foram impactadas pelo microcrédito no mundo, mas só a Yunus Negócios Sociais, empresa social do criador do microcrédito, já investiu o equivalente a R$ 100 milhões nos países onde atua.

O modelo criado no interior do Bangladesh percorreu o planeta e chegou aos bancos das universidades. Na FGV, Fundação Getúlio Vargas, uma das instituições de ensino mais respeitadas do Brasil, a professora Carla Beni ressalta a importância da fórmula para a economia.

"É muito importante entender que o sistema financeiro de uma forma geral tem por função fornecer crédito. Só que quando você tem um sistema financeiro que o objetivo central dele é o lucro próprio dentro dessa operação e fornecer crédito em uma escala mais para quem não precisa do que para quem realmente precisa, você acaba gerando uma distorção", critica.

"Conseguir chegar com o crédito em um valor acessível, que a pessoa consiga honrar o compromisso, em períodos muito curtos, para uma população que tem uma ausência de educação financeira, tem uma ausência de acesso ao crédito, é o grande diferencial do microcrédito", completa.

As 152 moedas brasileiras

O microcrédito ganhou características próprias em cada país em que foi implantado. Uma delas surgiu no Brasil e conseguiu fortalecer o consumo e a venda local. A estratégia? A criação de moedas sociais que só podem ser usadas em determinadas regiões. Atualmente existem 152 espalhadas pelos 27 estados. Todas são reconhecidas pelo Banco Central, assim como o Real.

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Divulgação / Banco Palmas

A ideia surgiu em 1998 com o Banco Palmas, no Ceará. Na época, 97% de tudo que os moradores compravam vinha de fora do Conjunto Palmeiras, a comunidade onde o banco foi criado.

Com empréstimo feito em uma moeda que era aceita apenas para comprar na comunidade, o comércio local cresceu e prosperou. Hoje, ele responde por 80% de tudo que os moradores consomem. Assim, surgiu a primeira moeda social brasileira.

De acordo com a Secretaria Nacional de Economia Popular e Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego, o modelo de negociação movimentou R$ 1 bilhão em 2023. O segredo por trás do recurso você confere no podcast abaixo:

NOTA: Ao final da produção deste especial, o economista Muhammad Yunus, de 83 anos, condenado por violar a legislação trabalhista por supostamente não criar um fundo de assistência social aos funcionários. A decisão cabe recurso. Yunus, que venceu o Nobel em 2006 por tirar milhões de pessoas da pobreza ao conceder microcréditos, alega ser vítima de perseguição política.


Reportagem: Ana Paula Pedrosa e Pablo Nascimento
Imagens: Arley Lima e Edmar Dutra
Arte: Adriano Sorrentino e Gabriela Lopes Oliveira
Produção de conteúdo audiovisual: Ellen da Silva e Julia Vizioli
Coord. vídeo e produção de conteúdo: Danilo Barboza
Gerente de produção audiovisual: Douglas Tadeu
Chefia de redação em Minas Gerais: Adriana Viggiano e Flávia Martins y Miguel
Direção de jornalismo em Minas Gerais: Marco Nascimento
Direção de Conteúdo Digital e Transmídia: Bia Cioffi

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