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Julia Girão* e Yasmim Santos*, do R7

Refúgio é o "lugar para onde se foge para escapar de um perigo" e "aquilo que serve de amparo, de proteção". Esses são os significados que aparecem após uma breve pesquisa sobre o termo no Google. Para as pessoas diagnosticadas com TDI (transtorno dissociativo de identidade), esse refúgio acontece dentro da própria mente.

A principal característica da condição é a presença de duas ou mais identidades em uma única pessoa, que se manifestam em períodos e de maneiras diferenciadas.

“O paciente assume outros tipos de identidade, com alterações de gênero, comportamento, voz e até mesmo memória”, explica Pedro Daniel Katz, chefe da área de psiquiatria da BP — A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

O TDI é causado por experiências traumáticas intensas em qualquer período da vida, como abuso sexual na infância, violência na adolescência ou algum acontecimento marcado por um forte sentimento de medo.

Por isso, a condição funciona como um mecanismo de autodefesa. “A pessoa se identifica de determinada forma e vai mudar essa forma de identificação. Então, a princípio, ele [a pessoa com TDI] vai ser um adulto, uma mulher ou um jovem, mas pode ainda criar uma identidade de criança ou de idoso, e assim sucessivamente”, exemplifica José Brasileiro Dourado Júnior, médico psiquiatra forense associado da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).

No início, essa identidade aparece apenas como um amigo imaginário, com quem se consegue conversar e brincar. Com o passar do tempo, esse amigo não some. Apesar de não ser um incômodo, a pessoa sabe que ele não deveria estar ali.

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Esse foi o caso de Thais Lima, 27 anos, e Giovanna Blasi, 21. Elas se reconhecem, respectivamente, como sistema Orquestra e sistema Resiliência. Sistema é a palavra usada para denominar todas aquelas identidades que habitam o mesmo corpo e será citada muitas vezes ao longo desta reportagem.

Geralmente, uma pessoa com TDI possui uma ou duas identidades. Mas isso pode se agravar, gerando dezenas delas. É esse o caso de Thais.

Ela não se lembra de uma parte da vida em que não estivesse acompanhada de Yummii, uma jovem de cabelo roxo. Depois de muito pesquisar, percebeu que, na realidade, tratava-se de um alter (também chamado de identidade). No fim de 2018, recebeu a confirmação de um psicólogo.

Descobriu então ser o que essa comunidade de múltiplas identidades chama de núcleo — o alter que se reconhece com o corpo e a história. Isso significa que Thais foi a primeira pessoa do sistema. Porém, ela não é a que passa mais tempo no controle.

Yummii é a host. É ela quem toma a maioria das decisões do conjunto de identidades, como a profissão e o ciclo social. Mas isso não quer dizer que ela é individualista; pelo contrário, o sistema tenta sempre entrar em consenso.

Foi assim com a escolha de começar o curso de psicologia (estão no 2º ano) e de expor nas redes sociais um pouco da rotina com o TDI.

Essa boa relação e troca de informações têm de existir, já que a condição é acompanhada de níveis de amnésia dissociativa — uma identidade não consegue lembrar o que a outra, que esteve no controle, fez.

Em níveis amenos, as identidades conseguem compartilhar essas memórias. Já em casos extremos, quando uma identidade assume o controle, ela não se lembra de nada do que aconteceu anteriormente.

Hoje, Thais convive com pouco mais de 40 identidades. O sistema consegue levar uma vida funcional, equilibrando a rotina profissional, o noivado e os estudos. Quando não há gatilhos externos ou uma situação de estresse, as trocas permanecem sob controle.

Dalete Parucci, uma das primas dela, lembra que a sensação que teve quando Thais contou sobre o transtorno foi de alívio. “Sabíamos que ocorria algo diferente, [mas] a gente não sabia identificar o que era”, diz.

Com a noção de que se tratava de TDI, a família conseguiu passar a identificar quem estava no front e com quem estava conversando. Também aprendeu a se adaptar às preferências de cada identidade, o que tornou a situação “completamente natural e normal”.

Giovanna Blasi, 21 anos, chegou a ser demitida do trabalho 
 (Arquivo pessoal)

Giovanna Blasi, 21 anos, chegou a ser demitida do trabalho

Arquivo pessoal

Já Giovanna convive com 18 identidades — contando com ela própria. A jovem sofreu algumas violências físicas na infância e, a partir disso, começou a se desconectar da realidade em que vivia. “Começaram a aparecer para mim como personagens na minha cabeça, porque tinham a sua forma de falar, o seu jeito, só não tinham nome", lembra.

Esses "personagens" foram surgindo, como ela conta, "conforme fui sofrendo outros traumas" e passaram a influenciar seu jeito de falar e sua forma de agir, mesmo que não fosse de uma maneira consciente.

Em 2022, após anos “fingindo que nada estava acontecendo” e sem compartilhar o que sentia com a família, Giovanna percebeu que não podia mais ignorar os sintomas. A troca de identidades começou a ocorrer de forma constante, e ela chegou a ser demitida do trabalho.

“A gerente falou que eu estava com um comportamento que não dava para trabalhar na empresa, que eu tinha que me tratar.”

Laudo médico de Giovanna aponta amnésia dissociativa
 (Arquivo pessoal)

Laudo médico de Giovanna aponta amnésia dissociativa

Arquivo pessoal

Giovanna estava em crise dissociativa (quando as mudanças acontecem frequentemente e de forma incontrolável). Ela passou a "trocar de identidade 14 vezes por dia, no mínimo".

Foi após o ex-namorado perceber essas trocas constantes, com os amigos e a mãe de Giovanna, e alertá-la sobre a situação que ela conseguiu dar os primeiros passos rumo ao diagnóstico.

"Depois de três meses de tratamento na psiquiatra, [em novembro de 2022], de fato, ela deu o diagnóstico de TDI", diz.

Com o tratamento especializado, Giovanna parou de reprimir as identidades, passou a conversar com elas e a ter o controle das trocas.

O processo de descoberta

O caminho trilhado por Giovanna e Thais é o mesmo que o de outra pessoa com o transtorno ouvida pela reportagem. Ela preferiu se identificar apenas como sistema Khaós. Antes de se descobrirem com a condição, todas as identidades dessa pessoa sofriam com os sintomas do TDI.

“Quando fizemos 12 anos, os sintomas começaram a ficar muito mais claros, só que a gente não tinha ideia do que era, tanto que achávamos que era algo normal, que todo mundo passava por dissociação, por despersonalização, sentia-se fora do corpo e sentia que não estava sendo controlado por si próprio”, conta.

O primeiro contato com a comunidade múltipla aconteceu aos 15 anos, de forma online. No ano passado, já com 17 anos, a suspeita de TDI foi finalmente confirmada por um psicólogo e por um psiquiatra.

Khaós ainda não tem certeza do número de identidades que carrega, já que o tratamento é recente, mas há quatro mais ativas: Mercy, Vlad, Jean e Evan.

Mercy, 17 anos, é a host, ou líder. É descrita como “bem mais emotiva e amigável, comparada aos outros”. Gosta de ler livros e ver séries. Vlad, 19, é quem organiza as informações e a rotina do sistema, como as questões financeiras e o trabalho. “Ela é muito fechada e lida com situações mais sérias. Mas é paciente e tolerante — seu humor não se altera com muita facilidade.”

Jean, 24, é o protector. Ele intervém em casos de briga, tanto física quanto verbal. “Ele não é muito de conversar com as pessoas, gosta de ficar no próprio canto.” Por fim, Evan, 27 anos, é quem cuida dos estudos. “É como se ele fosse um velho. Gosta muito de conversar e de plantas.”

Com a psicoterapia, o sistema está em processo de adaptação e de aprimoramento da funcionalidade. As trocas ainda acontecem majoritariamente por gatilhos, sejam eles positivos, sejam negativos. “Por exemplo, o gato é um gatilho positivo. Ele atrai uma alter criança [do sistema]”, descreve.

No caso de Thais, um dos gatilhos positivos é o noivo, Alexsander. As três identidades que se relacionam efetivamente com ele estimulam a troca.

A forma de levar uma vida funcional é, inegavelmente, com ajuda especializada. Isso porque o TDI é um transtorno complexo e que vem, comumente, acompanhado de outras comorbidades, como depressão e ansiedade.

Como a condição não tem cura, o sistema tem que estar em harmonia para evitar crises dissociativas. Há também outros sintomas que podem estar relacionados, como acontece com Khaós, que tem muita dor de cabeça, mal-estar e tontura durante as dissociações.

“Algumas trocas acontecem em um minuto; em outras, passamos dez minutos sentados, dissociando, tentando controlar a troca e organizar quem está no controle”, lembra.

O tratamento mais disseminado, para aprender a lidar com as situações citadas anteriormente, é a psicoterapia. Ela consiste em um conjunto de estratégias e técnicas usadas pelo psicólogo para que as pessoas lidem com as emoções e os sentimentos.

“O objetivo da terapia no TDI é promover a integração das identidades e melhorar a comunicação entre elas, para, dessa forma, alcançar a harmonização interna e a redução do sofrimento psicológico. A terapia é fundamental para fornecer suporte e estratégias de enfrentamento, a fim de lidar com os sintomas e os desafios associados ao TDI”, afirma Fabiano de Abreu, mestre em psicologia, pós-doutor em neurociências pela Universidade da Califórnia e membro da Society for Neuroscience e da APA (American Philosophical Association).

Só o psicoterapeuta vai conseguir falar com cada identidade de forma separada. No headspace (lugar na mente onde as identidades habitam), elas conseguem se comunicar. Mas é apenas com a terapia que as necessidades individuais dos alters ficarão claras.

“Claro, continuará sendo uma patologia, mas, sob controle, ela não tem todo o impacto negativo que teria sem o acompanhamento correto”, complementa Abreu.

Há a possibilidade de o tratamento unificar todas as identidades (transformá-las em uma), porém há casos em que isso não acontece. Portanto, o equilíbrio entre os alters é fundamental.

‘O processo de fragmentação no TDI pode ser doloroso’

Em outra breve pesquisa no Google, pode-se descobrir que prisão é o “ato ou efeito de prender; captura, aprisionamento, detenção”. No TDI, essa palavra tem relação com o processo doloroso de fragmentar — e de sempre estar submetido a essa possibilidade.

A criação de uma nova identidade impacta diretamente a mente do paciente. “Pode causar desconforto emocional, isolamento e dificuldades no funcionamento diário”, diz Abreu.

E não há um limite de identidades que podem ser criadas. Como complementa o especialista, é uma resposta constante do cérebro a “traumas e experiências desafiadoras. A quantidade de identidades varia de pessoa para pessoa, podendo ir de duas a dezenas”.

Até mesmo os traumas do passado podem continuar influenciando novas fragmentações — os chamados flashbacks podem induzir o processo dissociativo. E não há segredo. Para prevenir esse processo, só há um caminho: terapia.

Essa prisão também pode ter outro significado: estar fadado ao preconceito. Produções cinematográficas, como o filme Fragmentado, lançado em 2017 pela Universal Pictures, e a série Cavaleiro da Lua, feita pela Marvel em 2022, reforçam estereótipos equivocados do transtorno.

‘Sua filha não vai sair por aí matando’

Na trama da Universal, Kevin Wendell Crumb é um ex-funcionário de zoológico diagnosticado com TDI que vive com 23 identidades.

Uma delas sequestra três adolescentes a fim de sacrificá-las para uma suposta 24ª personalidade — “a coisa”. O longa é ótimo para quem quer assistir a uma boa produção no domingo à tarde, já que conta com uma boa trama, além da atuação impecável de James McAvoy.

Mas a opinião dos especialistas e das pessoas que vivem com o TDI entrevistados pela reportagem é unânime: o filme é um dos fatores que contribuem para o preconceito contra o transtorno, além de toda a intolerância histórica com questões mentais.

O sistema Khaós conta que, quando recebeu o diagnóstico, estava no consultório com a mãe. O psiquiatra precisou intervir e sinalizar que “não, sua filha não vai sair por aí matando, cometendo crimes nem agredindo pessoas [porque tem TDI]. Isso é algo puramente da mídia”.

O transtorno é quase sempre associado a outros tipos de transtorno de personalidade que também são estigmatizados, como o de personalidade antissocial, popularmente conhecida como psicopatia e sociopatia.

“Se uma pessoa acabou de ver Fragmentado e nunca pesquisou nada sobre TDI, a primeira visão que ela vai ter é justamente de que somos pessoas perigosas”, afirma o sistema Khaós.

Para o psiquiatra Pedro Daniel Katz, os estigmas englobam todas as manifestações de humor e comportamento porque fogem da compreensão das pessoas e saem do senso comum.

“É um preconceito que as pessoas recebem de que as manifestações que alteram humor, comportamento e emoções teriam uma origem somente emocional, o que não é verdade. Então, quanto mais falamos sobre a origem múltipla, mais conseguimos diminuir o estigma”, opina o especialista.

Não existe uma cura para o transtorno, mas, a partir do momento em que a pessoa tem o diagnóstico e inicia os tratamentos, a qualidade de vida dela aumenta muito, e o paciente tem uma vida “normal”, como qualquer outra pessoa, segundo Katz.

“O paciente consegue atingir uma boa integração entre as identidades e aumenta a capacidade de funcionamento.”

A principal forma de lidar sem estigmas com o TDI, de acordo com Abreu, é ter empatia e respeito. “O primeiro passo é entender a condição. Por isso, algumas vezes os parentes fazem parte do tratamento — seu apoio e compreensão são importantes para a evolução do paciente.”

Dalete, prima de Thais, acrescenta que procurar saber mais sobre a história do sistema é essencial. A chave para isso são o diálogo e a compreensão.

“Os familiares e amigos têm um papel fundamental no suporte e na recuperação de uma pessoa com TDI. Sua compreensão, paciência e apoio emocional podem ajudar o indivíduo a lidar com os desafios decorrentes do transtorno”, relata Abreu.

A desconfiança com relação ao transtorno, possivelmente, é uma das razões da escassez de relatos de casos. Ele só se tornou um diagnóstico oficial da Associação Americana de Psiquiatria em 1980, por exemplo.

Também por isso o transtorno possa ter passado despercebido em uma figura histórica e importante: Fernando Pessoa.

As várias ‘Pessoas’ de Fernando

Existem estudos científicos que tentam explicar a multiplicidade de perspectivas que o autor Fernando Pessoa, um dos escritores portugueses mais aclamados do modernismo, adotou em vida.

Há teóricos que afirmam que ele tinha TDI e, por isso, criou os heterônimos Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Álvaro de Campos, por exemplo. Essa ideia de fingir ser outra “Pessoa” marcou toda a carreira do escritor.

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Estima-se que Fernando tenha assinado com cerca de 136 nomes durante toda a vida, de acordo com o livro Pessoa: uma Biografia, escrito por Richard Zenith e lançado no ano passado. Cada heterônimo do autor português tinha personalidade, características e estilos poéticos próprios.

Ricardo Reis, por exemplo, foi criado para os poemas que tratavam, principalmente, de temas como efemeridade e amor, enquanto Alberto Caeiro, uma das principais identidades, era adepto do verso livre e vivia no meio rural.

Para o professor de literatura Fernando Marcílio, do Anglo São Paulo, é perfeitamente explicável, de um ponto de vista artístico, o comportamento do autor. “Acho que o Fernando Pessoa criou esse teatro para que elas [as identidades] fossem entendidas como tal. De alguma forma, os estudos científicos encaram essa multiplicidade como algo sério”, diz.

Ainda assim, Marcílio, que é formado em teoria literária pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), diz que não dá para afirmar que Fernando Pessoa tinha TDI, mas que “ele faz um mergulho na racionalidade humana e buscou, talvez, uma utopia psicológica e psicanalítica de dar voz aos diversos seres que temos dentro de nós”.

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Na mesma época em que Pessoa deixava um legado na literatura, Sigmund Freud, considerado o pai da psicanálise, fazia estudos sobre a fragmentação do indivíduo e a “crise de identidades".

Para o psicanalista, à medida que os símbolos e a representação cultural se transformam, o indivíduo se adapta: cria identidades temporárias, de forma inconsciente, para se inserir no novo contexto. É um mecanismo mental que diverge do TDI por não envolver uma pessoa totalmente diferente, mas sim uma nova versão de si.

“O Fernando Pessoa se insere dentro desse contexto de fragmentação do indivíduo. […] Eu acho que ele não apresentou diferentes identidades, mas sim diferentes formas de ver a vida. Para mim, Pessoa tinha uma concepção mediúnica dele próprio”, argumenta. 

A importância do cuidado

De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde) e o Ministério da Saúde, o suicídio é a quarta principal causa de morte no Brasil entre os jovens de 15 a 29 anos. Ele é considerado o segundo motivo de mortes entre jovens no mundo todo — fica apenas atrás das provocadas por acidentes de trânsito.

Os números são alarmantes: em todo o mundo, os casos de suicídio chegam a 800 mil no ano. Segundo a OMS, a taxa vem diminuindo, mas os países das Américas vão contra a tendência. No Brasil, por exemplo, os registros se aproximam de 14 mil casos anuais, ou seja, em média 38 pessoas tiram a própria vida diariamente.

Com a proximidade do Setembro Amarelo, mês de conscientização sobre o tema, a importância de falar e valorizar os cuidados com a saúde psíquica se torna ainda mais evidente.

O TDI é um em uma extensa lista de doenças que causam sofrimento mental. Giovanna e Thais são exemplos de jovens que lidam com o transtorno e ainda com outras comorbidades adjacentes, como a depressão. Khaós, por exemplo, também trata ansiedade e TDAH, o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade.

Para Adriana Haberkorn Iavelberg, psicóloga do hospital Moriah, essas condições são fatores de risco para o suicídio.

“A grande maioria desses episódios [de suicídio] poderia ser evitada. Grande parte deles está relacionada a alguns transtornos mentais que são tratáveis, como a depressão, o transtorno dissociativo de identidade, o transtorno bipolar, o abuso de substâncias, a esquizofrenia e o transtorno de personalidade”, afirma.

Por isso, é crucial que a pessoa procure ajuda: familiar, de amigos e, principalmente, a especializada.

“Dentro da família, existem estigmas, preconceitos ou, às vezes, uma superproteção: não conseguir olhar que aquela tristeza não é só algo passageiro, mas pode ser uma depressão. Ansiedade não é só um momento em que a pessoa está preocupada, é algo que está atrapalhando a vida do indivíduo”, diz Adriana. 

E acrescenta: “A ansiedade, ou a depressão, ou o TDI, por exemplo, não permitem que a pessoa consiga viver com qualidade, e isso começa a atrapalhar, torna-se algo patológico e impede a pessoa de ter um curso de vida normal”.

A melhor forma de reconhecer se alguém está com tendências suicidas é pela mudança brusca de atitude. De acordo com Adriana, além das possíveis marcas no corpo, a pessoa passa a falar que está cansada da vida, reclama dos sofrimentos, passa a agir com indiferença e tem mudanças bruscas de humor.

Também pode haver “diminuição do autocuidado e da higiene pessoal”. O isolamento social passa a ser cada vez mais notório; ”por exemplo, era uma pessoa que tinha um convívio em grupo, conseguia ter uma vida social e passa a ficar bem isolada”.

Esse isolamento pode estar acompanhado do abuso de álcool e drogas. No caso dos sintomas de alerta que a própria pessoa pode reconhecer, segundo a psicóloga, estão irritação frequente, insegurança, ansiedade, “a ponto de perder o controle”, desmotivação e falta de energia.

“Uma diminuição ou aumento exagerado do apetite, do sono. Às vezes, um aumento de sintomas físicos, como dor de cabeça com frequência, dor de estômago, um aperto no peito, sudorese e dores generalizadas são sinais de alerta [também]", disse a médica do Hospital Moriah. 

O papel da família é ouvir, conversar e se disponibilizar a ajudar. “Isso traz um alívio de que a pessoa está sendo reconhecida, está sendo vista naquele momento de dificuldade.”

Caso os sintomas citados anteriormente sejam identificados, busque ajuda no Caps (Centro de Atenção Psicossocial) e nas Unidades Básicas de Saúde mais próximas. UPA (Unidade de Pronto Atendimento) 24h, Samu 192, prontos-socorros e hospitais também são opções.

O CVV (Centro de Valorização da Vida) atende o dia inteiro, e a ligação é gratuita. Basta discar 188.

Mas, afinal, é uma doença rara?

Há muitas divergências na comunidade científica sobre o TDI. Um estudo feito por departamentos de psiquiatria da Polônia afirma que o transtorno não é raro, pelo contrário — pode ocorrer com frequência semelhante à da esquizofrenia e é mais comum em mulheres.

Em contrapartida, não há muitos estudos brasileiros sobre o TDI e a prevalência no país. Nos Estados Unidos, estima-se que 1,5% da população conviva com o transtorno.

Porém, o período desde o primeiro contato com o sistema de saúde até o diagnóstico correto ultrapassa anos (em média, de 6,7 a 8 anos), segundo um estudo de fevereiro deste ano, feito por cientistas da Universidade de Opole, do Centro de Psiquiatria em Katowice e da Universidade da Silésia, ambas na Polônia.

Uma das explicações para isso é que o TDI é um em uma extensa lista de transtornos dissociativos, descritos no DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) e no CID-11 (Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde). 

Mas ainda assim há estudos que buscam entender a relação do TDI com o transtorno de estresse pós-traumático e, consequentemente, com os sintomas dissociativos.

Uma pesquisa de maio de 2015, feita por várias instituições, como a Universidade de Groningen, na Holanda, a Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos, e o King's College de Londres, na Inglaterra, descobriu que uma estrutura do cérebro de pessoas com TDI é notavelmente menor se comparada à daqueles que não têm o transtorno.

Os pesquisadores analisaram os resultados de MRI (ressonância magnética estrutural) do cérebro de 33 pacientes: 17 com TDI e 16 com transtorno de estresse pós-traumático. Também participaram do estudo 28 pacientes saudáveis (livres das condições).

Comparados às pessoas que não conviviam com os transtornos, voluntários com TDI tiveram um volume global menor nos dois lados do hipocampo: o da direita mostrou uma diminuição de 8,33%, e o da esquerda, de 6,75%.

Quando o TDI era associado ao transtorno de estresse pós-traumático, a diminuição era mais evidente — esquerda com 10,19% e direita com 11,37%. Os subcampos mais afetados foram o CA2-3 e o CA4-DG (com uma “forma anormal e volume significamente menor”).

Essas alterações cerebrais, no hipocampo global e no subcampo, foram fortemente relacionadas com traumas graves na infância e sintomas dissociativos nos pacientes.

Não existe evidência científica de que o transtorno possa ser transmitido geneticamente, mas, segundo Katz, há estudos que afirmam que o paciente pode ter uma predisposição para a doença.

Mesmo que haja material sobre o TDI, ele ainda sofre com diversos estigmas. Um estudo dinamarquês, realizado em novembro do ano passado pelo Hospital Universitário de Psiquiatria de Aarhus, descartou um possível diagnóstico do transtorno em uma menina de 16 anos por dois motivos: havia continuidade de comportamento e memória entre os alters que se comunicavam pelo headspace e porque há “falta de confiança na literatura que descreve o diagnóstico”. 

No texto, os pesquisadores afirmam que existe ceticismo acerca do transtorno, que é raro na prática clínica dinamarquesa.

Por muito tempo, a comunidade se manteve em segredo devido a essa descredibilização. Até que surgiu uma nova forma de dar voz ao transtorno: as redes sociais.

O TikTok, em especial, está repleto de vídeos de pessoas que dizem ter o transtorno. Com apenas uma breve pesquisa da sigla “TDI”, sequências com milhares de visualizações aparecem.

Assim como qualquer outra condição, nem todos os perfis são sinceros quanto ao diagnóstico e podem desinformar sobre a temática. Uma filtragem ruim dos conteúdos também pode influenciar uma prática prejudicial: o autodiagnóstico.

A partir do momento em que uma pessoa assiste a um vídeo sobre TDI, o algoritmo entende que deve mandar outros conteúdos semelhantes. Quanto mais contato com o assunto, mais interessada no tema a pessoa fica.

“Precisamos separar o que é doença e o que é saudável. Se a plataforma permite e não está sendo feito nada que cause sofrimento ao indivíduo, não vejo problema”, afirma o psiquiatra José Brasileiro Dourado Júnior.

A melhor forma de saber mais sobre a condição é com base em conteúdos feitos por especialistas. Os pacientes que tratam o tema com seriedade nas redes devem funcionar como o que são: o espelho de uma rotina.

*Estagiárias do R7 sob supervisão de Vivian Masutti


Diretora de Conteúdo Digital e Transmídia: Bia Cioffi

Reportagem:
 Julia Girão e Yasmim Santos
Edição:
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