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Por Luís Adorno, do Núcleo de Jornalismo Investigativo da Record TV

Para deflagrar a operação que teve como alvo o núcleo financeiro que lavou cerca de R$ 700 milhões para o PCC (Primeiro Comando da Capital), a PF (Polícia Federal) se baseou inteiramente na delação de um piloto de helicóptero. Felipe Ramos Morais, de 34 anos, prestou serviços para a facção paulista de táxi aéreo por anos. Ele costumava carregar em suas aeronaves, no Brasil e no exterior, drogas, armas e pessoas faccionadas.

De acordo com a delação, três homens eram responsáveis pela transação financeira necessária para que o dinheiro de um líder da facção gerado na Europa, com a venda de remessas de cocaína, chegasse até suas mãos no Brasil. Mais precisamente, em Guarujá, litoral paulista, onde vivia Wagner Ferreira da Silva, o Cabelo Duro.

A colaboração premiada fez com que a Operação Tempestade da PF desencadeasse cinco mandados de prisão e 22 de busca e apreensão em endereços de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília na segunda-feira (3). Com o responsável pelas informações livre há menos de um mês, o arquivo vivo está escondido. E, agora, sua cabeça é caçada com prioridade pelos criminosos da maior facção criminosa do país.

Asas cortadas

Morais era um dos principais pilotos de Cabelo Duro. Foi detido em Goiás, em maio de 2018, sob suspeita de ter participado dos assassinatos dos líderes da facção Gegê do Mangue e Paca ocorridos em Aquiraz (CE) em fevereiro daquele mesmo ano. Ao ser detido, foi levado para a superintendência da PF no Ceará.

Em julho daquele ano, teve início o processo de duas delações premiadas feitas por ele: Na primeira, para o MP (Ministério Público) do Ceará, ele colaborou com informações sobre Gegê e Paca. Na segunda, para a PF, a delação foi sobre vários outros crimes.

Depois de sair da superintendência da PF, o piloto ficou detido nas penitenciárias federais de Mossoró (RN) e de Campo Grande (MS), de onde saiu no final de abril de 2021. Enquanto esteve preso, relatou informações relevantes à polícia. De acordo com o delegado da PF Rodrigo Costa, que esteve à frente da última operação baseada em suas delações, as informações analisadas foram todas confirmadas posteriormente.

Apesar disso, Felipe afirma que a Justiça cearense não cumpriu o acordo combinado na delação premiada, ao mantê-lo atrás das grades. No recurso ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), contestando a prisão, a defesa disse que a delação teria sido uma “verdadeira cilada”, alegando que o piloto ficou preso por três anos sem nenhuma condenação. Atualmente, segundo policiais federais, ele é o inimigo número 1 do PCC. Por isso, mora em um local escondido.

As delações basearam, além da operação “Tempestade”, a operação “Rei do Crime”, que ocorreu em setembro de 2020 e que identificou um esquema de lavagem de dinheiro da facção por meio de empresários do setor de combustíveis de São Paulo.

Operação Tempestade da Polícia Federal de São Paulo  (Divulgação/PF)

Operação Tempestade da Polícia Federal de São Paulo

Divulgação/PF
Delação que gerou Tempestade

O Núcleo de Jornalismo Investigativo da RecordTV obteve documentos sob posse da PF (Polícia Federal), que ajudaram a deflagrar a operação Tempestade. A ação teve como alvos doleiros que prestavam serviço para Wagner Ferreira da Silva, o Cabelo Duro, integrante do PCC, que foi assassinado a mando da própria facção como queima de arquivo em fevereiro de 2018.

De acordo com a investigação, no primeiro semestre de 2016, Cabelo Duro teria relatado para o piloto Felipe Ramos Morais que estava com dificuldades para receber dinheiro da Europa. Cabelo Duro teria afirmado que tinha um esquema estruturado com doleiros, mas que isso não estava mais funcionando como antes.

Naquele momento, Felipe afirmou para a polícia que se lembrou de Caio Neman, um conhecido com quem costumava desfrutar da noite e de passeios a barco no Guarujá.

Felipe e Caio em uma de suas confraternizações entre amigos (Reprodução)

Felipe e Caio em uma de suas confraternizações entre amigos

Reprodução

O pai de Caio, Dalton Baptista Neman, seria conhecido por prestar serviços como doleiro. Felipe, então, teria falado a respeito de Caio para Cabelo Duro, que gostou da ideia de uma aproximação. Mas, antes disso, Felipe já teria comentado com Caio sobre Cabelo Duro – ainda que não tivesse mencionado a presença dele no PCC, mas sobre a atuação do criminoso no tráfico internacional de drogas.

Wagner Silva, o Cabelo Duro, e o piloto Felipe Morais (Reprodução)

Wagner Silva, o Cabelo Duro, e o piloto Felipe Morais

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Wagner Ferreira da Silva, o Cabelo Duro, era um dos chefes do PCC na Baixada Santista. Ele esteve no duplo homicídio de Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, e de Fabiano Alves de Souza, o Paca, no início de fevereiro de 2018. Menos de um mês depois, ele foi executado na zona leste de SP como queima de arquivo, de acordo com o MP (Ministério Público).

Felipe Ramos Morais, 34, é um piloto de helicóptero que prestou serviços de táxi aéreo, por anos, ao PCC. Seu principal cliente era Wagner Ferreira da Silva, o Cabelo Duro. Durante os 3 anos que permaneceu preso, delatou crimes praticados pela facção. Por isso, segundo a PF, ele atualmente é o inimigo número 1 do PCC.

Negócio fechado com “Tio”

Foi marcada uma primeira reunião, que tinha como assunto claro o dinheiro proveniente do tráfico internacional de drogas. O encontro entre Cabelo Duro, Caio e Dalton foi realizado na cobertura de um apartamento na Alameda Itapecuru, próximo ao Shopping Tamboré, em Alphaville. Lá, souberam que o apartamento era de Wilson Decaria Júnior, conhecido como “Tio”.
 

Apartamento onde ocorreu o encontro (Reprodução)

Apartamento onde ocorreu o encontro

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Cabelo Duro ficou curioso para entender o esquema e fez uma série de perguntas. Quem explicava a operação era o Tio, segundo depoimento de Felipe para a polícia. Quase tudo o que Tio disse na reunião convergia com o que Cabelo Duro já sabia sobre como funcionava o esquema de repatriação de dinheiro via doleiros.

Ali mesmo, já fizeram a primeira transação, de recursos provenientes da Holanda. Naquela ocasião, os operadores financeiros cobraram 8% do total repatriado. Eles também decidiram que só se comunicariam por meio de um serviço de dados protegido, chamado de PGP. Felipe afirmou para a polícia que ficou claro que o chefe da operação de repatriar o dinheiro era o Tio. Os Neman seriam intermediários.
 

Cabelo Duro explicou na conversa que a maioria da droga enviada por ele ao outro lado do oceano chegava lá pelos portos de Holanda e Bélgica, mas se espalhava por toda a Europa. Em contrapartida, o dinheiro costumava voltar via Espanha, Inglaterra, Holanda e Portugal.

Ficou estabelecido que, para a operação deles, o dinheiro teria que ser entregue em espécie na Europa. Lá, um emissário de Tio tinha como código de confirmação o número de série de uma nota. Era a senha que eles usavam para saber quem iria receber os valores. Normalmente, a transação era realizada em hotéis.

De lá, o dinheiro era depositado em uma conta bancária na Europa e transferido para a China, mediante doleiros chineses ligados ao comércio da rua 25 de Março, em São Paulo. Por esse esquema, Cabelo Duro recebia o dinheiro em real. Quando precisava receber em dólar, porque tinha compromissos a pagar na moeda americana, recorria a outro doleiro não identificado.
 

Dinheiro na mão

No início dos negócios com Tio, Cabelo Duro teria ido com o piloto Felipe buscar o dinheiro pessoalmente no escritório dele, o mesmo onde haviam firmado a negociação em Alphaville. Em outras datas, a entrega era em flats localizados na Alameda Santos, nos Jardins. Em todas as vezes, quem entregava o dinheiro eram Caio e Dalton. Parte desse dinheiro, descia de carro ou de helicóptero para o Guarujá, onde ficava Cabelo Duro.

Pouco antes de morrer, Cabelo Duro teria relatado para seu piloto que estava incomodado com a conduta de um dos operadores. Caio Neman estaria circulando por favelas da Baixada Santista oferecendo serviços financeiros a outros criminosos. Para isso, ele dizia que Cabelo Duro era seu cliente, para tentar fisgá-los.

Dalton e Caio foram presos preventivamente na Operação Tempestade, no último dia 3. A defesa dos dois defende a legalidade de suas transações financeiras. Tio está foragido desde junho, quando saiu da prisão; ele estava detido sob a suspeita de um homicídio cometido contra um advogado em junho de 2019,  e foi solto por um habeas corpus concedido pelo ministro Marco Aurélio Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal).

https://img.r7.com/images/helicoptero-que-teria-sido-usado-para-matar-lideres-do-pcc-01032018192416512

Divulgação/ Polícia Civil
Piloto do voo da morte

Felipe foi o piloto que levou Cabelo Duro para praticar o duplo homicídio de Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, e Fabiano Alves de Souza, o Paca, no Ceará. De acordo com seus advogados, um mês antes do crime, ele foi torturado fisicamente, com prática de espancamento, em uma favela do Guarujá.

De acordo com o MP-SP (Ministério Público de São Paulo), Gegê e Paca foram assassinados no Ceará porque estavam desviando dinheiro da facção criminosa. Gegê, que havia deixado a prisão em 1º de janeiro de 2017 e, de acordo com relatório Núcleo Regional de Inteligência e Segurança Penitenciária da Croeste (Coordenadoria das Unidades Prisionais da Região Oeste do Estado de São Paulo), recebeu a missão de organizar e colocar em prática um plano de fuga de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, principal líder da facção.

Além de não cumprir o plano, Gegê, com seu braço-direito Paca, teriam roubado dinheiro obtido com transações do tráfico internacional de drogas em Santos (SP), além de terem criado uma estrutura milionária em Fortaleza (CE). Como punição, Gegê foi assassinado em uma reserva indígena e teve os olhos furados. Seu enterro, em São Paulo, foi vazio. Não houve condolências da massa carcerária.

A defesa do piloto protocolou ao STJ, que, 12 dias depois de ter sido torturado, ele foi procurado em sua empresa no Guarujá por Cabelo Duro, que teria o ameaçado e dito que as agressões eram apenas um aviso. Cabelo Duro também teria afirmado que, se Morais deixasse de prestar serviços ao PCC, a família do piloto seria caçada.

Defesa de Felipe narra tortura sofrida por ele antes da participação nas mortes de Gegê e Paca (Reprodução)

Defesa de Felipe narra tortura sofrida por ele antes da participação nas mortes de Gegê e Paca

Reprodução

Dias depois de ter assassinado Gegê do Mangue e Paca, Cabelo Duro foi chamado para uma reunião no flat que costumava usar para tratar dos negócios do tráfico no Tatuapé, Zona Leste de São Paulo. O encontro foi realizado a pedido de José Adinaldo Moura, o Nado, outro integrante da facção. Lá, Cabelo Duro foi alvo de uma emboscada e morreu fuzilado. Nado está desaparecido desde então.

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Conteúdo: Núcleo de Jornalismo Investigativo 
Reportagem: Luís Adorno
Colaboração: Márcio Neves e Tiago Muniz
Coordenação: Thiago Samora
Chefe de Redação: André Caramante