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Cesar Sacheto e Guilherme Padin, do R7

Um ano atrás, a ação de dois jovens que invadiram as dependências da Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, cidade localizada a aproximadamente 50 km de São Paulo, tirou a vida de dez pessoas — inclusive dos autores do crime — e deixou cicatrizes irreparáveis na sociedade brasileira.

O massacre cometido pela dupla lembrou o triste episódio de Columbine, nos Estados Unidos, ocorrido há 20 anos. Esse caso teria sido, inclusive, inspiração para a tragédia brasileira.

Por aqui, a ação na escola de Suzano deixou, além dos mortos, 11 feridos e outras incontáveis vítimas, entre estudantes que assistiram à brutalidade, famílias que perderam entes queridos e aqueles que pertenciam ao ambiente escolar e agora convivem com um trauma que parece não ter fim.

Em meio a tantas dúvidas, essas pessoas tiveram de ser resilientes, cada uma à sua maneira, num cenário que só oferecia medo e dor.

Além das cicatrizes físicas e emocionais, o violento crime gerou a adoção de novas políticas públicas por parte do governo do Estado e da prefeitura do município da Grande São Paulo para a prevenção e combate a possíveis novos atos. A reconstrução emocional da comunidade é também uma preocupação das autoridades locais e uma de suas prioridades um ano depois da tragédia.

A sangue frio

A jornada de terror começou por volta de 9h30 do dia 13 de março de 2019, quando um adolescente de 17 anos e um rapaz de 24 assassinaram um comerciante em uma rua próxima à escola onde ambos haviam estudado.

Em seguida, armados com pistolas, revólver e um machadinho, os assassinos entraram na escola Raul Brasil para cometer o ataque brutal e matar cinco estudantes e duas funcionárias do estabelecimento de ensino. Depois, já encurralados, eles cometeram suicídio.

Durante o massacre, a estudante Rhillary Barbosa, então com 15 anos, foi a responsável por abrir o portão principal após se desvencilhar do mais velho da dupla. A praticante de jiu-jítsu teve força e frieza suficientes para suportar os golpes sofridos na cabeça e fugir do brutal cenário.

Rhillary Barbosa, estudante e lutadora de jiu-jítsu, ajudou a salvar os colegas durante o massacre (Arte/ R7)

Rhillary Barbosa, estudante e lutadora de jiu-jítsu, ajudou a salvar os colegas durante o massacre

Arte/ R7

Depois, outros estudantes aproveitaram a porta aberta por ela para escapar por ali. Os socos que levou não foram, porém, a parte mais dolorosa.

“Chorei por vários dias, sem parar, ficava trancada no quarto. Queria ficar sozinha, sofrer sozinha. Não quis voltar para a escola por um tempo. Quando voltei, os dias continuaram perturbadores”, relata Rhillary.

Marcas que ficam

Elaine Alves, do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo), psicóloga com pós-doutorado em luto, emergências e desastres, aponta consequências possíveis após traumas como esse: ansiedade, insônia, pesadelos, sensações de pânico, estresse pós-traumático, depressão e reações suicidas.

“Fica marcado para sempre na vida dessas pessoas, e as reações variam de acordo com o grau de envolvimento da vítima com o caso”, diz Elaine.

Para ela, a tragédia na Raul Brasil teve um peso ainda maior pelo ambiente em que ocorreu. “A escola é entendida como um ambiente seguro. Quando isso acontece, começa um paradigma de insegurança e você se sente vulnerável”, afirma.

A análise é confirmada por Rhillary: “Quebra a sensação de segurança. Imagine você estar na escola, um lugar que você cresceu, onde se sente segura, e acontece o que aconteceu. Nunca mais você vai se sentir seguro em qualquer lugar.”

As marcas também são sentidas pelas famílias das vítimas – fatais ou não. Mãe de Rhillary, a manicure Marilene Barbosa, 46, conta que até hoje sente o desespero que viveu naquele 13 de março.

“Naquele dia, mesmo depois de buscar minha filha e estar com ela em casa, me deu uma impotência muito grande enquanto a gente via o que acontecia na TV. Até hoje é assim. Por um instante, pensei no que seria de mim se ela não estivesse comigo”, relata a mãe, emocionada.

“Não me sinto nada confortável. Fico com assombrações do que aconteceu. Hoje, tento não prender muito a Rhillary e deixar que ela siga com a rotina que tinha antes. Mas fico com o coração muito apertado.”

Jornada do herói

Eduardo Andrade também precisou ser frio como Rhillary naquele dia. Afastado de suas atividades por um disparo acidental que atingiu sua perna dois meses antes, o policial militar estava em casa, a metros da escola, quando ouviu os tiros.

Ao descobrir que se tratava de um massacre, mesmo lesionado e sem proteção, decidiu entrar pelo portão principal, a fim de salvar os estudantes. Ele relata que, quando se deparou com o mais jovem dos autores do massacre, tentou negociar e, blefando, afirmou que outros policiais haviam cercado o local. Sem responder, o adolescente foi para a parte interna da instituição logo na sequência, atirou contra o comparsa e se matou.

Eduardo Andrade, policial militar que ajudou a salvar alunos e profissionais da escola atacada (Arte/ R7)

Eduardo Andrade, policial militar que ajudou a salvar alunos e profissionais da escola atacada

Arte/ R7

A gratidão das vítimas o levou a ser convidado a ser paraninfo na formatura dos alunos do terceiro ano do ensino médio: “Fiquei mais feliz que os alunos com a conquista deles”, conta Eduardo. “Essa empatia com os pais que receberam os filhos de volta à casa é o que me dá a sensação de dever cumprido.”

A psicóloga Elaine afirma que cada pessoa convive com os traumas de maneira particular. Segundo ela, é necessário que se estimule os estudantes e vítimas a falar a respeito. “A dor, a raiva, a indignação, precisam vazar pelos olhos e pela boca”, diz a especialista.

Com inesperada serenidade ao falar sobre o que viveu no 13 de março, Rhillary relata que não se impede de lembrar ou conversar a respeito do massacre: “Tento superar meus medos. Não fico empacada naquilo, mas é importante falar. Quando há uma ferida, às vezes é necessário apertar para aliviar depois.”

Apesar do grau de estresse que encarou, Eduardo garante que a perspectiva posta sobre o massacre o faz conviver bem e sem traumas. “Não é porque aconteceu aquilo que acabou para nós. É uma segunda vida, tanto para eles quanto para mim. Vivo cada dia com mais energia. Quando você sabe que a vida te deu mais uma chance, você respira mais fundo”, diz o policial.

Uma nova escola

Passado o período crítico após a chacina, quando ocorreram as investigações policiais, os atendimentos emergenciais e os encaminhamentos psicológicos, cresceu a ideia de que seria necessário repaginar a escola para apagar as marcas da tragédia.

A população de Suzano queria se reerguer e, para minimizar as cicatrizes, seria importante eliminar as marcas do tiroteio.

"Tem um registro que fica nas pessoas que precisam olhar para aquilo todos os dias. Se vierem para o mesmo ambiente, qualquer estímulo que venha, a cor da parede, por exemplo, ativa aquela memória", avalia Maria Helena Pereira Franco, psicóloga e coordenadora do Laboratório de Estudos sobre o Luto da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

Do massacre na escola à reconstrução do espaço: um ano depois (Arte/ R7)

Do massacre na escola à reconstrução do espaço: um ano depois

Arte/ R7

Com base nesse pensamento de renovação, nasceu um projeto que visava dar uma nova cara à escola, da obra que cria um ambiente para que estudantes, professores, pais e demais frequentadores do colégio não tenham que rever cenários da barbárie.

"Meu maior medo era como iria ocorrer a reestruturação. A fatídica porta que ficava aberta o tempo todo, por exemplo, era algo que os pais reclamavam há anos. Só que era hábito daquela gestão. Precisa reformular, reciclar os profissionais, ensinar um jeito mais contemporâneo de fazer as coisas", desabafa Rebeca Araújo, 38, auxiliar administrativa, estudante de Direito e mãe de três alunos da Raul Brasil.

A antiga entrada principal citada por Rebeca, por onde os dois assassinos entraram para fazer as primeiras vítimas, foi fechada e ganhou pintura nova. A partir da reabertura do colégio, o acesso dos alunos será pelo outro lado do terreno.

A segurança também mudou. A secretaria terá outra entrada e visitantes serão recebidos por um vidro blindado. Os setores administrativo e pedagógico serão separados em dois blocos. Várias outras dependências foram modificadas.

Os projetistas criaram áreas de lazer, pontos de convivência e pavimentos. Quadra esportiva, cozinha, refeitório, salas de aula e áreas externas foram reestruturadas.

Novos equipamentos para o uso dos estudantes foram adquiridos e laboratórios serão inaugurados. O combate ao bullying e a necessidade da criação de uma cultura de paz foram levados em conta na reconstrução da imagem da Raul Brasil.

Dados oficiais mostram que houve um aumento de 10% nas matrículas efetuadas na escola desde o dia do crime e que há fila de espera. O número oficial de estudantes passou de 970 para 1072.

Especialistas e políticos locais acrescentaram a importância da construção de um memorial aos mortos. A psicóloga Elaine Alves, uma das autoras de proposta entregue à prefeitura e ao governo do Estado, entende que é preciso envolver alunos e professores no processo com o objetivo de superar experiências negativas como a de Realengo, no Rio de Janeiro (tiroteio que provocou 13 mortes, em 2011).

"Em Realengo, foi pintada na escola a fotografia de quem morreu e na sequência apagaram porque era difícil ver a foto dos amigos. Se aquela homenagem fosse feita no muro de outras escolas, poderia ser legal. Eles devem participar efetivamente do memorial, porque faz parte da memória deles", sugere Elaine Alves. "Mas não no sentido de apagar a história. A escola está sendo reformada porque ali houve um massacre. Seria legal saber onde estarão as fotografias dos colegas que morreram."

Um ano após o massacre, escola está passando por reforma para dar um novo ambiente aos alunos (Edu Garcia/ R7)

Um ano após o massacre, escola está passando por reforma para dar um novo ambiente aos alunos

Edu Garcia/ R7

A poucos dias da data que marca a passagem do primeiro ano do massacre de Suzano, o governo estadual abriu as portas da Raul Brasil para a imprensa.

A intenção da exposição e de uma entrevista coletiva do secretário da Educação, Rossieli Soares da Silva, realizada na última segunda-feira (9), era mostrar o andamento das obras. A previsão é que a nova Raul Brasil seja entregue à comunidade em abril.

Segundo o governo estadual, a reforma, orçada em R$ 3,1 milhões, está sendo custeada, em grande parte, por recursos provenientes da iniciativa privada. Mas há um pequeno porcentual coberto pelo poder público. Dez empresas — a maioria da própria cidade de Suzano — e três escritórios de arquitetura estão envolvidos no projeto.

Saúde mental como prioridade

O atendimento psicológico às vítimas foi um dos pontos focais das ações do poder público após a maior tragédia da história local. Para ajudar no enfrentamento aos possíveis traumas dos alunos, seus familiares e profissionais da escola, 40 psicólogos foram contratados — e começaram os atendimentos somente quatro meses após o 13 de março.

À época, houve críticas pelo tamanho da fila de vítimas, que ultrapassava a casa dos milhares. Foram, ao todo, segundo a prefeitura suzanense, mais de 24 mil atendimentos desde o trágico episódio.

Como nunca, a preocupação com a saúde mental dos jovens se fez presente, e, em dezembro passado, a lei de número 13.935, que "dispõe sobre a prestação de serviços de psicologia e de serviço social nas redes públicas de educação básica", foi aprovada e celebrada pelos profissionais do ramo.

"Era uma luta de mais ou menos uma década, e, agora, uma grande conquista", diz Elaine Alves, que avalia como "altamente importante" a presença de psicólogos e assistentes sociais nas escolas.

"O assistente trabalha com questões sociais dos alunos e das famílias. O psicólogo observa questões a ver com relacionamento, violência escolar, produção na escola. Pode ter um envolvimento de prevenção à violência escolar. Não se pode evitar [todos os massacres], mas se pode prevenir", avalia Elaine.

Não são só os psicólogos que celebraram a lei e apontam sua necessidade: segundo a recente pesquisa "Nossa Escola em Re(Construção), que ouviu mais de 250 mil adolescentes e jovens sobre a expectativa deles com relação a escola, 64% dos entrevistados disseram que gostariam de contar com o apoio de psicólogos na vida escolar.

Rhillary acredita que o acompanhamento a ajudou em partes. "É algo recente e eu ainda estou de luto. Como sou atleta e tenho que estar com o aspecto psicológico muito bem, dá trabalho", diz ela.

Apesar disso, a estudante destaca a importância do trabalho da psicologia e diz que gostaria de passar por um tratamento mais aprofundado e complexo. Já Marilene preferiu se cuidar sozinha, embora tenha notado melhora na filha. "Não procurei por ajuda, mas ela vai e tem feito bem, ela gosta de conversar. Mas eu e o pai dela nos sentimos desconfortáveis, temos muitas lembranças", relata.

Apoio da comunidade

Para Maria Helena Pereira Franco, psicóloga e coordenadora do Laboratório de Estudos sobre o Luto da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), para um local como Suzano e o ambiente da Raul Brasil, a recuperação é muito difícil.

"Não dá pra pensar nisso sem um apoio amplo da comunidade, dos órgãos que têm o poder de se organizar. Sozinha, a família não consegue dar conta. Precisa muito de apoio. É muito importante o que se faz depois. É possível [haver] a recuperação, mas depende muito do que é oferecido como apoio."

Uma das reclamações mais frequentes dos pais e mães ouvidos pela reportagem do R7 foi o aumento das brigas entre os alunos da escola suzanense. Na avaliação de Elaine Alves, a violência se fazer mais presente após casos como este é algo absolutamente comum.

Massacre de Suzano comoveu a comunidade local e todo o Brasil, com homenagens às vítimas (Edu Garcia/ R7)

Massacre de Suzano comoveu a comunidade local e todo o Brasil, com homenagens às vítimas

Edu Garcia/ R7

"Depois da morte de um aluno, a sala fica com muita raiva, tendem a brigar mais. Tem a ver com a raiva e o medo que eles sentem. Se acontece uma morte por causas naturais, já há aumento [nas brigas]. No caso deles, que foram agredidos, foi um massacre, é ainda pior. É esperado, até", diz a psicóloga.

Ela considera que, portanto, "é importante que os alunos tenham rodas de conversa, um espaço para falar sobre o que aconteceu. E não o contrário, que é esquecer".

Elaine acredita que, para prevenir casos corriqueiros ou extremos de violência, se deve trabalhar e investir na saúde emocional dos jovens: "Tem que incentivar e validar emoções e sentimentos. Crianças, jovens e até adultos não têm habilidade emocional e social de lidar com a frustração. Como se demonstra amor? Como se recebe? Como se lidar com as frustrações? As pessoas não sabem lidar com sentimentos e com a dor e a tristeza, inclusive dos outros."

Onde estão os envolvidos?

Logo após a tragédia, a Polícia Civil iniciou as investigações sobre dois jovens que cometeram um crime tão brutal e quais foram os meios utilizados para aquele desfecho. Havia muitas perguntas a serem feitas, mas parte delas teria as respostas sepultadas junto com os criminosos.

Durante as apurações, descobriu-se que os atiradores planejavam a ação havia quatro anos. Ambos discutiram todos os passos do crime que viriam a cometer por mensagens de texto em seus celulares.

Mas, a fase final do sórdido plano de acabar com a vida de estudantes e professores foi debatida em encontros realizados em um estacionamento. Ali era guardado o carro alugado para transportar as armas e demais equipamentos comprados para colocar a chacina em prática. Imagens de monitoramento flagraram os dois chegando ao local para as reuniões.

Entretanto, os policiais e o Ministério Público do Estado descobriram ao longo das investigações que um terceiro adolescente também ex-estudante da Raul Brasil teve participação determinante no massacre, apesar de não estar presente no dia do ataque. Hoje com 18 anos, o jovem, apelidado de Grilo, está internado em uma unidade da Fundação Casa, em São Paulo.

O promotor Rafael Ribeiro do Val classifica o acusado como um indivíduo frio e acredita que seja tão ou mais perigoso que os executores da barbárie.

Barbárie inspirada em Columbine

A inspiração vinha do tiroteio ocorrido em uma escola de ensino médio de Columbine, nos Estados Unidos, em 1999, quando 15 estudantes — incluindo os dois atiradores — morreram.

"Em mensagens trocadas, [ficou comprovado que] se queria uma monstruosidade. Está claro que eles queriam atacar a escola. Ele [Grilo] declara que queria filmar [a ação], dizia que faria os estupros. Ele queria ficar para a história", contou o promotor.

A investigação revelou também a participação de um quarto garoto nas conversas prévias entre os responsáveis pelo massacre da escola suzanense. Estudante da Raul Brasil, o adolescente teria instigado o trio a realizar o ato criminoso.

Um ato de rebeldia ou uma brincadeira de mau gosto que, para o promotor, também contribuiu para o resultado trágico. Por esse entendimento das autoridades, o suspeito foi advertido com medidas socioeducativas, sem a necessidade de internação.

"Ele instigava por mensagens, dando ideias. Disse que conversava, mas não sabia o que iria acontecer, mas também assumiu o risco. Fez uma brincadeira de mau gosto e assumiu o risco. A motivação seria rebeldia. [Pertence a] uma geração que tem um apreço pela criminalidade, que acha bonito, gosta", ponderou Rafael Ribeiro do Val.

Frieza calculada

O promotor criticou a decisão do juiz Fernando Augusto Andrade Conceicão, titular da 2ª Vara Criminal de Suzano, que colocou em liberdade os quatro homens acusados de fornecer armas, munições e outros equipamentos para que os assassinos cometessem o massacre na escola.

Geraldo de Oliveira Santos, Cristiano Cardias de Souza e Adeilton Pereira dos Santos foram soltos em meados de fevereiro. Márcio Germando Masson havia recebido a liberdade provisória em novembro do ano passado.

Rafael Ribeiro do Val promete recorrer da determinação judicial em instâncias superiores, pois acredita que ao menos dois suspeitos (Cristiano e Geraldo) tinham conhecimento da intenção dos jovens ao vender as armas e munições. Portanto, teriam incorrido no crime de homicídio por dolo eventual — quando o acusado assume o risco de matar alguém com a ação praticada.

O representante da Promotoria revelou que um deles (Cristiano) é citado em conversas na deep web (parte oculta da internet, de difícil acesso, onde ocorrem transações ilegais), conforme apurou uma investigação encabeçada pelo Cyber Gaeco, setor do MP especializado em crimes cibernéticos.

O surgimento de tais mensagens em grupos na parte obscura da internet gerou grande preocupação das autoridades pelo temor de um "efeito tsunami" após o ataque à escola de Suzano.

Já outro acusado (Geraldo) é apontado como um integrante da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital). "Ele [Geraldo] fazia o transporte de mulheres dos presos do PCC. Isso não foi investigado no processo. Alguém que tem a personalidade extremamente voltada para o crime. Teve o contato direto com os atiradores. O outro [Cristiano], além de ter intermediado a negociação, conhecia os meninos e entregou munição. Tiveram contato direto muito grande", acrescentou Rafael Ribeiro do Val ao justificar a pretensão de levar a dupla a júri popular.

"Eles venderam 40 munições, a arma de fogo. Deveriam saber o que iria acontecer. Assumiram o risco de produzir o que aconteceu. Queria lutar por essa prova em júri. O juiz entendeu que não tinha elementos para tal. Recorri e estou esperando julgamento. Não acredito que isso vá mudar a decisão, mas queria esclarecer alguns pontos. Depois, vou para o Tribunal de Justiça", complementou o promotor.

Rafael Ribeiro do Val, promotor de Justiça que acompanhou o caso do massacre de Suzano (Arte/ R7)

Rafael Ribeiro do Val, promotor de Justiça que acompanhou o caso do massacre de Suzano

Arte/ R7

A frieza e a sobriedade dos jovens durante o período que planejaram e executaram o massacre de estudantes, professores e funcionários da Raul Brasil, são caraterísticas absolutamente inéditas em casos semelhantes e impactaram o promotor Rodrigo Ribeiro do Val e os demais integrantes do MP, acostumados a lidar com crimes graves.

"Quase a totalidade [dos casos semelhantes] tem drogas, álcool ou paixão. A forma como fizeram, treinaram, compraram, arrecadaram dinheiro, não dá para a gente entender", concluiu Rafael Ribeiro do Val.

Ações do poder público

A tragédia na escola pública de Suzano desencadeou uma série de medidas por parte dos governos municipal e estadual, especialmente nas áreas de segurança e saúde.

Convênios e parcerias foram criados entre as duas gestões públicas, além de entidades do setor privado. A prefeitura da cidade reforçou (e capacitou) o quadro de inspetores, agentes de segurança, psicólogos e aumentou o atendimento nas CAPs (Centros de Atenção Psicossocial).

Todas as 75 unidades escolares do município foram equipadas com alarmes sonoros — para aumentar a sensação de segurança nas unidades e preservar o patrimônio público — e botões de pânico — para auxiliar possíveis situações de emergências.

Além das ações já citadas, a prefeitura suzanense implementou um projeto em parceria com o Instituto Cultiva para a capacitação de funcionários em 33 estabelecimentos da rede municipal de educação com a finalidade de avaliar, acompanhar e identificar possíveis casos de vulnerabilidade social, bullying e outros fatores de violência em ambiente escolar.

Rodrigo Ashiuchi, prefeito de Suzano, acredita que é impossível esquecer o crime cometido na cidade (Arte/ R7)

Rodrigo Ashiuchi, prefeito de Suzano, acredita que é impossível esquecer o crime cometido na cidade

Arte/ R7

O prefeito Rodrigo Ashiuchi reforçou o esforço da cidade em acolher todas as vítimas — diretas e indiretas — do massacre, sem distinção pelo fato de a escola ser de responsabilidade do Estado.

"Não teve esse dilema. Nos unimos como seres humanos e, dessa forma, estamos superando o que aconteceu. Isso não vai suplantar a dor da família, mas dá um conforto."

O governo estadual também promoveu mudanças nos procedimentos da rede pública de ensino para acolher os estudantes, entender os seus sonhos e auxiliar na realização das suas metas de vida. Entre as iniciativas, a gestão paulista lançou o Conviva SP, um projeto que visa aprimorar a convivência e a proteção escolar. O programa oferece formação e acompanhamento para garantir o pleno desenvolvimento e atendimento do estudante em relação às suas necessidades.

A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo informou ainda que iniciou um processo seletivo para contratação de professores coordenadores de convivência do núcleo pedagógico para atuarem nas 91 diretorias regionais de ensino. Segundo a pasta, os profissionais possuem, prioritariamente, formação em psicologia assistência social, terapia ocupacional, psicopedagogia e áreas afins.

Já o MEC (Ministério da Educação) frisou que Estados e municípios terão total liberdade para utilizar a nova lei que dispõe sobre a prestação de serviços de psicologia e de serviço social nas redes públicas de educação básica, de acordo com as especificidades de cada localidade ou região.

Um ano depois, a dor do massacre e a incredulidade diante do crime ainda deixam suas marcas e dóem. Mas a reconstrução é possível.

As vítimas de Suzano

Relembre todas as vítimas de Guilherme Taucci Monteiro, de 17 anos, e Luiz Henrique de Castro, de 25 anos, no massacre na Escola Estadual Raul Brasil:

Caio Oliveira, de 15 anos, aluno;

Claiton Antônio Ribeiro, de 17 anos, aluno;

Douglas Murilo Celestino, 16 anos, aluno;

Kaio Lucas da Costa Limeira, de 15 anos, aluno;

Samuel Melquíades Silva de Oliveira, 16 anos, aluno;

Marilena Ferreira Vieira Umezo, de 59 anos, coordenadora;

Eliana Regina de Oliveira Xavier, de 38 anos, funcionária;

Jorge Antônio de Moraes, de 51 anos, comerciante.

Escola de Suzano é reconstruída um ano após massacre (Arte/ R7)

Escola de Suzano é reconstruída um ano após massacre

Arte/ R7

Edição: Luciana Mastrorosa
Reportagem: Cesar Sacheto e Guilherme Padin
Arte: Matheus Vigliar
Fotos: Edu Garcia
Produção audiovisual: Caroline de Moraes e Henrique Mathias
Imagens: Pedro Canin
Estagiária: Denise Marino
Edição de vídeo: Edimar Sabatine, Caíque Ramiro e Danilo Barboza
Videografismo: Eriq Gabriel Di Stefani e Marisa Eiko Kinoshita
Sonoplastia: Luciano Gonçalves