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Kaique Dalapola e Guilherme Padin, do R7

Guilherme Guedes, de 15 anos, foi morto há pouco mais de dois meses. De acordo com as investigações da Polícia Civil, o adolescente foi sequestrado, torturado e assassinado com ao menos dois tiros na cabeça. Os acusados pelo crime são um sargento da Polícia Militar e um ex-PM que prestavam serviço de segurança particular.

Na noite de 13 de junho de 2020, alguns garotos invadiram um canteiro de obras na zona de sul de São Paulo. Responsável pela empresa de segurança contratada pela dona do terreno, o sargento Adriano Fernandes de Campos se dirigiu ao local acompanhado pelo ex-PM Gilberto Eric Rodrigues, um foragido da Justiça que até então se apresentava como Roberto. 

De acordo com a denúncia do MP, ao procurarem os jovens nas ruas da região, encontraram e abordaram Guilherme, que não tinha relação com a invasão, e o levaram para outro local, onde foi executado. “Está sendo muito difícil. É difícil ter que conviver sabendo que tá faltando um pedaço seu. Só tenho forças pra chorar”, diz Joice Silva, mãe de Guilherme.

Adriano está preso por determinação do juiz Claudio Juliano Filho. E Gilberto, foragido. Se confirmada a autoria por parte da dupla, o garoto se somará às 498 pessoas mortas por policiais militares, em serviço ou de folga, no primeiro semestre de 2020 — período mais letal da corporação paulista em 25 anos, segundo estatísticas do próprio governo do estado.

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Arte R7

Os homicídios dolosos (quando há intenção de matar) praticados por PMs também aumentaram. Entre janeiro e junho de 2020, foram 14 homicídios cometidos por policiais fora de serviço e 2 por agentes fardados. Em 2019, no mesmo período, os números foram 4 e 1, respectivamente.

Entre os 14 homicídios divulgados pela própria Polícia Militar, um ocorreu em junho, mês da morte de Guilherme Guedes. Consultada, a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo) não respondeu à reportagem se o registro se refere ao mesmo caso.

Os tiros interromperam a vida de “um garoto feliz, de coração muito bom e dedicado à família”. Guilherme entregava as marmitas que Joice preparava e, pela experiência com o avô, já sabia levantar paredes de cimento. Sempre fez de tudo pelos irmãos menores. “Quando deito na cama e coloco a cabeça no travesseiro, é pior ainda. Porque parece que ele vai chegar, aí você vê que não chega e a tristeza é pior”, diz a mãe.

De acordo com dados do Governo de São Paulo, 435 pessoas foram mortas por policiais militares em serviço no primeiro semestre de 2020. O número representa 87,3% do total de mortos por PMs em confrontos. Outras 63 pessoas morreram após supostamente resistirem à abordagem de policial militar de folga. Foi o período mais letal da corporação paulista em 25 anos.

No mesmo espaço de tempo, o estado de São Paulo registrou 24 mortes de policiais militares — sendo 12 em horário de serviço e outros 12 no período de folga. Foram 10 mortes a mais do que os seis primeiros meses do ano passado, que também tiveram o mesmo número de PMs assassinados na folga (7) e em trabalho (7).

"Compromisso com a vida"

Sobre a alta na letalidade policial, o governo de São Paulo diz que “o compromisso das forças de segurança é com a vida”. Por isso, a pasta de Segurança do governo João Doria afirma ter determinado que todos casos de mortes decorrentes de intervenção policial devem ser investigados pela Polícia Civil e pela própria PM, além de comunicados ao Ministério Público de São Paulo.

“As ocorrências desta natureza são analisadas para verificar a conduta dos policiais e avaliar a adoção de alternativas de intervenção para evitar o mesmo resultado em episódios futuros. Não há complacência com o erro. Só no primeiro semestre deste ano, mais de 125 policiais, civis e militares, foram presos e 96 demitidos ou expulsos”, diz a SSP-SP por meio de nota.

Para o senador Major Olímpio (PSL-SP), os PMs em todo território brasileiro são mal pagos, não recebem reconhecimento por parte do Estado e têm poucos segundos para decidir entre matar ou morrer, em confrontos. “O policial se sente abandonado, ele e a sociedade. E aí vem aquela história: se tiver que morrer, que morra o bandido, que chore a mãe do bandido”, afirma. Para ele, a letalidade no combate à criminalidade não é o que mais incomoda a sociedade e sim os flagrantes de agentes públicos cometendo abusos contra inocentes.

Essas cenas, agora frequentemente registradas por celulares de testemunhas, são decorrentes da grande pressão sofrida pelos PMs e do descaso com a categoria, segundo Olímpio. “Você tem distúrbios comportamentais adquiridos ao longo do serviço. Você tem muita gente com doenças psicológicas e psiquiátricas graves. Estão prontos para ter aquele dia de fúria. O Estado não presta atenção nisso e o cidadão pode ser vítima disso também”, completa.

Para Rafael Alcadipani, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os números são altos porque “existe uma subcultura forte na instituição, em alguns grupos, de que essa é a maneira certa de se trabalhar”.

Para além deste aspecto, o especialista credita os recentes aumentos nos números de mortos por policiais e abusos cometidos pelos agentes ao discurso do comando: “Quando o policial percebe que o governador não está preocupado [com a letalidade], que o secretário não manda uma mensagem clara para evitar o problema, ele vai se sentindo à vontade”.

O professor relembra um episódio de outubro de 2018, quando João Doria (PSDB), então candidato ao governo, avisou que, em enfrentamentos com criminosos, policiais atirariam para matar. “Todos nós mostrávamos [à época] que o aumento nos índices de letalidade poderia acontecer”, diz o professor, que hoje se mostra otimista e vê mudanças na sociedade, que rejeita cada vez mais casos de abusos de força policial.

Divergindo de Alcadipani, o deputado federal Coronel Tadeu (PSL) acredita que o aumento no número de mortes decorrentes de ações policiais seja culpa da própria criminalidade. Ele afirma que há um crescimento de criminosos na rua e, por isso, a letalidade também cresce. “Nosso objetivo é preservar a vida dos policiais e retirar esses criminosos de circulação. Quem escolhe o enfrentamento é o bandido”, diz.

A cada 10 horas, uma pessoa tem a vida interrompida no estado de São Paulo envolvida em ações da Polícia Militar. No registro da ocorrência na Polícia Civil, os policiais alegam que há confronto com a pessoa morta. O caso, então, é registrado como “morte decorrente de intervenção policial”, o antigo “auto de resistência”.

O governo paulista disponibiliza as estatísticas com dados da letalidade policial desde o segundo semestre de 1995. Nesses 25 anos de informações públicas e oficiais, a Polícia Militar nunca matou tantas pessoas no primeiro semestre como nos seis primeiros meses deste ano.

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Arte R7

Apesar dos números, o ex-comandante da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) e atual deputado estadual em São Paulo, Coronel Paulo Telhada (Progressistas), afirma que não deve haver políticas públicas para diminuir o número de mortes praticadas por policiais militares. “Acho que, na realidade, precisávamos ter uma lei mais enérgica em relação ao crime”, diz.

Além dos dados estatísticos, o governo paulista possibilita, via Portal da Transparência, a consulta de 346 boletins de ocorrências registrados entre janeiro e junho deste ano como casos de “morte decorrente de intervenção policial”. Neles, há informações de 427 pessoas qualificadas como autor/vítima — ou seja, autor da suposta resistência e vítima da letalidade da PM. A reportagem analisou esses documentos.

Os boletins não trazem as informações detalhadas do que aconteceu em cada ocorrência. Dentro do que é possível obter no Portal da Transparência, 259 pessoas mortas por PMs em serviço tiveram o nome completo registrado no boletim de ocorrência. Constam ainda a idade de 265 delas, a cor da pele de 409 e a ocupação de 146 mortos. Apenas de 144 pessoas constam todas essas informações.

O professor Alcadipani afirma que a situação não deveria ser considerada normal. Segundo ele, “quando o patrulhamento no mundo começou, a ideia do policial era o pacificador social, que chega ao conflito e acalma o conflito”.

Adolescência interrompida

Em 22 de março, um pouco antes da meia-noite, o adolescente Ronaldo dos Santos, de 14 anos, foi morto em uma ação policial em uma travessa no bairro do Jardim São Francisco, na região do Parque São Rafael, periferia da zona leste de São Paulo.

Segundo as informações oficiais do caso, registradas no DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), da Polícia Civil, o adolescente estaria em um Hyundai HB20 roubado, com outros dois homens, em fuga da polícia. Em algum momento, o jovem teria disparado contra os PMs, que teriam revidado e o matado com dois tiros. Os outros dois homens teriam fugido.

“O caso é investigado por meio de inquérito policial instaurado pela Divisão de Homicídios do DHPP, o qual tramita sob sigilo”, informa a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo sobre o caso do menino.

Ronaldo é o mais jovem entre os mortos em ações de policiais militares em serviço no primeiro semestre deste ano. Mas não é o único adolescente. Nos documentos divulgados pelo governo, pelo menos outras 22 pessoas que perderam a vida em supostos confrontos com a PM tinham menos de 18 anos — o que representa 8,7% dos casos.

Mais da metade (55,1%) das vítimas, das quais as idades foram reveladas no boletim de ocorrência, tinha entre 18 e 29 anos. A faixa etária seguinte, entre 30 e 39 anos, é a de segunda maior incidência: 25,3% das vítimas. Outras 7,5% tinham idades de 40 a 49 anos e os outros 3,4% tinham mais de 50.

R7 Estúdio - Idade mortos por PM (Arte R7)

R7 Estúdio - Idade mortos por PM

Arte R7

Alexandre Ferreira da Silva, o Tchelo, tinha 45 anos. Foi morto por homens da Rota, a tropa de elite da PM paulista, em 29 de março, junto com o cunhado Renato Viana Borges dos Santos, em um acesso à Marginal Tietê na região do Tatuapé, zona leste paulistana.

Era uma tarde de domingo. Segundo a família, os cunhados tinham ido à feira, comeram pastel, voltariam para buscar suas companheiras e iriam para o almoço na casa da sogra de Tchelo. Imagens feitas por moradores da região registraram os disparos.

Na versão do governo, Tchelo e Renato integravam a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), haviam sido denunciados e desobedeceram a ordem de parada dos policiais militares. Para a família, os dois tiveram o plano de fazer um almoço de domingo com os parentes interrompido.

R7 Estúdio - Gráfico mortes PM por cor (Arte R7)

R7 Estúdio - Gráfico mortes PM por cor

Arte R7

— Vinícius Gomes Oliveira, 17 anos, comerciante. Morto em 1º de janeiro, em São Paulo.

— William Henrique Feitosa Liberal, 19 anos, estudante. Morto em 12 de fevereiro, em São Bernardo do Campo.

— Gilvan dos Santos Castro, 26 anos, ajudante de pedreiro. Morto em 12 de março, em Monte Mor.

— Cauê Lima de Souza, 20 anos, motoboy. Morto em 9 de abril, em Guarulhos.

— Jean Henrique Baracal Silva, 29 anos, barbeiro. Morto em 11 de maio, no Guarujá.

— Luís Ricardo Vitor, 35 anos, tatuador. Morto em 7 de junho, em Piracicaba.

Todos negros.

Vinícius, o primeiro da lista, foi morto nas primeiras horas de 2020. Estava comemorando a chegada de um novo ano com amigos, ouvindo música na rua, quando policiais militares chegaram na comunidade onde residia, na região do Jardim Ângela, periferia da zona sul de São Paulo.

Os amigos estavam fazendo um baile funk na rua. Equipes da PM teriam chegado para acabar com o barulho e o grupo se dispersou. Vinícius foi correndo para casa. Policiais foram atrás do jovem e o mataram. A polícia informou que houve troca de tiros — versão negada pela família e por amigos.

Além de trabalhar com a mãe como ajudante em uma padaria, ele havia acabado de abrir um estabelecimento chamado Point do Gordão (apelido dele no bairro), onde reunia artistas e amigos para cantar funk, fumar narguilé e conversar. De lá ele também conseguia tirar sua renda extra.

Apesar de ter sido morto às 6h da manhã do primeiro dia do ano, os registros oficiais apontam que Vinícius foi a quarta pessoa a morrer em confronto com a polícia em 2020. Antes dele, Adilson Sabino dos Santos Júnior, de 25 anos, foi morto na Cidade Ademar, zona sul da capital, por volta das 5h, e outros dois homens não identificados, pouco depois da meia-noite, no município de Biritiba-Mirim, na Grande São Paulo.

As características das primeiras vítimas da letalidade policial do ano são as mesmas das demais que viriam ao longo dos outros meses: dos quatro mortos, três eram negros.

Nos boletins de ocorrência analisados, constam a cor de 409 pessoas que morreram após supostamente resistir à abordagem da Polícia Militar. No estado onde a cor da pele de 63,9% da população é branca, de acordo com Censo de 2010, a pele da maioria das pessoas que têm a vida perdida em ações da PM em serviço é negra:  63,1% — 37 pretos e 221 pardos. Os dados apontam ainda que brancos foram 37,2% das vítimas da letalidade policial, além de um morto identificado como amarelo.

A maioria da Polícia Militar é da periferia e boa parte é da raça negra

Coronel Paulo Telhada, deputado estadual (Progressistas)

Policial militar por três décadas e aposentado desde 2011, o coronel Telhada diz que entre “inúmeras ocorrências” que teve em sua atuação de PM, “a grande maioria era branca”.

Os números de cor da pele invertidos – população 63,9% branca, com negros entre 63,1% dos mortos – representam um fenômeno chamado sobrerrepresentação, explica o pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Dennis Pacheco.

“É quando um grupo específico da população está representado nas estatísticas de forma muito mais contundente do que está representado no universo dessa população. É o que acontece com a população negra nas estatísticas de letalidade policial”. Segundo Pacheco, há uma cultura de atuação policial cuja estrutura parte da noção de ter como suspeita a “juventude favelada, negra e pobre”.

Telhada discorda e diz que a polícia não é racista. “Existe uma máxima de que a polícia mata preto, pobre e da periferia. A maioria da Polícia Militar é da periferia e boa parte é da raça negra. Falar isso é uma ideologia e quem perde com isso é a sociedade”, afirma. Ele reforça ainda que os agentes de segurança procuram tratar todos da melhor maneira possível.

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Arte R7

O atual chefe da Ouvidoria de Polícia de São Paulo, advogado Elizeu Soares Lopes, segue uma linha semelhante à de Telhada no que diz respeito ao racismo na Polícia Militar. Ele acredita que “não há instituição que seja racista”, mas afirma que o país ainda sofre com o legado da escravidão e, portanto, é necessário entender que a sociedade brasileira é violenta e racista.

Esse racismo enraizado na população, no entendimento do ouvidor, reflete nas pessoas que estão nas instituições como a Polícia Militar, e também “na mídia, nas escolas, no sistema de saúde”. E para ele, mais do que ter como norte o alto número de negros mortos pela PM, é necessário combater o racismo estrutural.

Os apontamentos de racismo em ações policiais no Brasil se intensificaram após a onda de protestos iniciada nos Estados Unidos, em maio deste ano, com a morte do cidadão negro americano George Floyd, na cidade de Minneapolis.

Como resultado das manifestações, a Polícia Militar paulista criou um grupo para analisar e pensar formas de modernizar os protocolos de atuação, incluindo, segundo o governo, técnicas de contenção durante as abordagens. Nessa atualização, a PM participa de um núcleo de trabalho acadêmico discutindo a questão da violência policial com oito instituições, entre elas a Faculdade Zumbi dos Palmares.

Ação e reação

A avaliação de que o Estado deve se preocupar com as altas nos índices de letalidade policial e combatê-las, embora partilhada por alguns especialistas em direitos humanos, é rejeitada por figuras de crédito entre a corporação.

Representantes das polícias no poder público avaliam que, embora o número de pessoas mortas por PMs tenha subido consideravelmente, seu aumento deve-se ao crime, não às possíveis falhas da instituição e dos agentes.

Assim como o deputado federal Coronel Tadeu, o deputado estadual Coronel Telhada credita os altos índices recentes de mortos pela PM à criminalidade. “O resultado de morte de criminoso só se deve à própria ação do criminoso. A polícia reage de acordo com a criminalidade. Ela não é violenta, quem é violento é o crime”, diz.

No primeiro semestre de 2020, com recorde no número de mortos pela Polícia Militar, os crimes violentos diminuíram 11% em relação ao mesmo período no ano passado. A quantidade de presos em flagrante tampouco acompanhou a de vítimas fatais: foram 52.671 pessoas este ano ante 65.042 em 2019 – um decréscimo de 19%.

Perguntado se julga necessária uma política para redução de letalidade e da violência policial, termo que diz odiar, o ex-comandante da Rota discorda. “O bandido não tem medo da lei. Nossa lei é tão benévola. Deveria haver uma mudança na nossa legislação, onde houvesse uma penalização maior. Não temos que agir contra a polícia fazendo programas de prevenção [à letalidade]”, conclui Telhada.

O ouvidor Soares enxerga o primeiro semestre recorde em mortos pelos PMs de forma diferente à dos dois deputados e ex-policiais. “Ao nos depararmos com informações, inclusive da Secretaria de Segurança Pública, em que houve um número reduzido de criminalidade, não tem justificativa para o aumento na letalidade. É um fenômeno inexplicável”, pontua.

Soares considera que, para reduzir o número de pessoas mortas por policiais militares e reduzir estes índices, é necessário que haja uma interação maior entre a polícia e a população.

“À medida que a polícia e a comunidade interagirem mais, será possível separar o joio do trigo, estabelecendo uma confiança entre as duas partes”, comenta o ouvidor, que sugere também uma maior valorização aos agentes de segurança e o controle remoto de seus trabalhos, com câmeras nos coletes e viaturas, entre outras tecnologias.

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Arte R7

O R7 analisou a média de pessoas mortas por policiais militares em serviço no período entre os governadores do Estado desde que se iniciou a contagem da série história da SSP-SP), em 1995 até o final do primeiro semestre de 2020 (dados mais atuais).

Com 1.051 mortos em um ano e meio, João Doria tem a maior média de mortes entre líderes estaduais. Dividindo o número de mortos pela quantidade de dias em que Doria está no governo, a média é de 1,92 — e, vale lembrar, em períodos com quedas nas taxas de produtividade policial.

O antecessor, Márcio França (PSB), tem uma média um pouco inferior (1,54). França assumiu o governo em abril de 2018, após Geraldo Alckmin deixar o cargo, e ficou até 1º de janeiro de 2019, quando Doria, eleito, assumiu. Nos 240 dias de governo Márcio França, 418 pessoas foram mortas por PMs em serviço.

Governador entre março de 2001 e março de 2006 e, posteriormente, de janeiro de 2011 a abril de 2018, Geraldo Alckmin (PSDB) foi o que governou São Paulo por mais tempo e, consequentemente, é o que tem o maior número de mortes cometidas pela PM na gestão em números absolutos, mas não a maior média.

Na primeira passagem, Alckmin ficou pouco mais de cinco anos (assumiu após a morte de Mário Covas e depois foi eleito), e a PM sob o comando dele matou 2.538 pessoas. Fazendo o mesmo cálculo, a média de mortes foi de 1,37 por dia.
Já na segunda vez que governou o Estado, após ganhar as eleições em 2010 e ser reeleito quatro anos depois, os policiais militares em serviço na gestão Alckmin mataram 3.970 pessoas. A média é 1,49 por dia.

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Arte R7

Tendo como objetivo receber cidadãos que têm denúncias contra ilegalidades em ações policiais e encaminhá-las para os órgãos competentes pelas investigações, foi criada, a partir de 1º de janeiro de 1995, a Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo. Ao longo dos anos, e com a necessidade de meios independentes para relatar a violência policial, a ouvidoria ganhou importância entre as organizações de defesa dos direitos humanos, movimentos negros e sociedade civil.

No entanto, um PLC (Projeto de Lei Complementar) de autoria do deputado estadual Frederico D’Ávila (PSL-SP), de abril de 2019, tem o objetivo de extinguir a Ouvidoria da Polícia. O projeto tramita na Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo).

Coautor do PLC 31/2019, o deputado Coronel Telhada afirma possuir “uma restrição muito forte” à Ouvidoria, sobretudo em relação aos dois anteriores responsáveis pelo órgão — Júlio César Neves e Benedito Mariano. “O projeto foi criado na época desses indivíduos, que eram mais faladores do que ouvidores”, diz.

Ele avalia que Neves e Mariano se utilizavam do cargo para promoção pessoal e desvalorizavam o trabalho da polícia — daí viria o desejo pelo fim da Ouvidoria. “Criticar não cabe ao ouvidor”, diz. Porém, o deputado elogia Elizeu Soares Lopes, atual responsável, uma pessoa “mais ponderada”.

Questionado, Lopes  diz que o projeto “vai na contramão do que a sociedade quer, porque em tudo há controle social. Numa atividade importante como a Ouvidoria, a sociedade pode exercer esse controle e fazer denúncias de ilegalidades [policiais]”. A Ouvidoria, conclui Lopes, “é o instrumento de interlocução da sociedade e da polícia. Não é inimiga da polícia, é inimiga da ilegalidade”.

O ouvidor tem que ser o porta-voz da população, falar a verdade para a sociedade

Júlio César Neves, ex ouvidor da PM

A reportagem procurou os ex-ouvidores Neves e Mariano para se manifestarem sobre os apontamentos feitos pelo Coronel Telhada. Para Neves, o deputado estadual “precisa ler a lei para saber o que deve ser um ouvidor”, e cita o artigo terceiro da Lei Complementar 826 de 1997, que diz que o chefe da Ouvidoria de Polícia precisa ser autônomo e independente.

Mariano também explica que o ouvidor precisa fazer o controle da atividade policial e “tem que se manifestar sobre os casos mais graves e sobre todas demandas que chegam ao órgão, sob pena de prevaricação”. Para ele, quem é contra a Ouvidoria, ou defende uma Ouvidoria engessada, despreza a democracia, o Estado democrático de direito e o controle do Estado.

O governo de São Paulo iniciou, no dia 1º de julho, um novo treinamento técnico-operacional para a atuação nas ruas. "O objetivo é aprimorar os processos de atuação da instituição", diz a Secretaria de Segurança Pública.  Nesse treinamento dos policiais militares, foram abordados temas como policiamento comunitário, abordagem policial, gestão de ocorrência, além de fundamentos dos direitos humanos e cidadania.

Os números também podem ter antecipado a retirada do papel do projeto para aumentar a vigilância dos policiais militares. No início de agosto, 585 câmeras corporais passaram a ser utilizadas acopladas às fardas de PMs. Para o senador Major Olímpio (PSL-SP), que defende o uso das câmeras assim como é feito em vários outros países, a tecnologia vem para proteger o bom policial.

“É uma defesa para todo mundo. Algumas vezes, acontecem algumas intervenções de força com excessos criminosos, que nós não admitimos. Não tem que ficar sufocando alguém para ter o resultado-morte como aconteceu nos EUA e como às vezes acontece aqui em algumas situações. O fato de potencializar os olhos da população é uma segurança (com vídeos de celulares), para o bom policial mais ainda”, defende.

Segundo o governo, somente no primeiro fim de semana da operação com os equipamentos, mais de 3 mil "provas documentais" foram registradas. Não há informação, no entanto, do que se tratam essas provas. A gestão João Doria ainda diz que outras 2.500 câmeras portáteis serão contratadas por meio de um pregão internacional, mas também não indica prazos.


Reportagem: Kaique Dalapola e Guilherme Padin
Arte: Matheus Vigliar e Lucas Martinez
Edição de vídeo: Camila Moraes
Edição de imagens: Elias Rodrigues, Camila Nunes
Reportagem: Daniela Salerno, Karen Meneghim
Imagens: Aquiles Orfei, Arquivo